Há algumas semanas, o controle
remoto da televisão parou de funcionar. Simples assim. Com pouco mais de 05
anos de utilização, muito bem conservado e utilizado, ele resolveu se aposentar.
É preciso respeitar.
Após tentativas de fazê-lo
funcionar (troca de pilha e demais opções que estavam ao alcance), não tive
sucesso. Como a televisão é nova, liguei para a assistência técnica para encomendar
outro controle remoto. Original. Ao
ligar para lá, apesar do bom atendimento, me informaram que o controle que eu
buscava não estava disponível no site da Empresa, estava em falta no mercado.
Mas a assistência não sabia me dizer se era uma falta de produto, apenas, ou se
o controle havia saído de linha. Eu tinha, então, duas opções: fazer o pedido,
mesmo assim, e aguardar uma resposta do fabricante, ou ligar diretamente para
ele e ter mais informações. E foi o que fiz.
Ao ligar para lá, após ouvir todo
o script automático e obrigatório
(disque 1, disque 2, disque 3...), fui para a sexta opção que era o meu caso (disque 6 para falar com um dos nossos
atendentes). Ao ser atendida, pediram meu nome completo e o meu CPF?!
Qual o motivo para alguém pedir o
nome completo e numeração de CPF para uma simples pergunta sobre um controle
remoto? Não é mais ético deixar o cliente falar antes? Há casos em que o CPF é necessário
(uma compra, por exemplo). Mas este não era o meu caso.
Não forneci o meu CPF e nem o meu
nome completo. Para o que eu precisava saber, o meu primeiro nome bastava. E
percebi que a atendente não gostou da minha atitude. Disse: “preciso do número,
senhora, é norma da empresa. ”
Norma?
Continuei não fornecendo os
dados. Disse a ela o motivo da minha ligação. Que apenas gostaria de saber se o
controle remoto modelo X ainda era fabricado. Se sim, quando ele estaria disponível
para compra. Caso contrário, eu compraria o outro oferecido pela assistência
técnica.
E aí, o diálogo abaixo se
desenrolou:
- Mas eu não tenho esta
informação, senhora. Aqui não é logística para eu saber sobre aparelhos. Sou só uma Central de Atendimento. A senhora
precisa falar diretamente na assistência técnica. Mais alguma informação?
- Mas eu já falei com eles. E
eles me pediram para falar diretamente com vocês, os fabricantes. Sei que você
é uma Central de Atendimento (!) e é por isso mesmo que estou ligando. Preciso
saber se este acessório continuará sendo fabricado.
- Só um minuto... (aqui entrou a
música).
após um intervalo de quase dois minutos...
- Obrigada por aguardar...então, eu vi com o meu supervisor, e é
isto mesmo: aqui não é logística. Não
temos como saber isto. Mais alguma
informação, senhora?
- Meu Deus, não há uma área aí
com quem eu possa ter esta informação? Não é possível que eu esteja ligando
para o Fabricante e não consiga esta
informação. Se não é com você, com quem eu posso falar, então?
- Não sei informar, senhora. Aqui é só uma Central de Atendimento ao
cliente. Mais alguma informação?
- Eu sei que aí é a Central, meu
Deus, e que eu sou o cliente. Quero
falar, então, com o seu supervisor. Você, me passa, por favor?
- Senhora, não estou autorizada.
Mas já informei a senhora que não temos este tipo de informação. Posso ajudá-la
em algo mais?
(Ajudá-la? Ela não me
ajudou…)
- Sim, claro, você pode me
ajudar, sim. Vocês possuem um canal de reclamação e uma Ouvidoria, eu acredito.
- Ah, sim, senhora, temos sim.
- Ah, que ótimo. Você pode me
falar, então, se posso registrar a reclamação pela internet ou se preciso
ligar?
- Pois não, senhora, a senhora poderá estar fazendo a reclamação pela internet, mesmo. Posso ajudá-la com algo mais?
- Não, obrigada.
- A LG agradece a sua ligação. Por favor, fique na linha para avaliar o
nosso atendimento...
imagem tirada da internet
É no mínimo irônico. Depois disto
ainda me pedem para aguardar para avaliar o atendimento? Confesso que ri ao
desligar o telefone. Impossível não rir. Como assim pedir para eu ficar “na
linha” para avaliar o atendimento? De qual atendimento ela se referia? Não
houve atendimento, simplesmente. E quando eu disse que registraria uma
reclamação, ela, prontamente, me falou, “pois não”?
A alienação é um preço muito alto que pagamos pela nossa completa
ausência de bom senso. Ela atrofia a nossa inteligência e nos embrutece.
Diminuímos de tamanho quando, ao lado dela, nos colocamos.
Ao passar por isso, a palavra script veio fortemente à minha mente. O
mau atendimento ficou evidenciado, e cheguei a sentir dó da atendente pela
completa falta de autonomia e discernimento dela. Ela tinha outras opções. Mas
acho que ela não sabia. Ou se sabia, não quis fazer uso disto.
Lançar mão de outras opções na vida, que não o script, é sempre mais
trabalhoso.
Seguir o que já foi escrito e
roteirizado, com falas frias e sem sentido, nos transformam em anônimos e
despercebidos na multidão de iguais. Ela tinha opções. Mas não teve alcance
para ir além da fala pronta, para ler a situação e entender que, ali, era
preciso um pouco mais que roteiros previamente construídos por pessoas despreparadas.
Padrão de atendimento não deve ser confundido com mecanização e
robotização. Estar e atuar dentro do script é necessário. Mas o mais importante
é saber o momento de atuar além dele.
Num mundo onde há muito de tudo,
estabelecer regras e instruções é necessário para que se tenha uma certa ordem,
controle e padrão. Caso contrário, cada um de nós sairá fazendo o que bem
entender, o que achar o certo. Portanto, um pouco de ordem é imprescindível para
que possamos conviver com a nossa desordem. Porém com equilíbrio e sem exageros.
Sair do script requer tempo de estrada percorrido, disposição e vontade. A
vida não segue um script. Por que,
então, insistimos em transformar tudo num padrão? Estamos ficando sem espaço
para o improviso, para o autônomo, para a criação.
Executar algo requer um conjunto
de instruções. Mas é preciso criar uma gordura de atuação para os momentos que
este conjunto de instruções não funcionar.
Trabalhei numa empresa que dizia
sempre: “errem dentro da circular, mas não acertem fora dela”. Um conceito retrógrado
e ultrapassado. Os erros realmente lá eram poucos do ponto de vista técnico.
Mas a opressão, a falta de criatividade e a completa falta de autonomia eram
evidentes. Muito se perde com este tipo de gestão pobre, que só fazem ganhar
dinheiro e estatus. E só. Mas tudo é uma escolha.
Criamos scripts e roteiros para ficarmos no comando e no controle. É isto o
que precisa ser dito. Ponto. Um simples controle remoto é um instrumento que
comanda a distância. E o que é o script
senão a crença infundada do comando de algo ou de alguém, a distância? O script nos treina para o óbvio, mas não
para o mais difícil que é identificar as perguntas que não estão sendo feitas e
buscar resolvê-las.
O roteiro nos impõe um limite,
nos leva a uma subordinação, ao imobilismo. Mas é preciso saber a razão deste
limite e avançar.
Aonde está o nosso senso crítico?
Não encontraremos a resposta no script.
Enfim, quero encerrar este texto,
mas não a reflexão, com um pensamento de Ingmar Bergman, dramaturgo e cineasta
sueco, falecido em 2007, que diz:
“Eu escrevo scripts para servir como esqueletos aguardando a carne e o tendão
de imagens. ”
Que saibamos seguir os scripts quando forem necessários. Mas
que saibamos o mais importante: que eles são, realmente, apenas estruturas e
esqueletos. Portanto, que o nosso discernimento e a nossa razão sejam a base, a
carne e a imagem. Somos e sempre seremos os condutores e os responsáveis pela
decisão de usarmos ou não um script.
Scripts são domesticadores. E não incentivadores de um novo patamar
de pensamento.
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