É inacreditável o quanto
acreditamos no inacreditável: o elogio que mente, a fama que corrompe, o sonho
interrompido.
É inaceitável o quanto aceitamos
o inaceitável: a mentira deslavada, o ego exacerbado, o descabido que nos
convida a abrir mão de nosso senso crítico.
O inacreditável e o inaceitável:
duas faces da mesma moeda. Porque a outra face ainda não a conhecemos.
Aceitar o inaceitável. Acreditar no
inacreditável. Aceitamos e acreditamos. E assim somos misturas da mesma massa.
E assim não precisamos explicar nossas escolhas. E assim não precisamos falar
porque já sabem a nossa opinião. E assim somos iguais num mundo de
desconhecidos e de viajantes. E assim somos invisíveis num mundo ávido por se
mostrar.
Aquele que muito se mostra não é
visto. E também tem medo de ser visto de verdade.
Aquele que muito busca não
encontra. É preciso deixar espaços para ser encontrado.
A busca incessante desequilibra. É preciso saber a hora de parar. E de
recomeçar, também. Mas parar é imprescindível.
Buscar incessantemente é
perseguir algo. E perseguir é não respeitar o tempo. Toda busca precisa de
espaços e de tempo. A ociosidade é indispensável no movimento de busca.
É preciso nos encontrar para que
a nossa condição de ser seja ampliada.
O cristalizado tornou-se
naturalizado. Aceitamos. E por quê? Porque aquilo que se tornou natural não
precisa mais ser aprendido. A nossa rotina agradece. O cristalizado precisa ser
repensado e retirado da prateleira do natural.
Natural devia ser o aceitável e
não o inaceitável. Começamos a refletir sobre isto, mas por qual motivo
paramos? Natural deveria ser acreditar e não o inacreditável. Afinal, chegamos
até aqui, não?
Abrimos mão da amizade, mas não
do preconceito.
Somos felizes quando concordam
com a gente e quando somos elogiados. Não somos capazes de enxergarmos avanços
na crítica.
Crescemos mais na dor porque nela
prestamos atenção. Na dor, somos todos muito parecidos. A dor aguça os nossos
sentidos e amplia os nossos horizontes. Parece que na dor a nossa visão alcança
lugares, até então, não visitados.
Somos capazes de fingir um falso
sono para não nos levantarmos do banco sujo que sujamos, no metrô. Mas não
somos capazes de enxergarmos a necessidade do outro.
O sonho do outro nos representa
porque o sonho do outro já foi detalhadamente trabalhado na sociedade de
iguais. Mas o nosso sonho não nos representa porque ele é diferente, impensado
e inédito.
Aquilo que não foi pensado está
arriscado ao fracasso.
O diferente precisa encarar o
riso do deboche e o olhar cínico daquele que chegou antes da gente e conseguiu
um lugar bom para se sentar. E do lugar dele, tem uma visão privilegiada do irrelevante.
Que é o valorizado pelos que acreditam no inacreditável.
Aquilo que não se vê deveria ser
debatido. Aceitar o invisível é o primeiro passo para reencontrarmos o que
perdemos, mas que não poderíamos ter perdido.
O preconceito é um exemplo do invisível.
Corrompe às escondidas.
O excesso que camufla a carência.
O riso triste que esconde a
tristeza.
A fala sem parar que mostra a
necessidade do silêncio.
Os títulos no lugar das atitudes.
A falácia no lugar da verdade.
O palhaço que deveria fazer rir,
agora chora.
E aquele que deveria chorar para
identificar a dor, ri pela simples falta de quem o acolha em sua dor e em suas
misérias.
As misérias humanas disfarçadas
nos imediatismos dos 140 caracteres.
Fronteiras construídas no lugar
de pontes.
Aquilo que foi proscrito, mas não
poderia. Aquilo que não foi prescrito, mas deveria.
Proscrito. Prescrito. Reescrito
não seria melhor? Mas aceitamos o proscrito e acreditamos no prescrito. A
reescrita não faz parte da nossa rotina.
Estamos exilados dentro de nós
por acreditarmos em conceitos estreitos. Ampliarmos a nossa visão e querer não
acreditar no inacreditável. É preciso remontar sistemas e romper com as linhas
mestras que nada mais dizem.
É preciso entender a construção
para realizar a desconstrução. E assim mudarmos as percepções da nossa
condição.
A nossa percepção das coisas e do
mundo nos impede de ver a realidade.
Existimos, muitas vezes, pela
imposição e não pelo direito que temos de existirmos.
Não reservamos lugares para a diversidade.
Ela não é bem-vinda.
Inaceitável e inacreditável: o
aceitar e o acreditar em melhores destinos. Mas para isto, é preciso aceitar o
diferente. Somente desta forma vivenciaremos a nós próprios.
Rejeitar o inaceitável é aceitar
o outro e, consequentemente, viver a melhor versão de nós mesmos. Rejeitar o
inacreditável é se colocar no mundo, mesmo que às custas de uma caminhada
sozinha e solitária.
Rejeitar o inaceitável é se
reconhecer como um igual. É mergulhar nos nossos conhecimentos e ir ao encontro
de nós mesmos.
Abrir mão do inaceitável é
reconhecer que vivemos numa sociedade que produz excluídos. Que produz
hierarquias, que produz quem pode e quem não pode.
Criar diferenças é uma das nossas
especialidades. E as diferenças criam as injustiças, aqueles que carregarão o
piano e aqueles que tocarão o piano, mesmo que desafinados. Muito desafinados.
Mas como aqueles que ouvem nada entendem, não compreendem aquele desafinar...
Os absurdos que nos movem. Os
acertos que questionamos.
As incorreções que justificamos.
As correções subestimadas.
A vaidade valorizada pelos que
aceitam o inaceitável. A humildade valorizada pelos que não acreditam no
inacreditável, mas que lutam num mundo onde são desacreditados.
O dinheiro que deveria ser o
meio, mas é o fim em si.
E o fim em si que ninguém conhece
porque falta coragem para a caminhada.
Respostas e perguntas que lutam
para serem perguntadas e ouvidas. Mas é preciso mais que simples caracteres. No
mínimo, palavras, bem diferente de caracteres que na época das grandes guerras
eram utilizados. Velhos conhecidos. Nada disto é novo.
Assim como nossas perguntas e
respostas: nada de novo, apenas com nova roupagem, talvez.
Enfim, somos velhos desconhecidos
de nós mesmos. Um pouco de tempo disponível para viajarmos em nós e para nós talvez
nos fizesse muito bem. No mínimo, revisitaríamos o que acreditamos e o que
aceitamos e perceberíamos que muitas coisas estão fora de lugar.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com uma frase de George Moore, romancista irlandês, que diz:
“Um homem percorre o mundo
inteiro em busca daquilo que precisa e volta para casa para encontrá-lo. ”
Pois é, títulos são importantes,
mas não para sabermos o essencial da vida, que sempre esteve e sempre estará
dentro de nós.
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