domingo, 15 de abril de 2018

Feche os seus parênteses

Nossos lentos avanços mostram e evidenciam os nossos retrocessos. A tecnologia na qual todos estamos inseridos, o mundo tecnológico no qual vivemos e o saber que achamos que temos somente porque somos ágeis nos dedos e nas teclas, rápidos nas postagens e fluentes na navegação na rede, na realidade, marcam nossos lentos avanços. Poderíamos estar mais longe.

A tecnologia é fundamental e nos ajuda muito. Todo o agradecimento a ela. Desmerecê-la seria, no mínimo, leviano e insensato. Ela nos proporciona avanços e acessos a lugares e a questões inimagináveis até pouco tempo. Encurta distâncias, traz descobertas, possibilita estudos, proporciona facilidades. Não me refiro, portanto, ao bem que ela traz, porque ele está claro, mas sim ao mais longe que poderíamos estar se não fosse o nosso lento caminhar, o nosso desvio de rota e de atenção ao que verdadeiramente importa. E este lento caminhar, quando poderíamos avançar, nos dá evidências dos retrocessos que vivem em nós.

A tecnologia deveria existir para nos servir e não o contrário. Ela deveria existir para nos ajudar a sermos melhores e a fazermos, deste mundo, um lugar mais belo de se viver.

Estamos muito expostos. Muito disponíveis. Muito acessíveis. Muito de muito. Muito do muito. Isto denota as carências e faltas que habitam em nós, mas que insistimos em colocá-las para debaixo do tapete. Este excesso de exposição é aprovado por nós. Colocamo-nos no centro das atenções e queremos todas as atenções. Somos localizáveis o tempo todo porque também assim o permitimos. Colocamo-nos como vítimas de uma situação que buscamos, de uma posição que gostamos de estar: a da exposição. Quando não estamos expostos de alguma forma (comentários nas redes, fotos, vídeos, likes, etc) é como se estivéssemos à margem da vida. É como se algo nos faltasse. Uma sensação de alguém oferecer uma festa e não nos convidar. Conferimos um poder às redes e à tecnologia que não deveríamos. Isto tudo nos faz criar vínculos e laços com o desmedido, desnecessário, efêmero. Faz-nos ficar viciados na novidade, no curto, no raso, no superficial.

Superestimamos o som da mensagem que chega e paramos imediatamente o que estamos fazendo para ver sobre o que se trata. Quando recebemos um zap e não respondemos na mesma velocidade daquele que nos enviou, somos cobrados. Quando ligamos para o celular de alguém e este mesmo alguém não atende, ficamos aflitos. Uma postagem no facebook foi realizada por um amigo desconhecido e indiferente à nossa vida, mas imediatamente curtimos ou, no mínimo, colocamos algum comentário. O twitter nos encaminha um e-mail dizendo que temos atualizações que são, muitas vezes, inúteis e desprovidas de conteúdos de qualidade, mas que damos uma passadinha lá.

São tantas as janelas abertas na parte inferior do nosso computador, que o sol mal entra nas janelas verdadeiras da nossa casa. Perdemo-nos no meio de tantas informações, mas o conhecimento está à margem há tempos. O que fazemos com tudo o que nos chega?

Valorizamos a nossa agilidade na navegação, elogiamos os mais jovens pela desenvoltura com que manuseiam as máquinas, acessamos notícias, zapeamos na rede. No final do dia, para onde exatamente fomos? Aquilo tudo nos construiu ou não?

O tempo é uma moeda com a qual não podemos brincar. Além de não aceitar desaforos, costuma cobrar pela inabilidade do uso.

Somos interrompidos a todo o momento não por causa da tecnologia, mas sim por causa de nós mesmos que nos deixamos interromper a qualquer hora, momento e circunstância. A questão não é a tecnologia, mas sim nosso agir diante isto. Criamos um monstro, e agora não conseguimos mais controlá-lo e nem viver sem ele.

Vivemos excessos de interferências que nos causam sobreposições. Estes excessos de interferências e de interrupções simbolizam o nosso retrocesso. Um retrocesso que nos faz ainda falar sobre os mesmos velhos assuntos que, apesar de ressurgirem com outras roupagens, possuem a mesma essência. A violência é um destes velhos e mesmos assuntos. A nossa agressividade ainda é um velho assunto. A covardia e o egoísmo ainda são velhos assuntos, mas que agora se apresentam de forma tecnológica.

Abrimos tantos parênteses ao falarmos, que nos perdemos. O que estávamos falando mesmo?

imagem tirada da internet

Estamos ansiosos por informações que não sabemos o que fazer com elas. Esta ansiedade cria instabilidade. E na instabilidade, obviamente, nada se estabelece. Um livro de 50 páginas se torna grande. Pensar exige um transbordar de nós próprios. E como acontecer este transbordamento se logo ali há mensagens para serem lidas agora?

Senso de urgência e de prioridade são distintos de falta de triagem e de filtro para selecionarmos o que, verdadeiramente, importa. Como tudo se tornou urgente, como uma das medidas do sucesso se tornou o imediatismo, o pensar e o refletir realmente estão ficando fora de moda. Mas desconfio que este não seja o melhor caminho.

Coisas vão sendo colocadas sobre as outras, janelas abertas sobre as outras, mensagens sobre as outras. Sobreposições camuflam a mesmice, o retrabalho, o ineficiente, o favorecimento de alguém, o cansaço. Sobreposições nos dão a falsa sensação do trabalho, do pertencimento e da utilidade porque criam necessidades desnecessárias, que somente serão percebidas lá na frente, quando alguém quiser resolver algumas velhas questões.

Portanto, sobreposições interessam àqueles que querem nos desviar da rota e do caminho.

Textos são lidos mecanicamente porque há algo pulando aqui na nossa tela, clamando nossa atenção. São tantas as irrelevâncias que nos chamam a atenção, que aquilo que necessita, de verdade, do nosso olhar, muitas vezes fica para segundo plano. É uma pena.

Somos o tempo todo interrompidos. É fundamental compreendermos que interrupções, discretamente, sugerem uma troca de contextos. Elas nos tiram do lugar no qual estávamos, que poderia ser um lugar necessário. O pior é que muitas vezes não voltamos para este lugar certo e necessário. E a nossa oportunidade de transformação e de reflexão se perde no meio dos erros construídos por nós, e por uma sociedade que anseia pelo rápido e pelo novo para que não tenha tempo de lidar com aquilo que demanda tempo: nós.

Quando somos interrompidos, invariavelmente, paramos de fazer o que estávamos fazendo para atendermos a algum chamado. E muitas vezes um chamado que poderia esperar ou até que não deveria ser atendido.

Interrupções são um compartilhamento do nosso tempo. Com ou sem a nossa autorização. Um
desperdício de tempo com eventos diferentes.

A interrupção e a interferência forçam uma mudança que nos transfere da nossa rotina.

Estamos fragmentados, viciados em novidades, em notícias curtas, em manchetes que nada dizem. Interrupções têm prioridade, mas estão se tornando a regra. Ou não?

Que a gente se desligue dos cliques imediatos e das respostas prontas para que possamos nos ligar nas possibilidades daquilo que poderemos ser.

Estar o tempo todo conectado nos faz abrir muitos parênteses e nos ausentar de nós mesmos. Quando fechamos os nossos parênteses, abrimos espaços em nossas mentes para o pensar e para o ir além. A conexão tecnológica é importante e fundamental. Mas que saibamos delimitar espaços e tempos. É isso. Mais que isso, é delegar o indelegável. É permitir invadir espaços preciosos de tempos que poderiam ser utilizados para a ação e reflexão.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Rubem Alves, um escritor atemporal, que diz:

“No silêncio, mora o mundo.”

Por que, então, este silêncio nos incomoda tanto? Acredito que seja porque nunca aprendemos a silenciar os nossos ruídos, que são muitos. E as interferências e interrupções cumprem bem o papel de não permitirem nos ouvir.

A realidade nos traz a velocidade da interrupção e da interferência a todo momento. Estarmos o tempo todo conectados e velozes apenas nos dedos, nos tira a velocidade do pensar e a possibilidade de nos revisitar e enxergar o que nos perturba.

Viver é bem mais complexo que a própria realidade. Ainda mais sob os efeitos cruéis e ineficientes de tantas interferências e interrupções. Por isso, é preciso parar para que se possa seguir. Um seguir firme, sustentável e focado, mesmo que interferências e interrupções insistam em nos distrair. Quando chegarmos neste ponto, certamente não teremos mais tantas janelas abertas na parte inferior do nosso computador. Porque outras, bem mais importantes, terão sido, há tempos, abertas.

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