O lugar era um restaurante.
Muitas pessoas em várias mesas. Mas em uma, especialmente, algo chama a
atenção: alguns canudos de formatura espalhados pela mesa denunciavam algumas
conquistas alcançadas. Não foi isto o que chamou a atenção, mas sim um senhor
de quase 80 anos, sozinho, isolado, sentado próximo
à ponta da mesa, da mesma mesa aonde os canudos de formatura estavam
espalhados.
Os canudos de formatura são
encarados como conquistas. Mas por que não a velhice também? Muitos respeitam a
velhice; muitos não. Muitos a encaram como conquista; muitos não. O fato é que
a velhice é um estado natural de todo aquele que vive a plenitude de sua vida.
Aquele que não envelhece é porque está morto.
Não sei se o pessoal daquela mesa
sabia disto.
Muitas vezes não nos damos conta
do quanto contribuímos para aumentar o sentimento de isolamento do outro. E
vice-versa. Somos assim. Em função de nossa incompletude, vamos fazendo coisas,
tomando atitudes sem prestarmos muito atenção às consequências.
Nosso comportamento hostil e
desatencioso convida, ostensiva e diariamente, várias pessoas ao caminho da solidão.
Somos muito bons nisto.
Estar numa festa, porém sem
participar dela: talvez este tenha sido o sentimento daquele senhor sentado próximo à ponta da mesa. Quem o colocou
lá? Talvez ele mesmo tenha se colocado lá. Não dá para saber. Mas o fato é que
ele estava sentado lá, bem próximo à
ponta da mesa. O lugar aonde nos colocamos é aonde, efetivamente, estamos.
Dependendo do lugar que você
ocupar na vida ou na mesa, você simplesmente não participará, não terá voz, não
terá acesso ao falar. Ou ao contrário, você sempre será convidado a falar,
mesmo que não tenha nada a dizer. Mas como vivemos no contexto das aparências,
vamos fingindo que falamos e o outro fingindo que entende. E assim vamos
criando mundos paralelos e sem muitas culpas e escrúpulos. Afinal, quem vai nos
procurar para nos responsabilizar?
Aquele senhor usava óculos de elevada
graduação que davam pistas do quanto ele tinha visto na vida. Mas alguém estava
interessado? Acredito que não porque ele estava sentado próximo à ponta da mesa. E
quem se senta próximo à ponta da mesa
corre sérios riscos de ficar à margem da vida, à margem de si próprio.
Simplesmente à margem.
Sentar próximo à ponta da mesa é ter, como companheira, uma velha
conhecida nossa: a solidão. Esta visita sorrateira que chega sem avisar e o pior:
tem as chaves de nossa casa. Portanto, ela não toca a campainha: simplesmente
entra.
A solidão é silenciosa. Não pede
licença. Vê um espaço e se acomoda. Não faz distinção por raça, idade e sexo.
Não é preconceituosa. Só quer um espaço para se manifestar.
Penso que a pior solidão que
existe não é aquela cuja vida te proporcionou, sem te dar muitas escolhas.
Claro, esta é triste, também. Afinal, quem quer ser solitário? Mas penso que as
contingências da vida que o levaram ao estado de solidão não podem ser
calculadas e medidas por uma régua o tempo todo. Portanto não há como controlar
tudo. Nem sempre temos escolhas. Nem sempre temos as melhores escolhas. É
preciso aceitar e seguir.
Mas penso que a pior solidão é
aquela imposta por quem nos rodeia, pela sociedade, por aqueles que nos
conhecem, mesmo que seja sem perceber, sem querer. A solidão provocada por
aqueles que te esquecem, mesmo quando você está presente. E para completar, a solidão
que acompanha a velhice.
A solidão não acontece apenas
quando se está só. Esta solidão é conhecida. Esta solidão é sabida. É uma
solidão batida, que já bateu à porta de muitos.
Falo da solidão sentida na
presença de muitos, na presença de todos. Só que ninguém percebe você, ninguém
vê você, mesmo estando todos presentes. E quando se dão conta da sua presença é
apenas para te levarem ao banheiro... como aconteceu com aquele senhor sentado próximo à ponta da mesa.
Ir ao banheiro é uma necessidade
fisiológica, apenas. E as necessidades essenciais? Carinho, atenção, afeto...meu
Deus, quem inventou isto?
A solidão que ninguém vê, que ninguém
sabe ou finge que não sabe.
Estamos todos à mesa. “Estamos
nos divertindo, não estamos? ” “Qual é o problema de se sentar próximo à ponta da mesa? ”, alguém
poderá dizer.
Aquele que sofre de solidão não
ousará discordar. Como discordar se vivemos a tirania da felicidade? Nossas
infâncias foram educadas para pedirem desculpas todas as vezes que choraram.
A solidão se dá quando a sua
história não interessa a mais ninguém. Quando alguém dá um sorriso frouxo para
você como que a dizer: “e daí? ”
A solidão se dá quando se
envelhece: raros são os velhos que têm companhia e atenção. Tratamos os velhos
como se fosse errado envelhecer. Como se o envelhecimento fosse um problema. Problema
é não enxergar na velhice uma conquista.
Temos falsos escrúpulos para
dizermos a palavra “velho”. Qual é o problema? Por que falamos “idosos” e não
“velhos”? Isto não é pejorativo. O que é pejorativo é não valorizar a velhice,
os anos percorridos e as conquistas. Idoso é aquele que tem muita idade. Qual é
a diferença?
Desprezamos a velhice porque a
vaidade nos domina. O culto à juventude conduz à miopia e à doença da alma.
Lembramos dos velhos para levar
até eles o remédio do horário marcado ou para levá-los à consulta marcada.
Raros são os que se lembram deles para ouvirem suas histórias e aprenderem com
tanta sabedoria.
Pobres míopes somos! Arrogantes
em nossas frágeis escadas da ignorância. Mas só saberemos a fragilidade delas
após a queda.
A solidão se dá nisso. Velhos são
os outros. Talvez nós ainda não sejamos somente por uma questão de tempo. Mas
se continuarmos aqui, chegaremos à velhice. Velhos somos todos nós.
A solidão se dá quando você percebe
que o que você quer contar ninguém quer mais ouvir.
A solidão é um estado de estar presente-ausente: presente fisicamente e
ausente na alma.
A solidão acontece quando o
contexto te coloca para fora, sentado próximo
à ponta da mesa. Estar sentado próximo
à ponta da mesa simboliza a facilidade de te tirarem de lá.
Quem se senta próximo à ponta da mesa sai sem ser
notado.
Solidão não é um estado desejado:
é um estado imposto, mesmo que por nós mesmos.
Solidão é um querer sair quando
ainda ninguém chegou.
Solidão é querer o silêncio como
companhia.
É quando ouvir os pássaros começa
a incomodar e quando o sofrimento passa a ser o seu guia.
Solidão é não ter paciência para
ouvir a história do outro.
A solidão se dá quando perdemos o
sentido sobre aquilo que fazemos.
Quando um jovem está solitário,
dizem: “É a juventude! Eles adoram ficar sozinhos. ” Mas quando um velho está
sozinho dizem: “Coitado” ou “Quem vai cuidar dele? ”
A juventude tem um álibi que não
serve para a velhice. Para tudo a juventude tem desculpas e um álibi; para nada
a velhice tem desculpas.
Envelhecer é um ato de coragem
num mundo em que a velhice incomoda. Talvez ela incomoda porque tem muito a
dizer.
Ser velho não dá ibope e não
vende numa sociedade corruptível. Ser velho é um estado natural e não uma culpa
apenas na sociedade incorruptível.
Vivemos numa sociedade invertida:
o valor é dado àqueles que têm e não àqueles que são.
Os excessos nos impedem de
enxergar o que realmente tem valor, o que realmente importa.
Olhar e perceber deveria ser uma
obrigação. Olhamos porque está a nossa frente, mas não percebemos. Quem estava
ali? “Não vi, me desculpe. Mas a propósito: tinha alguém ali, mesmo? Não sei.
Não vi. Estou indo agora. Desculpe. Tenho pressa. Depois nos falamos. ”
A velhice precisa ser percebida,
sentida, vivida. Ela traz os seus problemas assim como a juventude também.
Do que adiantarão os canudos de
formatura se não valorizarmos o avançar do tempo e da idade para podermos viver
tudo o que eles poderão nos proporcionar?
Somos paradoxais. Seres
paradoxais. A juventude envelhece a cada minuto transcorrido.
“Nada é mais atual do que envelhecer”,
disse Arnaldo Antunes.
Por isto te faço uma pergunta:
qual posição da mesa você ocupa ou tem ocupado? Se você estiver sentado próximo à ponta da mesa, você saberá o
lugar que você ocupará e tem ocupado na vida. A menos que você se levante
imediatamente e vá buscar o assento que cabe a você por direito e por merecimento.
Só não demore para fazer esta
busca. Talvez não haja mais espaços na mesa e você, infelizmente, deverá se
sentar próximo à ponta da mesa...
Querida Remata, sua "provocação" é pertinente e nos faz lembrar que, se vivermos, todos passaremos pelos desafios do envelhecimento e, talvez, seja tarde para nós lembramos dos nossos "velhos" de hoje. Bj com carinho.
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