quarta-feira, 8 de novembro de 2017

A pobreza mora logo aqui

Estava parada na calçada quando uma mulher, de mãos dadas com uma criança, disse:

- Anda logo, meu! Você não anda!

A criança, que não passava dos três anos de idade, apressou os pequenos passos e, entre tropeços e quedas, tentou caminhar. Tentativa frustrada. Como o ritmo da criança não era o que a mulher esperava, ela a colocou no colo e andou no passo que ela achou adequado.

Quando fazemos somente aquilo que achamos o certo, o mundo se perde e adoece.

Estamos acostumados a enxergar apenas o externo como representação de nossas verdades. E nos esquecemos que o interno, aquilo que vai em nós, também representa os nossos valores, nossas medidas, nossos contornos e entornos. E este texto falará sobre estes nossos internos.

O externo está visto, não há dúvidas. Sabemos reconhecer uma pessoa pobre, materialmente. Por mais que haja vontade de disfarçar, não é possível com o externo. Ele é visível e muito bem traduzido. Mesmo envergonhado, nosso externo está sempre à mostra.

Mas e o interno? Onde está a nossa pobreza interna? Quando ela se mostra? Sabemos estas respostas, mas as disfarçamos, novamente.

Marketing pessoal disfarçado de trabalho voluntário.

Supérfluos e excessos.

Não sentir a dor do outro, ter mórbido prazer porque o outro sofre.

Ter inveja das conquistas alheias e buscar diminui-las.

Não enxergar a necessidade do outro. Impedi-lo de avançar no seu desenvolvimento.

Apressar o passo do outro num ato de total desigualdade de condições.

A pobreza nos representa, portanto. E vai logo aqui, dentro de nós.

Parece-me que evidências não nos faltam. Talvez o que nos falte seja o diálogo com isto. A conversa franca. Somente quando enfrentamos os fantasmas, eles diminuem de tamanho. Eles têm o tamanho e a dimensão que damos a eles.

Sabemos identificar a pobreza física porque ela está escancarada a nossa frente. Quem apagou as luzes para que nós não víssemos as nossas pobrezas morais? A escuridão é conveniente.

Somos pobres por fora porque a pobreza fez morada em nós.

Somos ricos por fora porque a riqueza encontrou espaço em nosso íntimo. O bom também está presente. Mas precisaríamos dar mais espaço a ele. Ou não?

Somos hipócritas por fora porque a hipocrisia nos alimenta por dentro.

Somos insensíveis por fora porque a insensibilidade nos representa.

A tristeza do outro nos toca porque sabemos o que ela nos diz.

Portanto, se o externo existe é porque o interno foi o seu Mestre. E parece que aprendemos direitinho a lição.

Como não fomos ensinados a iluminar o que vai em nós para que pudéssemos saber quem, verdadeiramente, somos, camuflamos o interno e só queremos mostrar o externo, o melhor de nós, obviamente. Se tivéssemos olhado para dentro de nós desde o começo, talvez houvéssemos percebido a pobreza que mora logo aqui, dentro da gente, há tempos.

Pedir para alguém “andar logo”, naquele contexto e cenário, simboliza a pobreza que vai em nós. Por que demoramos a perceber que o outro não está pronto? Por que insistimos em exigir mais de que o outro pode oferecer, com as atuais condições? Por que levamos anos para conseguir fazer algo, mas do outro esperamos o imediato, no mínimo? Ao aprendermos, nos esquecemos da complexidade do caminho. A arrogância toma conta de nós e exigimos destreza do outro. Esquecemo-nos da complexidade que agora toma conta do caminho dele pelo qual passamos há tão pouco tempo.

A arrogância é um dos elementos que nos favorece à cegueira.

Não há como encontrarmos as respostas sem investigarmos o interno. Sem nos interessarmos por quem nós somos. As respostas nem sempre serão agradáveis, mas necessárias.

Quando exigimos mais do que o outro pode oferecer, estamos minando todas as possibilidades de desenvolvimento dele. Damos ao outro um rótulo que ele não merece: o de incompetente. No entanto, o incompetente é aquele que não vê o outro, que não respeita a condição dele de aprendiz. O alienado.

imagem tirada da internet

A pobreza revela quem somos. Revela a nossa condição de seres inacabados e incompletos.

Os passos mais lentos possuem perspectivas diferentes dos que possuem passos mais rápidos. E se uníssemos estas visões? Qual seria o fruto? Talvez um enxergar além.

Um passo mais lento hoje, um passo mais rápido amanhã. Um passo crescente hoje, para se chegar a uma construção amanhã.

Passos lentos, mas constantes. Isso importa.

Passos apressados, mas insustentáveis. Isto não importa.

Passos lentos porque talvez tenha iniciado agora na estrada. Ou está nela faz tempo.

Passos apressados porque talvez a noção do tempo tenha se perdido.

Passos lentos significam, muitas vezes, respeito ao ritmo que se tem. Passos rápidos não percebem, muitas vezes, os avisos do caminho.

Apressar o outro significa assumir a nossa pobreza interna. Demonstra, ao outro, que o ritmo e o tempo dele não importam para nós. Que a construção dele é irrelevante. Apressar significa interromper a criação da obra que, inacabada, perderá o sentido.

A lentidão faz parte da criação. Não a lentidão que deforma, ineficiente. Mas a que não pula etapas e que vê, no tempo, seu melhor aliado.

É preciso cuidar para não estarmos, apenas, na vida. Mas sim para vivermos a vida.

Quem está apenas na vida, corre e apressa o outro o tempo todo, sem trégua. Não vê a graça do cantar do pássaro que só aquele que reduz o passo conseguirá ver. Respeitar o tempo do outro é compreender o seu processo de construção da vida.

É preciso perceber isto. Nossa responsabilidade está além de fazer aquilo que está ao nosso alcance, mas também em perceber o que já nos é possível diagnosticar, aquilo que já temos condições de fazer, mas que ainda não estamos fazendo.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Padre Lebret, religioso católico do século XIX, nascido na Bretanha, que diz:

“O maior mal do mundo não é a pobreza dos desafortunados, mas a inconsciência dos privilegiados.”

Assim como Padre Lebret que dedicou sua vida à construção de uma civilização mais solidária e humanitária, que possamos ser um local de reflexão para nós mesmos. Uma civilização mais solidária e humanitária apenas se dará no momento que os nossos passos rápidos fizerem eco e sentido para melhorar a vida do outro, e quando os passos mais lentos do outro nos fizerem resgatar a beleza de vivermos a vida e de não, apenas, estarmos nela.

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