Sonhar é viver, e viver é sonhar.
Um depende do outro. Um completa o outro. Quando enxergamos isto, o nosso
compromisso com a vida se torna sólido, verdadeiro e profundo, e todas as
possibilidades que ela nos oferece são lucidamente percebidas por nós. No
entanto, esta lucidez e fluidez com que percebemos este sonhar e este viver, ou
seja, nossas possibilidades, vão cedendo e perdendo espaço na mesma medida que
dedicamos tempos preciosos para ouvirmos o desnecessário, o vão, o tolo, o
inútil. Portanto, deixar de ouvir algumas vozes, alguns ruídos e barulhos faz
todo sentido. Ouvidos moucos são bem-vindos.
“Ditos ocos, ouvidos moucos”, diz o provérbio português.
Onde estão os nossos sonhos?
Dentro das nossas vidas. Para enxergá-los, será necessário silenciar as nossas
tormentas internas e calar vozes que teimam em nos desviar da rota que buscamos
trilhar. E infelizmente muitas vezes elas conseguem. E triunfam.
Sonhar e realizar é maravilhoso.
Mas nem sempre sonharemos e realizaremos. Faz parte da vida e do nosso processo
de construção e de consolidação como seres autônomos que somos ou que, no
mínimo, buscamos ser.
Sonhos realizados significam que
andamos de mãos dadas com o tempo e com a vida. Sonhos ainda não realizados
podem significar um convite do tempo e da vida para que nossas mãos estejam
estendidas. Assim eles podem nos alcançar.
O tempo e a vida sempre nos darão
pistas que revelarão os motivos da realização e da não realização dos sonhos.
Acima de tudo, acreditar e desenvolver as condições para. Se vamos conseguir,
somente o caminho dirá. Guimarães Rosa diz que “...a realidade está na
travessia”. Portanto, nossa realidade está no sonhar, no viver e nos pés que
precisamos tirar do chão se quisermos avançar, apesar de eles nos conectarem com a base.
Ouvidos moucos nos ajudam a não
afrouxarmos diante à vida. Ajudam-nos à concentração no que, verdadeiramente,
importa. Fernando Pessoa nos provoca dizendo:
“Os meus sonhos são mais belos
que a conversa alheia.”
Aquele que deixou de sonhar,
normalmente, já não tem muito mais o que fazer. E por conta do tempo ocioso que
resta a ele, comumente tenta e busca destruir o sonho do outro. E destruir o
sonho do outro são conversas alheias.
É preciso fazer ouvidos moucos para aqueles cuja capacidade de sonhar
se perdeu.
Deixar de sonhar nos causa
desequilíbrios. Por isso, aquele que se perdeu de sua capacidade de sonhar
busca apoio nos ombros e ouvidos alheios.
Todo aquele que deixou de sonhar, deixou de viver. E se não estivermos
atentos, faremos companhia a esse cujo sonho se tornou desconhecido.
Ouvidos moucos nos blindam de
interferências que poderiam nos fazer desviar da rota. Eles não são sinônimos
de alienação ao que precisa ser ouvido por nós, mesmo que seja algo difícil
como uma crítica ou a constatação de que ainda não estamos prontos. A vida nos
transmite recados e é preciso termos a humildade para ouvi-los. Ouvidos moucos
são, fundamentalmente, ferramentas necessárias que nos ajudam e fortalecem a
nossa caminhada. Utensílios imprescindíveis para não abandonarmos o caminho e a
rota porque sabemos que estamos na direção correta.
Sonhar é fundamental para aquele
que vive. É o movimento que conduz. É o recuo como refúgio. É o arriscar para
se acertar. Quando não desistimos, o sonho permanece.
O sonho ilumina nossas estradas.
É ele quem nos acomoda. A falta de sonho nos deixa desconectados com a vida. A
lua perde todo o sentido.
Sonhar nos ajuda a ser seletivos e objetivos. O tempo nos exige isto.
Aquele que sonha ouve os seus
silêncios. Faz o caminho de volta para se reencontrar. Aquele que sonha segue
as próprias marcas deixadas no chão. Desta forma, o caminho de volta fica mais
fácil e familiar.
O homem que sonha é um corajoso, um destemido.
As conversas alheias são os
excessos diários que cumprem o papel de nos chamarem à reflexão. São exatamente
os excessos que nos fazem refletir sobre a necessidade do limite. São os
excessos de exposição que nos fazem refletir sobre a importância e lucidez da
reclusão e da preservação. Estas conversas alheias e desnecessárias servem para
nos fazer refletir sobre a relevância do silêncio. Elas não nos permitem
sonhar. Falam muito e ocupam espaços não autorizados. Entram e se alojam. Elas
nos intoxicam porque nos tiram da relação conosco.
É preciso tempos vazios para a
contemplação. Nela, os sonhos ressurgem. Reaparecem. Descem das estrelas, aonde
os colocamos, para alcançarem as nossas mãos.
Os sonhos são a prova de que a vida existe. E a vida é a prova de que
se é possível sonhar.
O sonhar nos torna humanos e singular
a nossa experiência. Exige tempo, reflexão e construção. Quando deixamos de
sonhar para nos conectar, abrimos mão de um espaço de construção dentro de nós.
É preciso fazer ouvidos moucos
para que conversas alheias não tenham vez conosco. Pois como disse Fernando
Pessoa, os nossos sonhos são mais belos. E são mesmo!
Que as conversas alheias, os
barulhos, interrupções, desestímulos sejam apenas belas oportunidades para
reforçarmos aquilo que não queremos.
Que os nossos sonhos nos
encontrem na bela vida que vivemos. Os sonhos nos constituem. Revisitá-los é
como olhar para nós mesmos.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com uma provocação de Victor Hugo, romancista e poeta do século
XIX, que diz:
“Eu caminho vivo no meu sonho
estrelado.”
Que a nossa vida seja este
caminho vivo, como uma representação dos nossos mais belos sonhos estrelados,
como disse o Poeta. Somente quando calamos as vozes neutras e dúbias, é que as
estrelas podem ser vistas. Quando damos vozes a vozes desprovidas da crença no
sonho, as estrelas choram e se escondem para não serem vistas.
Que a gente não tenha pressa para
preencher as nossas lacunas. Elas indicam o caminho para os nossos sonhos, para
a nossa vida. Enquanto nossos sonhos existirem em nós, estaremos vivos e o
melhor: sonhando.
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