domingo, 10 de abril de 2016

O não saber é uma forma de saber

São tantas coisas para aprender, para conhecer, para saber.

Às vezes, a gente acha que sabe. E depois, logo ali, descobrimos que não sabemos. E o pior: descobrimos que não sabemos por meio de uma pessoa que talvez saiba menos do que a gente. Irônico, não? Mas é assim.

São tantas coisas para darmos conta, que não fazemos mais contas. Muitos as fazem de cabeça; mas outros ainda não sabem que podem fazê-las de cabeça. E outros estão tentando ainda entender como se faz uma conta, que dirá de cabeça...

Às vezes, a gente se perde na nossa conta. Conta de coisas contáveis e conta de coisas incontáveis. Coisas tangíveis e coisas intangíveis. E se esquecermos de contá-las? Com os tangíveis não corremos este risco. Porém com os intangíveis, estes sim merecem uma especial atenção. Passam despercebidos, quietos, inexpressivos. Talvez eles devessem estar contemplados em contas específicas. Desta forma, não nos esqueceríamos deles. Mas enfim, são tantas as contas para darmos conta, que esta acaba sendo só mais uma...

Será que teremos tempo para darmos conta de tudo? Talvez. O problema do talvez é que ele tenta ser amigo dos dois lados: do sim e do não. Ele deveria escolher um lado. Mas não. Fica ali e lá, aqui e acolá, à esquerda e à direita, só reforçando nossas dúvidas. Ele indica tendência e possibilidade, mas sem nos dar certeza alguma.

O talvez nos coloca como participantes de um jogo de xadrez: pensamos, estudamos a próxima jogada, observamos a jogada do outro, vamos em busca de uma nitidez de movimento de peças sem nos darmos conta da nossa estupidez. Nitidez de movimento? Que nitidez? O que sabemos sobre isto? A mesquinhez de nossos passos quando não nos damos conta de um vasto caminho que se mostra a nossa frente. A nitidez da jogada que buscamos somente será encontrada mediante erros cometidos por causa de nossa pequenez.

Nossos erros nos fazem grandes se tivermos a coragem de trilhá-los e de assumi-los.

Nossas dúvidas são somente caminhos de certezas não ouvidas.

Dúvidas são certezas analisadas.

Quando ouvimos as dúvidas elas mudam de lugar. Vão para o campo das certezas. Saem da pequenez. Mas é preciso ouvi-las.

Escuridão. Densidão. Só depois da escuridão é que o dia começa a clarear.

Da forma inconstante surge a forma. Mas é preciso acreditar nela, mesmo que, aparentemente, disforme. Quem falou que ela está fora do padrão?

Da ausência do que nunca foi dito surgem os silêncios que constroem. Mas é preciso ouvi-los.

Da aparente lucidez surge a escuridão que traz à tona o falso e o palco.

Este palco cujo piso foi inaugurado pelos vaidosos. E os outros? Os outros vivem. Eles não precisam do palco para se sentirem vivos.

O barulho que ocupa o lugar deixado pelo silêncio cansado.

O aposento que se aposentou porque deixou de existir.

O sol que chegou à noite porque se atrasou conversando com a lua.

A contradição absolutamente correta porque o mundo é desigual. Aliás, não o mundo, mas sim nós. Isto. Nós somos desiguais. Não o mundo.

Injustiça? Somente para quem convive com ela. Quem não convive, certamente nunca a conheceu, nem num dicionário.

Quem atravessou a rua perde grande parte da visão ou brinca de faz-de-contas. Assim fica mais fácil.

Da anestesia dos nossos tempos. Foi-se o tempo em que anestesiar era tomar uma injeção para não sentir dor. Estamos anestesiados frente à dor alheia porque também já não a sentimos em nós. São tantas dores que elas próprias se perdem dentro de nós. Quando as dores são muitas, anestesiar pode ser um forte aliado. Mas tomamos demais deste tal remédio, porque a dor, além de anestesiada está banalizada.

Hoje morreram muitos num conflito aqui, ontem uma pessoa morreu lá, anteontem foi lá não sei onde. E assim vamos. Para onde? Não sei. Mais uma coisa para nos darmos conta. Não sei se isto também está naquela conta lá de cima. Deveria. Mas não sei se está. De qualquer forma, se esquecermos de colocar o custo da anestesia também na nossa conta, alguém a enviará para nós. Estejamos certos.

Vivemos como se nunca fôssemos ser descobertos.

A hipocrisia que sustenta a alienação das mentes. Esta é outra conta que virá alta, bem alta.

Mentes que mentem.

Mentes que matam.

Mentes que mandam.

Mas quem se importa? Só os que têm mentes verdadeiras, mas que agora choram.

A sujeira que a luz traz, mas que precisa ser limpa.

O limpo aguarda a sua chance. Enquanto isto, ele vai se sujando. É uma pena. Mas se olharmos com olhos atentos, encontraremos partes ainda limpas. Mas é preciso apressar o passo.

Um peso e duas medidas. Ainda se usa este ditado? O desuso é atual.

Pesos desiguais, medidas também. Mas quem toma conta disto? Desculpe, a balança está no conserto...está quebrada há tempos...venceu o prazo. Ninguém foi pegá-la. E o dono vendeu a balança para pagar o conserto... é uma pena.

A fila é grande, mas a senha foi entregue. Poucas. Mas foram entregues. Já é um começo.

Não reclame: muitos nem senha conseguiram! Você teve sorte! Viu como valeu a pena dormir dois dias na fila e tomar chuva?

A paciência que não espera mais. Nem ela teve paciência.

O grito sufocado que liberta a voz que cala. Que de tão calada, nem se lembrava mais que podia falar. E falou. E falou. E falou.

Alguém nos ensina a gritar de novo, por favor?

Os pés caminham por direções tortas.

Alguém sabe o caminho?

Só os rios sabem o caminho. Mas quem os ouve com este silêncio desconcertante?

O silêncio angustia. Fale alguma coisa, por favor. Nem que seja para discordar do que digo. Ninguém vai notar. Que diferença isto faz? Ninguém quer saber a sua opinião mesmo. O que importa é parecer que falou, parecer que pensou, parecer que entendeu, parecer que dançou, parecer que viveu...

E quando você se der conta disto, será preciso recomeçar... E com as contas sobre os ombros.

O silêncio não nos representa. O falar sem parar sim.

Queremos as luzes da ribalta, o palco do palhaço, os aplausos do artista, os confetes do carnaval. Mas não a ribalta que apresenta, mas a que ostenta; não o palco do palhaço que chora a dor conhecida, mas o que ri sem sentido; não o aplauso sincero, mas o que corrói a alma e empobrece o encanto; não os confetes que brincam, mas os que mostram a nossa pobreza moral que de tão fraca se despedaçou na avenida.

Acendam as luzes! A dor tira as suas máscaras!

Por que a inteligência é obrigada a ceder o seu lugar à ignorância? Por que a educação não tem voz? Por que não queremos sair do anonimato da dor?

Nossos silêncios deveriam nos construir. Nossas lacunas deveriam ter seus espaços respeitados. Mas tudo está ocupado porque nossa conveniência condena a nossa expansão.

Nossos silêncios e nossas lacunas nos incomodam. Acabamos de tomar um remedinho para curar tudo isto. A medicalização daquilo que é natural tem sido o norte da nossa sociedade. Deveríamos sentir os nossos silêncios. Viver as nossas lacunas. Mas tomar um remédio é mais fácil, não é? Ainda mais com tantos médicos dispostos a nos ajudar com isto.

Somos seres com espinhos, muitos espinhos. Mas são eles que criam a espinha dorsal da vida de sentido, sem beatices. Mas os espinhos machucam. Isolamo-nos por conta deles.

A convivência que tem sido substituída pela conveniência. Alguém já acessou o whatsapp hoje?

O abandono de nossas ideias e de nossos ideais em nome da submissão, da anulação e da bajulação.

São tantas as contas...

Quero concluir este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço, que diz:

“Queremos ter certezas e não dúvidas, resultados e não experiências, mas nem mesmo percebemos que as certezas só podem surgir através das dúvidas e os resultados somente através das experiências. ”

Bela provocação. Num mundo impregnado pela cultura do fast, aceitar a dúvida e a experiência, o não saber e o caminhar, são, no mínimo, exercícios para um redescobrimento da vida e de seu real valor.

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