domingo, 24 de maio de 2015

Você já correu hoje?

Corremos para nos levantar

Corremos para nos alimentar

Corremos para apertar o soneca do rádio-relógio

Corremos para tomar o remédio para dormir porque não há tempo de esperar o sono chegar

Corremos para comprar livros com figuras grandes e assim acabar logo a leitura

Corremos os olhos pelo calendário a procura do próximo feriado

Corremos a nossa fala e aceleramos a dos outros

Corremos do trânsito e no trânsito porque a pressa é nossa passageira mais inquieta

Corremos para pegar as balas que estão no retrovisor do carro

Corremos os olhos pelo texto porque estamos sem tempo para ler

Corremos para ter o melhor condicionamento físico

Corremos para comprar o presente mais caro, mas não o mais importante

Corremos do dicionário porque já sabemos todos os significados

Corremos o dia todo para não pensar no que precisa ser pensado

Corremos durante a semana para chegar logo o final de semana e aí correr mais ainda sem saber para aonde

Corremos para interromper o que alguém está tentando nos dizer

Corremos para dizer futilidades no facebook e deixar o que é importante para depois

Corremos da chuva

Corremos da vida

Corremos dos sonhos como fuga

Corremos para entregar o texto em tempo

Corremos para ganhar tempo

Corremos porque perdemos tempo

Corremos para fugir do sol

Corremos porque achamos chique dizer que estamos correndo

Corremos para fazer parte de uma sociedade que corre

Corremos para ter muitos afazeres e assim nos sentir importantes

Corremos porque, desta forma, não precisaremos dar satisfações

Corremos porque nos identificamos com o Coelho de Alice

Corremos porque a pressa é nossa meta

Corremos porque não enxergamos sentido no caminhar

Corremos porque é tudo para ontem, o amanhã pode esperar

Corremos porque o médico mandou

Corremos a maratona para dizer que somos saudáveis, mas depois vamos ao fastfood

Corremos dos compromissos porque não teremos tempo de cumpri-los

Corremos do que realmente importa por puro medo

Corremos de nossos valores e de nossas convicções simplesmente por achar que devemos concordar com o outro

Corremos de cumprimentar o vizinho e assim não precisar saber como ele está

Corremos para deixar o outro ir bem à frente e assim não precisar cumprimentá-lo, muito menos segurar a porta

Corremos daquele conhecido, assim não preciso ajudá-lo com as sacolas

Corremos para aproveitar o sol e secarmos a roupa

Corremos para entregar porque prometemos, mas não porque quisemos

Corremos porque alguém falou que sempre foi assim

Corremos para ler a resenha porque o livro é muito longo

Corremos para nos sentir um igual

Corremos para assistir ao filme no cinema porque tem cinco estrelas da crítica

Corremos para fazer parte da correria mesmo que ela não faça sentido

Corremos porque o dia “só” tem 24 horas

Corremos porque o ônibus está chegando e ele não espera

Corremos porque a novela vai começar

Corremos para fugir do útil e servir ao inútil

Corremos para que não tropecem em nós

Corremos para não sermos vistos como diferentes numa sociedade de commodities

Corremos para darmos conta de uma agenda que lotamos só para impressionar quem acredita nisto

Corremos porque se pararmos não saberemos andar

Corremos para nos esconder

Corremos para que nos vejam

Corremos da velhice e usamos cremes que aprenderam a mentir para nós

Corremos da infância porque queremos ser grandes, e depois de grandes nos esquecemos que crescemos e agimos como crianças

Corremos para pegar a primeira fila

Corremos para passar o farol que está fechando

Corremos para furar a fila porque estamos com pressa

Corremos para chegar primeiro mesmo sem saber aonde se quer chegar

Corremos para pegar o microfone mesmo sem saber o que perguntar e se é preciso perguntar

Corremos para dizer que sabemos, mas a verdade é que nem ouvimos a pergunta

Corremos para justificar nosso voto e assim aproveitar o feriado prolongado

Corremos para criticar o político, mas somos o primeiro a votar nele

Corremos para criticar a política e o País, mas somos o primeiro a anular o nosso voto

Corremos para criticar a economia, mas somos o primeiro a mudar o canal quando o assunto é economia

Corremos para falar de ética, mas somos o primeiro a pedir para “dar um jeitinho”

Corremos para dizer que fomos à Europa mesmo sem conhecer o nosso bairro direito

Corremos para lotar a agenda do nosso filho, e assim nos vangloriar para os “amigos”

Corremos para lotar a agenda do nosso filho, mesmo que isto diminua nosso tempo com ele para conhecê-lo, de verdade, e fazer o que realmente importa

Corremos para aparecer na foto, mas somos o primeiro a esconder o riso

Corremos para dizer que não somos preconceituosos, até surgir o primeiro negro e/ou pobre na nossa frente

Corremos para fazer um MBA no exterior, mas sobre o que mesmo era o curso?

Corremos para dizer que somos fluentes no inglês porque desprezamos a nossa Língua

Corremos para ouvir o Ministro dizer que a Educação será valorizada, mas os pit bulls foram soltos atrás dos professores

Corremos para aproveitar a promoção, mesmo sem precisar do produto

Corremos do tédio

Corremos para o tédio

Corremos para mostrar a nossa mais nova aquisição

Corremos para mostrar a nossa embalagem da loja da moda

Corremos para esconder a nossa embalagem da loja popular

Corremos para dizer “eu também fiz”

Corremos para ser o primeiro a dar um like

Corremos para ser o primeiro a “curtir” um texto sem a menor importância

Corremos para deixar o texto importante na pasta de pendências

Corremos para abrir a porta sem nos importar quem seja

Corremos para fechar a porta que a vida nos abriu

Corremos do menino que nos pediu esmola

Corremos do cego para não precisar atravessá-lo

Corremos para apontar o defeito do outro e disfarçar o nosso

Corremos para trocar o celular sem ter para quem ligar

Corremos para ter o último celular mesmo que o primeiro fosse o suficiente

Corremos para a passeata para parecer engajado e ativista

Corremos para dizer que a ditadura tem de voltar, mesmo tendo nascido muito depois de ela ter acabado e sem saber o que, de fato, ela trouxe de sofrimento, atrasos e de alienação

Corremos para dizer que sabemos, mesmo sem saber o que foi dito

Corremos para julgar, mesmo sem saber aonde o galo começou a cantar

Corremos para dar uma desculpa para nossa ausência naquilo que era imprescindível a nossa presença

Corremos para disfarçar a nossa preguiça

Corremos das reuniões indispensáveis e participamos de “quase” todas dispensáveis

Corremos para discutir quem foi o eliminado do Big Brother 15

Corremos...

Ufa...e ainda dizem que somos sedentários...

Só não corremos de correr porque não nos lembramos mais porque falamos que era preciso correr.

Mas como todos correm, por que pararmos? Se pararmos precisaremos explicar porque não estamos correndo. Então é melhor correr para não precisar dar explicações.

Enquanto o correr fizer sentido para o fugir, vamos tratar de correr para encerrar este texto.

Aliás vou correr porque começou a chover e se eu não correr vou perder a cultura do parecer que me fez permanecer num mundo do ter em detrimento do ser.... Ué, cadê as vírgulas desta frase?

Foram todas embora. Se elas permanecessem, qual seria o sentido do correr? Elas nos fariam pausar. Mas como queremos correr, elas acharam por bem irem andando antes que a chuva as pegasse desprevenidas! Sábias elas.

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