São muitos os que habitam em nós cuja presença queremos: o amor, a
solidariedade, a compaixão, a vontade de fazer. No entanto, também são muitos
os que habitam em nós cuja presença desprezamos. Mas apesar do nosso desprezo, não
se intimidam e lá continuam, em nós, sem a mínima cerimônia. Afinal, de certa
forma, os convidamos. Ou não? E todos nós sabemos que mandar uma visita embora depois
de ter sido convidada é bem difícil e deselegante. A vida tem disto. E é
preciso enfrentar estes habitantes que fazem de nós o que somos, o que não
gostaríamos de ser e o que gostaríamos de ser.
A avareza é um destes habitantes indesejáveis. Somos todos avarentos. O
que nos diferencia, talvez, seja a
intensidade desta avareza presente em nós: uns mais outros menos. Mas não há
dúvida quanto à presença dela em nós.
imagem tirada da internet
Em nosso racional, quando falamos sobre avareza, temos consciência de que
não se trata de um bom habitante. Mas como não nos conhecemos com profundidade,
ou melhor, não queremos nos conhecer com
profundidade, não queremos assumir que somos avarentos e que a avareza faz
parte da construção do nosso ser, no mundo. Assumir a nossa avareza é como se
assumíssemos um crime. Temos vergonha. Nossa vaidade e nosso orgulho não
permitiriam tamanha conscientização. Portanto, este rótulo e esta marca não nos
pertencem.
Em nosso emocional, a consciência de que a avareza não se trata de um bom
habitante também é presente. No entanto, não conseguimos disfarçar. As emoções
sempre falam mais alto. E aí damos fartas demonstrações de nossa avareza, mesmo
que o nosso racional insista em nos colocar num outro patamar. Num patamar de superioridade cujo
merecimento ainda não alcançamos. Nesta hora, talvez a percepção de que “somos
todos iguais”, se mostre e consiga nos convencer de que somos humanos,
incompletos e falíveis.
Racionalmente, a explicação é
linear, lógica, concreta e reta. Portanto, escondemos a nossa avareza com muita
habilidade.
Emocionalmente, a explicação é
ilógica, abstrata, irregular e tortuosa. Portanto, não conseguimos disfarçar e
demonstramos a nossa avareza nos mínimos detalhes.
Por incrível que pareça, há razões para alimentarmos a avareza em nós.
Por isto ainda ela está lá. E somente quando aceitarmos isto, conseguiremos, de
verdade, ir para aquele outro patamar. A avareza, assim como os outros
indesejáveis habitantes, nos traz benefícios que nos completam de alguma forma.
O problema somente começa a ser
resolvido quando reconhecemos a existência dele. Portanto, se queremos deixar de ser avaros,
primeiramente precisamos nos reconhecer como tal.
Na etimologia, a palavra “avarento” vem do latim avarus, que significa apego excessivo ao dinheiro, num primeiro
momento. Mas também traz outros significados mais profundos como mesquinhez,
insignificância, miserabilidade, sovinice e outros. Significa um desejo
desesperado por algo que, de longe, faz sentido. Esta busca por algo sem
sentido é sem limites. O avarento não sabe reconhecer o momento no qual suas
necessidades foram atendidas. Pelo
contrário, suas necessidades nunca são atendidas.
Ele, definitivamente, não
conhece a abundância. Só conhece a escassez.
O avarento não tem apego, apenas, pelo dinheiro e por questões materiais.
Seus apegos e seus excessos se dão na alma, muito além do físico. Recusa-se a
aceitar o convite da vida para o olhar além, para o descortinar, para o
conhecer, para o amadurecer. Recusa-se a enxergar o além porque sua visão é
limitada. Não acredita no ilimitado. A base da vida dele é a escassez, a falta,
a dificuldade, o pessimismo.
O avarento ainda não se encontrou com ele mesmo. Por isso acredita na
falta. Ele não enfrenta os seus silêncios, os seus avessos, seus habitantes
indesejáveis.
Economizamos sorrisos. Isto é avareza.
Os celulares têm recebido mais atenção do que as pessoas. Isto é avareza.
Os abraços têm sido dados por obrigação e por educação. Isto é avareza.
Abrimos mão do bem para não sofrermos. Isto é avareza.
O bom dia tem sido falado mecanicamente. Isto é avareza.
Nossos ouvidos têm trabalhado pouco. Isto é avareza.
Nossas falas têm trabalhado muito. Isto também é avareza.
Nossa resignação tem sido passiva e não ativa. Isto é avareza.
Nossa generosidade tem sido seletiva demais. Isto é avareza.
Estamos confundindo marketing
pessoal com trabalho voluntário. Isto é mais que avareza.
O gerundismo que não se completa em ação concreta. Isto é avareza.
O indelegável que delegamos. Isto é avareza.
Não dividimos porque achamos que faltará para nós. Mas nos esquecemos de
que a ausência de divisão é a própria falta.
Lutamos para negar nossas
pequenezas. Mas é neste momento que elas mais aparecem.
O avarento não acredita em fontes que criam. Acredita no sofrimento como
única forma de expressão. Ele negligencia a vida e tudo o que ela pode ser.
Qual é a vantagem de ser avarento? Conhecendo esta resposta,
encontraremos o que nos faz resistir a ela. Mas há sempre aqueles que resistem
a ficarem conscientes de suas próprias resistências. E isto faz perpetuar a avareza
em nós, em cada um de nós.
Por medo de perder, não competimos. Por medo de morrer, não vivemos. Por
medo de sonhar, matamos os nossos desejos e nossos sonhos. Talvez estas sejam
algumas respostas que preenchem nossas necessidades doentes traduzidas na
avareza. Como acreditamos na falta, por que e para quê buscarmos a fartura e a
abundância?
O avarento é um acumulador de faltas. É uma ausência. É uma dificuldade
de dar de si porque não se reconhece como um realizador, como um participante
da vida. Ele não compartilha a sua abundância porque não se reconhece nela.
O avarento ilude-se com o transitório. Não conhece o permanente. Vive
imerso a falsas necessidades criadas por ele mesmo para sustentar a sua crença
nas faltas.
Enfim, quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento
de Francisco Quevedo, escritor espanhol do século XVI, que diz:
“O avarento mais preferiria que o sol fosse de ouro para o cunhar, do que
ter luz para ver e viver. ”
Que o pensamento acima provoque uma profunda reflexão em nós e profundas
transformações. E que possamos ter acesso ao sol e à luz, mas como fontes de
vida e não como fontes para alimentarmos nossos habitantes indesejáveis. E que
eles, mortos de fome, se retirem por descobrirem que, pelo menos dentro de nós,
nada mais os alimentará.
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