Nossos lentos avanços mostram e
evidenciam os nossos retrocessos. A tecnologia na qual todos estamos inseridos,
o mundo tecnológico no qual vivemos e o saber que achamos que temos somente
porque somos ágeis nos dedos e nas teclas, rápidos nas postagens e fluentes na
navegação na rede, na realidade, marcam nossos lentos avanços. Poderíamos estar
mais longe.
A tecnologia é fundamental e nos
ajuda muito. Todo o agradecimento a ela. Desmerecê-la seria, no mínimo, leviano
e insensato. Ela nos proporciona avanços e acessos a lugares e a questões
inimagináveis até pouco tempo. Encurta distâncias, traz descobertas, possibilita
estudos, proporciona facilidades. Não me refiro, portanto, ao bem que ela traz,
porque ele está claro, mas sim ao mais longe que poderíamos estar se não fosse
o nosso lento caminhar, o nosso desvio de rota e de atenção ao que
verdadeiramente importa. E este lento caminhar, quando poderíamos avançar, nos
dá evidências dos retrocessos que vivem em nós.
A tecnologia deveria existir para nos servir e não o contrário. Ela deveria existir para nos ajudar a sermos
melhores e a fazermos, deste mundo, um lugar mais belo de se viver.
Estamos muito expostos. Muito
disponíveis. Muito acessíveis. Muito de muito. Muito do muito. Isto denota as carências e faltas que habitam em nós, mas
que insistimos em colocá-las para debaixo do tapete. Este excesso de exposição
é aprovado por nós. Colocamo-nos no centro das atenções e queremos todas as
atenções. Somos localizáveis o tempo
todo porque também assim o permitimos. Colocamo-nos como vítimas de uma
situação que buscamos, de uma posição que gostamos de estar: a da exposição.
Quando não estamos expostos de alguma forma (comentários nas redes, fotos,
vídeos, likes, etc) é como se
estivéssemos à margem da vida. É como se algo nos faltasse. Uma sensação de
alguém oferecer uma festa e não nos convidar. Conferimos um poder às redes e à
tecnologia que não deveríamos. Isto tudo nos faz criar vínculos e laços com o
desmedido, desnecessário, efêmero. Faz-nos ficar viciados na novidade, no
curto, no raso, no superficial.
Superestimamos o som da mensagem
que chega e paramos imediatamente o que estamos fazendo para ver sobre o que se
trata. Quando recebemos um zap e não
respondemos na mesma velocidade daquele que nos enviou, somos cobrados. Quando
ligamos para o celular de alguém e este mesmo alguém não atende, ficamos
aflitos. Uma postagem no facebook foi
realizada por um amigo desconhecido e
indiferente à nossa vida, mas imediatamente curtimos ou, no mínimo, colocamos
algum comentário. O twitter nos
encaminha um e-mail dizendo que temos
atualizações que são, muitas vezes, inúteis e desprovidas de conteúdos de
qualidade, mas que damos uma passadinha lá.
São tantas as janelas abertas na
parte inferior do nosso computador, que o sol mal entra nas janelas verdadeiras
da nossa casa. Perdemo-nos no meio de tantas informações, mas o conhecimento
está à margem há tempos. O que fazemos com tudo o que nos chega?
Valorizamos a nossa agilidade na
navegação, elogiamos os mais jovens
pela desenvoltura com que manuseiam as máquinas, acessamos notícias, zapeamos
na rede. No final do dia, para onde exatamente fomos? Aquilo tudo nos construiu
ou não?
O tempo é uma moeda com a qual não podemos brincar. Além de não aceitar
desaforos, costuma cobrar pela inabilidade do uso.
Somos interrompidos a todo o
momento não por causa da tecnologia, mas sim por causa de nós mesmos que nos
deixamos interromper a qualquer hora, momento e circunstância. A questão não é
a tecnologia, mas sim nosso agir diante isto. Criamos um monstro, e agora não
conseguimos mais controlá-lo e nem viver sem ele.
Vivemos excessos de
interferências que nos causam sobreposições. Estes excessos de interferências e
de interrupções simbolizam o nosso retrocesso. Um retrocesso que nos faz ainda
falar sobre os mesmos velhos assuntos que, apesar de ressurgirem com outras
roupagens, possuem a mesma essência. A violência é um destes velhos e mesmos
assuntos. A nossa agressividade ainda é um velho assunto. A covardia e o
egoísmo ainda são velhos assuntos, mas que agora se apresentam de forma
tecnológica.
Abrimos tantos parênteses ao falarmos, que nos perdemos. O que estávamos falando mesmo?
imagem tirada da internet
Estamos ansiosos por informações
que não sabemos o que fazer com elas. Esta ansiedade cria instabilidade. E na
instabilidade, obviamente, nada se estabelece. Um livro de 50 páginas se torna
grande. Pensar exige um transbordar de nós próprios. E como acontecer este
transbordamento se logo ali há mensagens para serem lidas agora?
Senso de urgência e de prioridade são distintos de falta de triagem e
de filtro para selecionarmos o que, verdadeiramente, importa. Como tudo se
tornou urgente, como uma das medidas do sucesso se tornou o imediatismo, o
pensar e o refletir realmente estão ficando fora de moda. Mas desconfio que
este não seja o melhor caminho.
Coisas vão sendo colocadas sobre
as outras, janelas abertas sobre as outras, mensagens sobre as outras. Sobreposições
camuflam a mesmice, o retrabalho, o ineficiente, o favorecimento de alguém, o
cansaço. Sobreposições nos dão a falsa sensação do trabalho, do pertencimento e
da utilidade porque criam necessidades desnecessárias, que somente serão
percebidas lá na frente, quando alguém quiser resolver algumas velhas questões.
Portanto, sobreposições interessam àqueles que querem nos desviar da
rota e do caminho.
Textos são lidos mecanicamente
porque há algo pulando aqui na nossa tela, clamando nossa atenção. São tantas
as irrelevâncias que nos chamam a atenção, que aquilo que necessita, de
verdade, do nosso olhar, muitas vezes fica para segundo plano. É uma pena.
Somos o tempo todo interrompidos.
É fundamental compreendermos que interrupções, discretamente, sugerem uma troca de contextos. Elas nos tiram
do lugar no qual estávamos, que poderia ser um lugar necessário. O pior é que
muitas vezes não voltamos para este lugar certo e necessário. E a nossa oportunidade
de transformação e de reflexão se perde no meio dos erros construídos por nós,
e por uma sociedade que anseia pelo rápido e pelo novo para que não tenha tempo
de lidar com aquilo que demanda tempo: nós.
Quando somos interrompidos,
invariavelmente, paramos de fazer o que estávamos fazendo para atendermos a
algum chamado. E muitas vezes um chamado que poderia esperar ou até que não
deveria ser atendido.
Interrupções são um compartilhamento do nosso tempo. Com ou sem a nossa
autorização. Um
desperdício de tempo com eventos diferentes.
A interrupção e a interferência
forçam uma mudança que nos transfere da nossa rotina.
Estamos fragmentados, viciados em
novidades, em notícias curtas, em manchetes que nada dizem. Interrupções têm
prioridade, mas estão se tornando a regra. Ou não?
Que a gente se desligue dos
cliques imediatos e das respostas prontas para que possamos nos ligar nas
possibilidades daquilo que poderemos ser.
Estar o tempo todo conectado nos
faz abrir muitos parênteses e nos ausentar de nós mesmos. Quando fechamos os
nossos parênteses, abrimos espaços em nossas mentes para o pensar e para o ir
além. A conexão tecnológica é importante e fundamental. Mas que saibamos
delimitar espaços e tempos. É isso. Mais que isso, é delegar o indelegável. É
permitir invadir espaços preciosos de tempos que poderiam ser utilizados para a
ação e reflexão.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com um pensamento de Rubem Alves, um escritor atemporal, que
diz:
“No silêncio, mora o mundo.”
Por que, então, este silêncio nos
incomoda tanto? Acredito que seja porque nunca aprendemos a silenciar os nossos
ruídos, que são muitos. E as interferências e interrupções cumprem bem o papel
de não permitirem nos ouvir.
A realidade nos traz a velocidade
da interrupção e da interferência a todo momento. Estarmos o tempo todo
conectados e velozes apenas nos dedos, nos tira a velocidade do pensar e a
possibilidade de nos revisitar e enxergar o que nos perturba.
Viver é bem mais complexo que a
própria realidade. Ainda mais sob os efeitos cruéis e ineficientes de tantas
interferências e interrupções. Por isso,
é preciso parar para que se possa seguir. Um seguir firme, sustentável e
focado, mesmo que interferências e interrupções insistam em nos distrair.
Quando chegarmos neste ponto, certamente não teremos mais tantas janelas
abertas na parte inferior do nosso computador. Porque outras, bem mais
importantes, terão sido, há tempos, abertas.
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