Corremos para nos levantar
Corremos para nos alimentar
Corremos para apertar o soneca do
rádio-relógio
Corremos para tomar o remédio
para dormir porque não há tempo de esperar o sono chegar
Corremos para comprar livros com
figuras grandes e assim acabar logo a leitura
Corremos os olhos pelo calendário
a procura do próximo feriado
Corremos a nossa fala e
aceleramos a dos outros
Corremos do trânsito e no
trânsito porque a pressa é nossa passageira mais inquieta
Corremos para pegar as balas que
estão no retrovisor do carro
Corremos os olhos pelo texto
porque estamos sem tempo para ler
Corremos para ter o melhor
condicionamento físico
Corremos para comprar o presente
mais caro, mas não o mais importante
Corremos do dicionário porque já
sabemos todos os significados
Corremos o dia todo para não
pensar no que precisa ser pensado
Corremos durante a semana para
chegar logo o final de semana e aí correr mais ainda sem saber para aonde
Corremos para interromper o que
alguém está tentando nos dizer
Corremos para dizer futilidades
no facebook e deixar o que é
importante para depois
Corremos da chuva
Corremos da vida
Corremos dos sonhos como fuga
Corremos para entregar o texto em
tempo
Corremos para ganhar tempo
Corremos porque perdemos tempo
Corremos para fugir do sol
Corremos porque achamos chique
dizer que estamos correndo
Corremos para fazer parte de uma
sociedade que corre
Corremos para ter muitos afazeres
e assim nos sentir importantes
Corremos porque, desta forma, não
precisaremos dar satisfações
Corremos porque nos identificamos
com o Coelho de Alice
Corremos porque a pressa é nossa
meta
Corremos porque não enxergamos
sentido no caminhar
Corremos porque é tudo para ontem,
o amanhã pode esperar
Corremos porque o médico mandou
Corremos a maratona para dizer
que somos saudáveis, mas depois vamos ao fastfood
Corremos dos compromissos porque
não teremos tempo de cumpri-los
Corremos do que realmente importa
por puro medo
Corremos de nossos valores e de
nossas convicções simplesmente por achar que devemos concordar com o outro
Corremos de cumprimentar o
vizinho e assim não precisar saber como ele está
Corremos para deixar o outro ir
bem à frente e assim não precisar cumprimentá-lo, muito menos segurar a porta
Corremos daquele conhecido, assim
não preciso ajudá-lo com as sacolas
Corremos para aproveitar o sol e
secarmos a roupa
Corremos para entregar porque
prometemos, mas não porque quisemos
Corremos porque alguém falou que
sempre foi assim
Corremos para ler a resenha
porque o livro é muito longo
Corremos para nos sentir um igual
Corremos para assistir ao filme
no cinema porque tem cinco estrelas da crítica
Corremos para fazer parte da
correria mesmo que ela não faça sentido
Corremos porque o dia “só” tem 24
horas
Corremos porque o ônibus está
chegando e ele não espera
Corremos porque a novela vai
começar
Corremos para fugir do útil e
servir ao inútil
Corremos para que não tropecem em
nós
Corremos para não sermos vistos
como diferentes numa sociedade de commodities
Corremos para darmos conta de uma
agenda que lotamos só para impressionar quem acredita nisto
Corremos porque se pararmos não
saberemos andar
Corremos para nos esconder
Corremos para que nos vejam
Corremos da velhice e usamos
cremes que aprenderam a mentir para nós
Corremos da infância porque
queremos ser grandes, e depois de grandes nos esquecemos que crescemos e agimos
como crianças
Corremos para pegar a primeira
fila
Corremos para passar o farol que
está fechando
Corremos para furar a fila porque
estamos com pressa
Corremos para chegar primeiro
mesmo sem saber aonde se quer chegar
Corremos para pegar o microfone
mesmo sem saber o que perguntar e se é preciso perguntar
Corremos para dizer que sabemos, mas
a verdade é que nem ouvimos a pergunta
Corremos para justificar nosso
voto e assim aproveitar o feriado prolongado
Corremos para criticar o
político, mas somos o primeiro a votar nele
Corremos para criticar a política
e o País, mas somos o primeiro a anular o nosso voto
Corremos para criticar a
economia, mas somos o primeiro a mudar o canal quando o assunto é economia
Corremos para falar de ética, mas
somos o primeiro a pedir para “dar um jeitinho”
Corremos para dizer que fomos à
Europa mesmo sem conhecer o nosso bairro direito
Corremos para lotar a agenda do
nosso filho, e assim nos vangloriar para os “amigos”
Corremos para lotar a agenda do
nosso filho, mesmo que isto diminua nosso tempo com ele para conhecê-lo, de
verdade, e fazer o que realmente importa
Corremos para aparecer na foto,
mas somos o primeiro a esconder o riso
Corremos para dizer que não somos
preconceituosos, até surgir o primeiro negro e/ou pobre na nossa frente
Corremos para fazer um MBA no
exterior, mas sobre o que mesmo era o curso?
Corremos para dizer que somos
fluentes no inglês porque desprezamos a nossa Língua
Corremos para ouvir o Ministro
dizer que a Educação será valorizada, mas os pit bulls foram soltos atrás dos professores
Corremos para aproveitar a
promoção, mesmo sem precisar do produto
Corremos do tédio
Corremos para o tédio
Corremos para mostrar a nossa
mais nova aquisição
Corremos para mostrar a nossa
embalagem da loja da moda
Corremos para esconder a nossa
embalagem da loja popular
Corremos para dizer “eu também
fiz”
Corremos para ser o primeiro a
dar um like
Corremos para ser o primeiro a
“curtir” um texto sem a menor importância
Corremos para deixar o texto
importante na pasta de pendências
Corremos para abrir a porta sem nos
importar quem seja
Corremos para fechar a porta que
a vida nos abriu
Corremos do menino que nos pediu
esmola
Corremos do cego para não
precisar atravessá-lo
Corremos para apontar o defeito
do outro e disfarçar o nosso
Corremos para trocar o celular
sem ter para quem ligar
Corremos para ter o último
celular mesmo que o primeiro fosse o suficiente
Corremos para a passeata para
parecer engajado e ativista
Corremos para dizer que a
ditadura tem de voltar, mesmo tendo nascido muito depois de ela ter acabado e
sem saber o que, de fato, ela trouxe de sofrimento, atrasos e de alienação
Corremos para dizer que sabemos,
mesmo sem saber o que foi dito
Corremos para julgar, mesmo sem
saber aonde o galo começou a cantar
Corremos para dar uma desculpa
para nossa ausência naquilo que era imprescindível a nossa presença
Corremos para disfarçar a nossa preguiça
Corremos das reuniões
indispensáveis e participamos de “quase” todas dispensáveis
Corremos para discutir quem foi o
eliminado do Big Brother 15
Corremos...
Ufa...e ainda dizem que somos sedentários...
Só não corremos de correr porque
não nos lembramos mais porque falamos que era preciso correr.
Mas como todos correm, por que
pararmos? Se pararmos precisaremos explicar porque não estamos correndo. Então
é melhor correr para não precisar dar explicações.
Enquanto o correr fizer sentido
para o fugir, vamos tratar de correr para encerrar este texto.
Aliás vou correr porque começou a
chover e se eu não correr vou perder a cultura do parecer que me fez permanecer
num mundo do ter em detrimento do ser.... Ué, cadê as vírgulas desta frase?
Foram todas embora. Se elas
permanecessem, qual seria o sentido do correr? Elas nos fariam pausar. Mas como
queremos correr, elas acharam por bem irem andando antes que a chuva as pegasse
desprevenidas! Sábias elas.
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