Na época em que vivemos aquela
escassez de água e racionamentos devido à crise de abastecimento e à forte seca
que se abateu sobre o País, uma reunião de emergência foi convocada pelo
síndico do prédio onde moro. No dia marcado, lá estavam todos nós reunidos no
salão de festas. Todos não: moradores de três apartamentos não compareceram. Os
demais estavam todos ali.
imagem tirada da internet
Fomos porque o assunto é de
responsabilidade de todos ou porque estávamos prestes a ficar sem água em nossos chuveiros? Fomos porque sabemos
que o coletivo se constrói a partir da colaboração individual ou porque,
efetivamente, nossos interesses individuais
seriam afetados? Fomos por interesses próprios ou porque temos a consciência do
todo?
As respostas a cada uma das
perguntas transitam dentro de cada um de nós.
A partir do momento que os
moradores sentiram que, literalmente, a água poderia acabar dentro das casas,
que a torneira secaria e que o banho ficaria comprometido, para eles,
individualmente, o que se presenciou foi uma ilusão de união. Uma falsa união em nome de um individualismo que
nos alimenta, dia após dia.
Desde que haja uma remota possibilidade de isto me afetar, tudo bem,
podem contar comigo. Mas e se não me afetar? Aí terei muitas desculpas
eficientes que justificarão a minha ausência.
Todos reunidos. Todos juntos.
Todos presentes. Reunidos em busca de uma solução para si. Juntos para tratarem
do individual. Presentes porque, apenas, a urgência do tema pedia uma presença
física. Apenas por isso.
Avançamos no técnico, no
mensurável e no concreto. Estacionamos no subjetivo, no abstrato, na moralidade
e na educação.
Somente estávamos presentes
porque, num primeiro momento, o individual seria afetado. Se, por acaso,
soubéssemos que, apenas no nosso
chuveiro, a água não acabaria, se tivéssemos esta certeza, será que iríamos à
reunião? Acredito que não. Obviamente não podemos generalizar, mas honestamente
falando, quem iria? Poucos. Os que já entenderam que, independentemente de
serem ou não afetados pelo tema, sempre podem contribuir e colaborar. Pessoas
que já entenderam que a construção coletiva se dá no desprender do
individualismo. Que o fazer depende de várias mãos. Mas são poucos os que
pensam assim.
Vivemos, de verdade, um paradoxo:
ao mesmo tempo que queremos e buscamos um mundo melhor, não somos melhores para
o mundo. Ao mesmo tempo que queremos a interação e buscamos espaços para nos
expressar, nos isolamos, cada vez mais, nos nossos mundos fantasiosos e criados
para alimentar as nossas utopias. Somos constantemente convidados para a
construção, mas engrossamos a fila do fast.
Somos chamados a opinar, mas o lugar sobre o muro ainda é um dos nossos
preferidos. Reclamamos da submissão alheia, mas não queremos fazer parte da
criação. A superficialidade das nossas relações agrava esta sensação e este
sentimento de isolamento. Por isso estamos sempre com pressa, no amanhã, sem
tempo para fazermos o que, de verdade precisa: nos conhecer. E quando nos
conhecemos, começamos a entender porque fomos chamados a participar de uma
simples reunião de condomínio,
literal ou metaforicamente.
A responsabilidade é sempre do
outro. Somente vou à reunião de condomínio porque preciso resolver a minha
questão. Se a resolução do meu problema, coincidentemente, ajudar você resolver
o seu, ótimo. Mas não foi esta a minha
intenção.
Obviamente que não podemos sair
nas ruas em busca de problemas para que possamos contribuir com soluções. Não
se trata disto. Mas sim de não fugirmos dos convites feitos pela vida. Ela não
costuma ser uma boa anfitriã com pessoas que recusam os seus convites.
Fugimos dos problemas. Fugimos
das coisas chatas a serem feitas. Fugimos das nossas responsabilidades, muitas
vezes. Fugimos das oportunidades que nos cercam e que poderiam, se não fossem
as nossas recusas, fazer de nós pessoas melhores em todos os sentidos. Fugimos
porque são situações cansativas, que nos expõem, que nos amedrontam e que nos
confrontam, em muitos momentos, com o pior que há em nós. Porém, a divergência
constrói. E o diferente, apesar de exigir muito da gente o tempo todo, nos
engrandece. Fugimos das nossas reuniões
de condomínios porque não queremos nos apropriar dos problemas e porque não
queremos tomar contato com aquilo que nos incomoda. É a vida mostrando suas
faces: o coletivo e o individualismo duelando diariamente. Por qual caminho
seguir?
Queremos os benefícios, mas não
queremos os custos que estes mesmos benefícios nos trazem. Morar em condomínio
tem os seus benefícios, mas, e os custos? Destes fugimos, como sempre. Alguém
sempre vai à reunião, não é mesmo? Então eu não preciso ir. Afinal, estou tão
ocupado. Deixe isto para quem não trabalha.
“Isto é para quem tem tempo”,
alguém diz. É preciso lembrar que o tempo é uma moeda de troca, e uma moeda que
não aceita desaforos. Quanto mais se faz bem, mais tempo se tem para fazer todo
o mais. Portanto, aquele que dedica um pouco do seu tempo para a construção do
coletivo, mais tempo terá para a realização do que verdadeiramente precisa. E
quem muito diz que não tem tempo é porque não sabe priorizar, não sabe o
significado de foco e pouca intimidade tem com a palavra eficiência.
Tempo é uma questão de escolha. E
é preciso ter tempo para o coletivo. Nem que este coletivo seja, apenas, uma reunião de condomínio, que é uma simbologia
para tudo em nossas vidas. Um exemplo de ação plural a qual a vida nos convida
a agir. Um bom exercício para conhecer e reconhecer quem somos.
Este individualismo que fez que
todos descessem à reunião naquela noite. Um individualismo que se assustou com
a possibilidade da falta de água. Foi só a normalização se apresentar, as
represas de reequilibrarem para as pessoas, novamente, sumirem das reuniões.
Como o meu problema está resolvido, então não há mais problemas. Simples
assim.
Quando doarmos um pouco do nosso
tempo e quando ajudarmos a construir o coletivo, estaremos ocupados de nós
mesmos. As coisas começarão a fazer sentido. Mas que façamos isto em silêncio,
sem alardes e sem propagandas com letreiros garrafais.
É nossa obrigação contribuir para
o coletivo. Mas que consigamos ultrapassar os limites desta obrigação, e que
isto se torne uma possibilidade para todos nós de desenvolvimento e de
crescimento.
Escolhemos viver coletivamente,
mas temos dificuldades para entender o coletivo. Ele não se dá sozinho. Ele
necessita da ação de cada um de nós. O individual é importante. Mas sozinho não
faz o mínimo sentido. É o coletivo que dá
sentido ao individual.
O individual e o coletivo se completam. E esta divergência constrói.
Realiza. Concretiza.
Reconhecemo-nos solidários, mas
até que ponto? Participar de uma reunião como esta, dar a nossa opinião e
colaborar para o bem de todos, mesmo que a água no nosso chuveiro esteja abundante é uma forma de solidariedade. Mas
este tipo de solidariedade não nos interessa. Portanto, não seria injusto dizer
que nossa solidariedade é seletiva. Desconfio, até, se o adjetivo solidário nos
cabe. Ou se nos cabe, a estrada está apenas começando.
Doamos dos nossos excessos. Isto
não nos causa problemas e ainda nos presenteia com uma imagem de boa pessoa. Doamos dos excessos, mas não doamos para
construir. Os excessos não atrapalham a minha novela. Mas a construção me
fará perder alguns capítulos. Então não dará para ajudar. Desculpe qualquer coisa.
Do pequeno para o grande. Do interno para o externo. Do micro para o
macro.
Se temos dificuldades de construir
o coletivo dentro do nosso prédio, o que esperar, então, a partir das grades
que nos cercam em nossos condomínios? O que esperar do portão para fora?
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com um pensamento da escritora brasileira Martha Medeiros, que
diz:
“O egoísmo unifica os
insignificantes”.
Que deixemos de lado, um pouquinho, o nosso egoísmo para que
não nos tornemos insignificantes e sem sentido. O egoísmo nos revela seres
desnecessários e irrelevantes. É uma pena. Porque chance é o que não nos falta para
abandonarmos esta cadeira.
Que a gente busque participar mais
de nossas reuniões de condomínios, tanto
no sentido literal quanto no metafórico. E ao sairmos das reuniões e voltarmos
para as nossas cadeiras do egoísmo, descobrirmos que elas não nos servirão
mais.
E terá sido uma bela descoberta.
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