São tantas coisas para aprender,
para conhecer, para saber.
Às vezes, a gente acha que sabe.
E depois, logo ali, descobrimos que não sabemos. E o pior: descobrimos que não
sabemos por meio de uma pessoa que talvez saiba menos do que a gente. Irônico,
não? Mas é assim.
São tantas coisas para darmos
conta, que não fazemos mais contas. Muitos as fazem de cabeça; mas outros ainda
não sabem que podem fazê-las de cabeça. E outros estão tentando ainda entender
como se faz uma conta, que dirá de cabeça...
Às vezes, a gente se perde na
nossa conta. Conta de coisas contáveis e conta de coisas incontáveis. Coisas
tangíveis e coisas intangíveis. E se esquecermos de contá-las? Com os tangíveis
não corremos este risco. Porém com os intangíveis, estes sim merecem uma
especial atenção. Passam despercebidos, quietos, inexpressivos. Talvez eles
devessem estar contemplados em contas específicas. Desta forma, não nos
esqueceríamos deles. Mas enfim, são tantas as contas para darmos conta, que
esta acaba sendo só mais uma...
Será que teremos tempo para
darmos conta de tudo? Talvez. O problema do talvez
é que ele tenta ser amigo dos dois lados: do sim e do não. Ele deveria
escolher um lado. Mas não. Fica ali e lá, aqui e acolá, à esquerda e à direita,
só reforçando nossas dúvidas. Ele indica tendência e possibilidade, mas sem nos
dar certeza alguma.
O talvez nos coloca como participantes
de um jogo de xadrez: pensamos, estudamos a próxima jogada, observamos a jogada
do outro, vamos em busca de uma nitidez de movimento de peças sem nos darmos
conta da nossa estupidez. Nitidez de movimento? Que nitidez? O que sabemos
sobre isto? A mesquinhez de nossos passos quando não nos damos conta de um
vasto caminho que se mostra a nossa frente. A nitidez da jogada que buscamos
somente será encontrada mediante erros cometidos por causa de nossa pequenez.
Nossos erros nos fazem grandes se
tivermos a coragem de trilhá-los e de assumi-los.
Nossas dúvidas são somente
caminhos de certezas não ouvidas.
Dúvidas são certezas analisadas.
Quando ouvimos as dúvidas elas
mudam de lugar. Vão para o campo das certezas. Saem da pequenez. Mas é preciso
ouvi-las.
Escuridão. Densidão. Só depois da
escuridão é que o dia começa a clarear.
Da forma inconstante surge a forma.
Mas é preciso acreditar nela, mesmo que, aparentemente, disforme. Quem falou
que ela está fora do padrão?
Da ausência do que nunca foi dito
surgem os silêncios que constroem. Mas é preciso ouvi-los.
Da aparente lucidez surge a escuridão
que traz à tona o falso e o palco.
Este palco cujo piso foi
inaugurado pelos vaidosos. E os outros? Os outros vivem. Eles não precisam do palco
para se sentirem vivos.
O barulho que ocupa o lugar
deixado pelo silêncio cansado.
O aposento que se aposentou
porque deixou de existir.
O sol que chegou à noite porque
se atrasou conversando com a lua.
A contradição absolutamente
correta porque o mundo é desigual. Aliás, não o mundo, mas sim nós. Isto. Nós
somos desiguais. Não o mundo.
Injustiça? Somente para quem
convive com ela. Quem não convive, certamente nunca a conheceu, nem num
dicionário.
Quem atravessou a rua perde
grande parte da visão ou brinca de faz-de-contas. Assim fica mais fácil.
Da anestesia dos nossos tempos.
Foi-se o tempo em que anestesiar era tomar uma injeção para não sentir dor.
Estamos anestesiados frente à dor alheia porque também já não a sentimos em
nós. São tantas dores que elas próprias se perdem dentro de nós. Quando as dores
são muitas, anestesiar pode ser um forte aliado. Mas tomamos demais deste tal
remédio, porque a dor, além de anestesiada está banalizada.
Hoje morreram muitos num conflito
aqui, ontem uma pessoa morreu lá, anteontem foi lá não sei onde. E assim vamos.
Para onde? Não sei. Mais uma coisa para nos darmos conta. Não sei se isto
também está naquela conta lá de cima. Deveria. Mas não sei se está. De qualquer
forma, se esquecermos de colocar o custo da anestesia também na nossa conta,
alguém a enviará para nós. Estejamos certos.
Vivemos como se nunca fôssemos
ser descobertos.
A hipocrisia que sustenta a
alienação das mentes. Esta é outra conta que virá alta, bem alta.
Mentes que mentem.
Mentes que matam.
Mentes que mandam.
Mas quem se importa? Só os que
têm mentes verdadeiras, mas que agora choram.
A sujeira que a luz traz, mas que
precisa ser limpa.
O limpo aguarda a sua chance.
Enquanto isto, ele vai se sujando. É uma pena. Mas se olharmos com olhos
atentos, encontraremos partes ainda limpas. Mas é preciso apressar o passo.
Um peso e duas medidas. Ainda se
usa este ditado? O desuso é atual.
Pesos desiguais, medidas também.
Mas quem toma conta disto? Desculpe, a balança está no conserto...está quebrada
há tempos...venceu o prazo. Ninguém foi pegá-la. E o dono vendeu a balança para
pagar o conserto... é uma pena.
A fila é grande, mas a senha foi
entregue. Poucas. Mas foram entregues. Já é um começo.
Não reclame: muitos nem senha
conseguiram! Você teve sorte! Viu como valeu a pena dormir dois dias na fila e
tomar chuva?
A paciência que não espera mais.
Nem ela teve paciência.
O grito sufocado que liberta a
voz que cala. Que de tão calada, nem se lembrava mais que podia falar. E falou.
E falou. E falou.
Alguém nos ensina a gritar de
novo, por favor?
Os pés caminham por direções
tortas.
Alguém sabe o caminho?
Só os rios sabem o caminho. Mas
quem os ouve com este silêncio desconcertante?
O silêncio angustia. Fale alguma
coisa, por favor. Nem que seja para discordar do que digo. Ninguém vai notar.
Que diferença isto faz? Ninguém quer saber a sua opinião mesmo. O que importa é
parecer que falou, parecer que pensou, parecer que entendeu, parecer
que dançou, parecer que viveu...
E quando você se der conta disto,
será preciso recomeçar... E com as contas sobre os ombros.
O silêncio não nos representa. O
falar sem parar sim.
Queremos as luzes da ribalta, o palco
do palhaço, os aplausos do artista, os confetes do carnaval. Mas não a ribalta
que apresenta, mas a que ostenta; não o palco do palhaço que chora a dor conhecida,
mas o que ri sem sentido; não o aplauso sincero, mas o que corrói a alma e
empobrece o encanto; não os confetes que brincam, mas os que mostram a nossa
pobreza moral que de tão fraca se despedaçou na avenida.
Acendam as luzes! A dor tira as
suas máscaras!
Por que a inteligência é obrigada
a ceder o seu lugar à ignorância? Por que a educação não tem voz? Por que não
queremos sair do anonimato da dor?
Nossos silêncios deveriam nos
construir. Nossas lacunas deveriam ter seus espaços respeitados. Mas tudo está
ocupado porque nossa conveniência condena a nossa expansão.
Nossos silêncios e nossas lacunas
nos incomodam. Acabamos de tomar um remedinho para curar tudo isto. A
medicalização daquilo que é natural tem sido o norte da nossa sociedade.
Deveríamos sentir os nossos silêncios. Viver as nossas lacunas. Mas tomar um
remédio é mais fácil, não é? Ainda mais com tantos médicos dispostos a nos
ajudar com isto.
Somos seres com espinhos, muitos
espinhos. Mas são eles que criam a espinha dorsal da vida de sentido, sem beatices.
Mas os espinhos machucam. Isolamo-nos por conta deles.
A convivência que tem sido
substituída pela conveniência. Alguém já acessou o whatsapp hoje?
O abandono de nossas ideias e de
nossos ideais em nome da submissão, da anulação e da bajulação.
São tantas as contas...
Quero concluir este texto, mas
não a reflexão, com um pensamento de Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço,
que diz:
“Queremos ter certezas e não
dúvidas, resultados e não experiências, mas nem mesmo percebemos que as
certezas só podem surgir através das dúvidas e os resultados somente através
das experiências. ”
Bela provocação. Num mundo
impregnado pela cultura do fast,
aceitar a dúvida e a experiência, o não saber e o caminhar, são, no mínimo,
exercícios para um redescobrimento da vida e de seu real valor.
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