sexta-feira, 12 de maio de 2017

Acabou a água no seu chuveiro

Na época em que vivemos aquela escassez de água e racionamentos devido à crise de abastecimento e à forte seca que se abateu sobre o País, uma reunião de emergência foi convocada pelo síndico do prédio onde moro. No dia marcado, lá estavam todos nós reunidos no salão de festas. Todos não: moradores de três apartamentos não compareceram. Os demais estavam todos ali.

imagem tirada da internet

Fomos porque o assunto é de responsabilidade de todos ou porque estávamos prestes a ficar sem água em nossos chuveiros? Fomos porque sabemos que o coletivo se constrói a partir da colaboração individual ou porque, efetivamente, nossos interesses individuais seriam afetados? Fomos por interesses próprios ou porque temos a consciência do todo?

As respostas a cada uma das perguntas transitam dentro de cada um de nós.

A partir do momento que os moradores sentiram que, literalmente, a água poderia acabar dentro das casas, que a torneira secaria e que o banho ficaria comprometido, para eles, individualmente, o que se presenciou foi uma ilusão de união. Uma falsa união em nome de um individualismo que nos alimenta, dia após dia.

Desde que haja uma remota possibilidade de isto me afetar, tudo bem, podem contar comigo. Mas e se não me afetar? Aí terei muitas desculpas eficientes que justificarão a minha ausência.

Todos reunidos. Todos juntos. Todos presentes. Reunidos em busca de uma solução para si. Juntos para tratarem do individual. Presentes porque, apenas, a urgência do tema pedia uma presença física. Apenas por isso.

Avançamos no técnico, no mensurável e no concreto. Estacionamos no subjetivo, no abstrato, na moralidade e na educação.

Somente estávamos presentes porque, num primeiro momento, o individual seria afetado. Se, por acaso, soubéssemos que, apenas no nosso chuveiro, a água não acabaria, se tivéssemos esta certeza, será que iríamos à reunião? Acredito que não. Obviamente não podemos generalizar, mas honestamente falando, quem iria? Poucos. Os que já entenderam que, independentemente de serem ou não afetados pelo tema, sempre podem contribuir e colaborar. Pessoas que já entenderam que a construção coletiva se dá no desprender do individualismo. Que o fazer depende de várias mãos. Mas são poucos os que pensam assim.

Vivemos, de verdade, um paradoxo: ao mesmo tempo que queremos e buscamos um mundo melhor, não somos melhores para o mundo. Ao mesmo tempo que queremos a interação e buscamos espaços para nos expressar, nos isolamos, cada vez mais, nos nossos mundos fantasiosos e criados para alimentar as nossas utopias. Somos constantemente convidados para a construção, mas engrossamos a fila do fast. Somos chamados a opinar, mas o lugar sobre o muro ainda é um dos nossos preferidos. Reclamamos da submissão alheia, mas não queremos fazer parte da criação. A superficialidade das nossas relações agrava esta sensação e este sentimento de isolamento. Por isso estamos sempre com pressa, no amanhã, sem tempo para fazermos o que, de verdade precisa: nos conhecer. E quando nos conhecemos, começamos a entender porque fomos chamados a participar de uma simples reunião de condomínio, literal ou metaforicamente.

A responsabilidade é sempre do outro. Somente vou à reunião de condomínio porque preciso resolver a minha questão. Se a resolução do meu problema, coincidentemente, ajudar você resolver o seu, ótimo. Mas não foi esta a minha intenção.

Obviamente que não podemos sair nas ruas em busca de problemas para que possamos contribuir com soluções. Não se trata disto. Mas sim de não fugirmos dos convites feitos pela vida. Ela não costuma ser uma boa anfitriã com pessoas que recusam os seus convites.

Fugimos dos problemas. Fugimos das coisas chatas a serem feitas. Fugimos das nossas responsabilidades, muitas vezes. Fugimos das oportunidades que nos cercam e que poderiam, se não fossem as nossas recusas, fazer de nós pessoas melhores em todos os sentidos. Fugimos porque são situações cansativas, que nos expõem, que nos amedrontam e que nos confrontam, em muitos momentos, com o pior que há em nós. Porém, a divergência constrói. E o diferente, apesar de exigir muito da gente o tempo todo, nos engrandece. Fugimos das nossas reuniões de condomínios porque não queremos nos apropriar dos problemas e porque não queremos tomar contato com aquilo que nos incomoda. É a vida mostrando suas faces: o coletivo e o individualismo duelando diariamente. Por qual caminho seguir?

Queremos os benefícios, mas não queremos os custos que estes mesmos benefícios nos trazem. Morar em condomínio tem os seus benefícios, mas, e os custos? Destes fugimos, como sempre. Alguém sempre vai à reunião, não é mesmo? Então eu não preciso ir. Afinal, estou tão ocupado. Deixe isto para quem não trabalha.

“Isto é para quem tem tempo”, alguém diz. É preciso lembrar que o tempo é uma moeda de troca, e uma moeda que não aceita desaforos. Quanto mais se faz bem, mais tempo se tem para fazer todo o mais. Portanto, aquele que dedica um pouco do seu tempo para a construção do coletivo, mais tempo terá para a realização do que verdadeiramente precisa. E quem muito diz que não tem tempo é porque não sabe priorizar, não sabe o significado de foco e pouca intimidade tem com a palavra eficiência.

Tempo é uma questão de escolha. E é preciso ter tempo para o coletivo. Nem que este coletivo seja, apenas, uma reunião de condomínio, que é uma simbologia para tudo em nossas vidas. Um exemplo de ação plural a qual a vida nos convida a agir. Um bom exercício para conhecer e reconhecer quem somos.

Este individualismo que fez que todos descessem à reunião naquela noite. Um individualismo que se assustou com a possibilidade da falta de água. Foi só a normalização se apresentar, as represas de reequilibrarem para as pessoas, novamente, sumirem das reuniões.

Como o meu problema está resolvido, então não há mais problemas. Simples assim.

Quando doarmos um pouco do nosso tempo e quando ajudarmos a construir o coletivo, estaremos ocupados de nós mesmos. As coisas começarão a fazer sentido. Mas que façamos isto em silêncio, sem alardes e sem propagandas com letreiros garrafais.

É nossa obrigação contribuir para o coletivo. Mas que consigamos ultrapassar os limites desta obrigação, e que isto se torne uma possibilidade para todos nós de desenvolvimento e de crescimento.

Escolhemos viver coletivamente, mas temos dificuldades para entender o coletivo. Ele não se dá sozinho. Ele necessita da ação de cada um de nós. O individual é importante. Mas sozinho não faz o mínimo sentido. É o coletivo que dá sentido ao individual.

O individual e o coletivo se completam. E esta divergência constrói. Realiza. Concretiza.

Reconhecemo-nos solidários, mas até que ponto? Participar de uma reunião como esta, dar a nossa opinião e colaborar para o bem de todos, mesmo que a água no nosso chuveiro esteja abundante é uma forma de solidariedade. Mas este tipo de solidariedade não nos interessa. Portanto, não seria injusto dizer que nossa solidariedade é seletiva. Desconfio, até, se o adjetivo solidário nos cabe. Ou se nos cabe, a estrada está apenas começando.

Doamos dos nossos excessos. Isto não nos causa problemas e ainda nos presenteia com uma imagem de boa pessoa. Doamos dos excessos, mas não doamos para construir. Os excessos não atrapalham a minha novela. Mas a construção me fará perder alguns capítulos. Então não dará para ajudar. Desculpe qualquer coisa.

Do pequeno para o grande. Do interno para o externo. Do micro para o macro.

Se temos dificuldades de construir o coletivo dentro do nosso prédio, o que esperar, então, a partir das grades que nos cercam em nossos condomínios? O que esperar do portão para fora?

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento da escritora brasileira Martha Medeiros, que diz:

“O egoísmo unifica os insignificantes”.

Que deixemos de lado, um pouquinho, o nosso egoísmo para que não nos tornemos insignificantes e sem sentido. O egoísmo nos revela seres desnecessários e irrelevantes. É uma pena. Porque chance é o que não nos falta para abandonarmos esta cadeira.

Que a gente busque participar mais de nossas reuniões de condomínios, tanto no sentido literal quanto no metafórico. E ao sairmos das reuniões e voltarmos para as nossas cadeiras do egoísmo, descobrirmos que elas não nos servirão mais.

E terá sido uma bela descoberta.

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