Isaac Newton, um dos
grandes da História, dizia:
“Se cheguei até aqui, foi
porque me apoiei nos ombros de gigantes.”
Somente uma pessoa grande diz
isso. Quando somos grandes, reconhecer a grandeza dos outros é natural, feito
sem esforço. Mas quando somos pequenos, a grandeza dos outros incomoda e
ofusca, e reconhecê-la é quase uma afronta, um convite ao retrocesso.
Somos uma sociedade feita de
anões. No entanto, não reconhecemos isto por nos acharmos grandes. Confundimos conceitos.
E esta conta se percebe quando nos atrapalhamos com as nossas medidas e entregas.
Exatamente por acharmos que sabemos os conceitos, erramos. Somos uma
sociedade de desatentos, por isso a vulnerabilidade nos encontra com facilidade
e nos assola. Caso estivéssemos mais atentos, nossas luzes estariam acesas, e seríamos
menos suscetíveis à escuridão e menos acessíveis àquilo que não fosse bom.
Somos uma sociedade que está
pautada na carência. Portanto, se elogiamos alguém, se consideramos o trabalho
de um colega, se valorizamos aqueles que já passaram é como se não houvesse
espaço para nós.
O andar do outro não diminui o
nosso. O construir do outro não invalida o nosso. Há muita dificuldade na
valorização dos que foram porque somos vaidosos, queremos os louros em
embalagens fechadas e exclusivas. Queremos deixar nossas pegadas isoladas e não
misturadas. O passo do outro nos incomoda porque ele pisou sobre terras que gostaríamos
de ter pisado primeiro. Entretanto, como isso não foi possível, tentamos
encontrar uma forma de diminui-lo e de neutralizá-lo para que ele entre para o hall
dos esquecidos.
Não sabemos aonde está a nossa
atenção. Sabemos reivindicar, mas não sabemos construir. Sabemos pedir, mas
temos dificuldades de ficarmos na fila aguardando sermos chamados. Alienados
que somos. Desbotamos a experiência do outro porque não foi a nossa.
Desvalorizamos os passos dos outros porque não foram deixados por nossos
sapatos. Queremos que os outros encurtem os nossos caminhos apenas por capricho
e apego que temos a nós, mas não porque a trajetória dele fosse uma referência
a ser considerada. E na hora de subirem os créditos que deveriam ser dados aos
que já passaram, chamamos os comerciais. Quem percebe?
A construção do nosso conhecimento
se dá por meio da própria experiência que fazemos, mas sempre considerando o
caminho que os outros trilharam, a história e a História que os outros já
escreveram. Mas parece que temos outra lógica de influência e de significados.
Como a experiência, trajetória e construção do outro não entram na nossa conta
e não nos interessa, nos tornamos insustentáveis. E assim sendo, construímos
tragédias por não termos aprendido que o outro, e toda a sua completude, é
parte que nos constrói. Nossos itinerários ficam obstruídos por falta de
material de construção que deixamos, há tempos, de comprar.
Isaac Newton, ao trazer
este pensamento para a nossa reflexão, faz uma metáfora que, ao longo da
história, ficou conhecida como a metáfora dos anões. Esta simbologia de
dizer que “se está sobre os ombros dos gigantes” nos coloca numa condição de
anões. Para que possamos estar sobre ombros dos gigantes, não podemos ser
grandes, também. Anões, portanto, é um grande estado de excelência para todos
nós. Este raciocínio mostra que, independentemente, de quem somos, do que
fazemos, do que construímos e descobrimos, sempre alguém veio antes. Sempre.
Mas parece que estamos nos esquecendo disto e nos apropriando de louros e de
créditos que, de longe, ajudamos a construir. Um conceito antigo, bem antigo,
que reacendeu com Isaac Newton, um dos maiores Astrônomos da Humanidade.
Somos todos anões sobre ombros dos grandes. Quem são os
grandes? Todos aqueles que vieram antes de nós. Sem exceções. Se sabemos o que
sabemos foi porque alguém nos trouxe verdades a partir de outras verdades
descobertas antes de aqui chegarmos. Para aceitarmos isso, será preciso ter
aceitado, antes, o fato de sermos pequenos e de termos sido construídos a
partir de outros que vieram antes. Somos construções dos olhares dos outros.
Os ombros dos gigantes é um lugar
para poucos. Apenas para aqueles que já entenderam o que fazem aqui. Para
aqueles que ainda possuem dificuldades de valorizarem os ombros dos que vão à
frente de nós, um possível caminho seja refletir sobre algo recorrente em nós: a
ingratidão. Etimologicamente, gratidão vem do latim “gratus”, que, por sua vez,
possui uma base indo-europeia formada por “gwer”, que significa dar as
boas-vindas.
Quando somos ingratos, temos
dificuldades de nos apoiar sobre os ombros dos gigantes porque os gigantes que
passaram não nos interessam. O trabalho deles é irrelevante, desnecessário,
ultrapassado. Ingratidão significa considerar que o mundo e seus atributos
começaram apenas quando nós chegamos. É viver sob uma farsa pintada de cores
brilhantes para que ninguém perceba. O ingrato não conhece o entorno. Não
percebe e não reconhece o trabalho do outro porque somente a caneta que ele
possui faz grandes obras.
O contrário, a gratidão, é dar
estas boas-vindas àquele que já veio, àquele que já passou e que parou no
degrau cuja estada chegamos agora. Gratidão é saber que muito havia sido feito
quando chegamos. E que muito há por fazer. Difícil e custoso, mas necessário.
Gratidão é não se importar em ser o “anão”. Porque somos todos.
Aquele que é grato se eleva
porque se torna autônomo, menos suscetível ao alheio. Sabe que é influenciado
por ele, mas não se deixa dominar. Aquele que é ingrato se diminui porque
precisa de cada migalha que cai para tentar formar máscaras que ficarão tão
presas, como disse Fernando Pessoa, ao rosto, que se tornarão nossa própria pele.
Tomamos posse de conquistas cuja
participação foi mínima, irrisória, vergonhosa. Outros começaram bem antes da
gente, e em épocas muito mais duras e de conflito que as vividas hoje. Se temos
liberdade de gritarmos nas ruas é porque muitos foram silenciados antes de nós.
E este é apenas um exemplo em muitos.
Concedemos uma invisibilidade aos
outros e às obras deles porque impomos a nossa visibilidade de futilidades e de
excentricidades a todos. Construímos a partir de. Por que não identificamos as
vozes dos outros, então? Por que os que foram têm as próprias obras e passos
esnobados por nós? Outro dia, escutei alguém dizer que Machado de Assis é um
autor ultrapassado e que Shakespeare, se vivo, seria um escritor mediano. Pobre
que somos. Medimos o mundo pela nossa ínfima régua. Medimos a expressividade da
obra dos outros pela inferioridade e inexpressividade da nossa. Por isso, nos
apoiar sobre os ombros de gigantes como Shakespeare, Machado de Assis e de
outros tantos anônimos não nos é convidativo. Afinal, o que aprenderemos com
eles? Nada. Ao invés disto, nos apoiamos nos nossos próprios ombros para
continuarmos a usufruir de inexistentes paisagens.
Aquele que se apoia sobre os
ombros dos gigantes vai longe porque não se envergonha de ter um saber
continuado, restrito, fragmentado e específico. Não há como nos apropriarmos de
toda a obra, mas assim agimos. Por isso, os outros não nos interessam. Os
ombros dos outros são lugares que não nos merecem. Pobre que somos. Para
sairmos desta inércia, precisaríamos nos vestir de muitas outras coisas, mas
nossa visão é turva, pálida e míope.
Somos desequilibrados por causa
dos excessos e por causa das ausências. É preciso questionar quem são os nossos
representantes e as bases que sustentam o nosso pensar e agir. Nossa
fragilidade é assustadora, por isso, burocratizamos nossas atitudes, medicalizamos
as nossas emoções e os ombros dos gigantes não fazem parte do nosso querer.
Aliás, eles atrapalham.
Pobres que somos. Vaidosos que
somos. Míopes que somos. Por convicção. Por acharmos que temos uma verdade. Mas
o que não sabemos é que toda verdade é incompleta. Somente os que vão sobre os
ombros dos gigantes já perceberam isso e não desprezam, jamais, este lugar.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com um lindo pensamento do escritor francês, do século XVII, Jean
de la Bruyere, que diz:
“Não há, no mundo, exagero
mais belo que a gratidão”.
O convite está feito. E há tempos.
Mas somente aqueles que caminham sobre os ombros dos gigantes conseguiram
enxergar esta beleza.
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