Respeito. Um dos
valores mais importantes do ser humano. Pelos menos, deveria ser. Ele nos
impede de termos ações reprováveis em relação ao outro.
Educação. Um dos
direitos essenciais do ser humano. Pelos menos, deveria ser. A educação existe,
em um de seus papéis, como um propósito para que o indivíduo desempenhe funções
nos contextos sociais. É um processo contínuo de desenvolvimento para o melhor
que cada um pode ser.
Educar é um ato
de amor, acima de tudo. É um direito, sim, mas é um ato de amor que nos liberta
para sermos o melhor que pudermos.
Mas acho que
isto está um pouco distante de nossa realidade. Infelizmente.
A teoria nos
abastece com belos textos, mas como estão distantes da prática! Isto explica o desequilíbrio
que temos e vivemos.
Olhando para a
nossa história, temos excelentes exemplos de educadores e de estudiosos,
excelentes sugestões de caminhos a seguir, excelentes teóricos que dedicaram muito
tempo de suas vidas à educação. Por que, então, temos um abismo entre a teoria
e a prática? Por que somos excelentes no falar, no mostrar caminhos, no
sinalizar tendências, no apontar soluções, mas somos ineficientes no colocar
tudo isto em prática?
Uma palavra que
me vem à mente e que, pelo menos, para mim, responde a muitas das minhas
dúvidas, e também responde a esta que faço agora, é a desonestidade. Somos
desonestos. Ponto. Simples assim. Não cabe, aqui, ofensas pessoais, mas uma
constatação.
Portanto, este
desequilíbrio que se dá entre a teoria e a prática chama-se desonestidade.
Desonestidade não é somente pegar algo físico que não pertença a você, roubar
um dinheiro e afins. Roubar também significa tirar o “direito sobre algo”. E
não é isto o que fazemos quando temos uma banalização do estudo, do ensino,
como a que presenciamos diariamente?
Tendemos a
pensar na palavra “roubo”, “desonesto” somente no sentido físico e material que
elas trazem. Mas quando pensamos no significado destas duas palavras num
sentido profundo, percebemos que o material ficou lá atrás, bem atrás.
Roubamos, diariamente, o direito dos outros sobre algo e somos roubados também.
E com a Educação não seria diferente.
Estamos sendo
desonestos com a nossa educação, consequentemente desonestos conosco, também. São
várias as desonestidades que encontramos ao nosso redor. Mas escolhi, neste
texto, falar sobre uma delas, que é a desonestidade para com a nossa Educação.
Esta
desonestidade é uma das causas básicas de todos os nossos problemas, que
começam quando nos distanciamos de nossa essência. Quando a nossa essência
começa a se distanciar de nós, deixamos um pouco de existir. E quando penso
assim, as coisas começam a fazer sentido. A desonestidade incide nisto: no
distanciamento da nossa essência, de nos permitir ser roubados a cada dia um
pouquinho, e de roubarmos um pouco do direito do outro.
Roubamos o
direito de existir da Educação porque a afastamos da sua essência. E qual é a
essência da Educação? Vou apresentar alguns números que talvez respondam a
pergunta.
Gems Education
Solutions, uma consultoria Educacional de Londres, realizou, em 2014, um estudo
sobre a Educação e seus níveis mundiais. Numa pesquisa com 30 países, o Brasil
ocupou o 28º lugar no item “valor que se gasta por ano, por professor”. Veja a classificação:
1) Suíça: 68,8
mil dólares
2) Holanda: 57,8
mil dólares
3) Alemanha: 53,
7 mil dólares
28) Brasil: 14,
8 mil dólares
29) Hungria: 14,
7 mil dólares
30) Indonésia:
2,83 mil dólares
Ou seja, de 30
países pesquisados, estamos, praticamente, na lanterna. E isto explica muitas
coisas. Somente um País que não valoriza a educação poderia apresentar estes
números.
Um outro índice,
o de eficiência, colocou o Brasil no 30º. Conforme explicado pelo Instituto,
índice de eficiência é uma comparação que se faz entre o que se gasta com a
educação x o resultado na formação dos alunos. E o nosso Brasil ficou um
pouquinho pior neste índice. Veja a classificação dos mais eficientes:
1) Finlândia:
87,81%
2) Coreia do
Sul: 86,66%
3) República
Tcheca: 84,38%
29) Indonésia:
51,13%
30) Brasil:
25,45%
Portanto, para
respondermos a pergunta “qual é a essência da Educação? ”, é fundamental
entendermos o que é eficiência, no contexto da escola e do ensino. A partir daí,
entenderemos qual é a essência da Educação e, consequentemente, entenderemos o
porquê roubamos o direito de existir da educação. Quando as coisas começam a
ser entendidas, nossas atitudes vão sendo explicadas, também.
Ser eficiente é,
pois, aprender a conviver com o outro, em primeiro lugar. O distanciamento do convívio
pessoal, que há hoje, é muito crítico. Queremos que o aluno tenha capacidade de
pensar, de transformar o mundo, mas não o ensinamos a conviver, não o
incentivamos a tal. Queremos isto, mas o que mais fazemos como seres humanos é
nos distanciarmos do outro.
O ensino médio
prepara o aluno para o vestibular, na maior parte das vezes, infelizmente, e
não deveria ser este o objetivo. A
educação tem sido vista como um bem de consumo, um objeto e não uma causa, como
deveria ser. Por isso o índice de eficiência educacional do Brasil foi ruim. Preocupamo-nos
com tudo na educação, menos com o principal: que é aprender a conviver com o
outro, em primeiro lugar. E isto é um roubo. Isto é desonesto.
Paulo Freire, um
dos maiores educadores que o Brasil já teve, dizia que uma das principais
perguntas que deveríamos, enquanto cidadãos e educadores, fazer era: “para quê ensinar?
” A falta desta resposta tira a essência da educação. Este sempre foi o debate
e o questionamento de Paulo Freire. Porém o que nos ensinam são as técnicas e o
como. Aquilo que não é discutido (para quê estudar?) revela muitas coisas. O
silêncio revela; a ausência revela.
Isto tudo é
roubar o direito de existir da Educação porque tudo está muito longe da
essência. Num mundo materialista como o nosso, o que prevalece é a aparência e
não a essência. A aparência está intimamente ligada à personalidade (personalidade
= persona = máscara = falso: o que quero mostrar?), ao passo que a essência
está intimamente ligada à individualidade (individualidade = indivíduo = eu =
indivisível). Portanto, me importo com aquilo que sou ou com aquilo que quero
aparentar? Fica uma reflexão.
Outro
significado para a palavra desonestidade é a colocação de empecilhos a partir
do momento em que não aceitamos a verdade. Empecilhos para não fazer, para
deixar para depois, para amanhã. Bendita seja a procrastinação! Ainda bem que
ela existe para apoiar a ineficiência, a desordem e a falta de escrúpulos.
Temos muitas
iniciativas maravilhosas na educação, muita gente com vontade de mudar, de
fazer aquilo que é o certo, aquilo de que a educação precisa. Mas ainda são
ações isoladas.
É preciso
entender que não estamos aqui para usufruir do mundo, mas para fazer algo pelo
mundo. Difícil entender isto quando roubamos coisas e somos roubados. Tem um
escritor que diz que o único valor da vida é o bem que se faz. E qual é o bem
que estamos fazendo pela sociedade e pela educação? Não sei responder a esta
pergunta.
Para pararmos de
roubar o outro e de sermos roubados e, assim, voltarmos a existir, é preciso
voltar para a nossa essência, que muitos de nós sequer a conhece.
Nada é conhecido
se não for amado.
Vejo uma triste
banalização do que não poderia ser. Precisamos utilizar bem o que temos, mas
não sei se nos conscientizamos a respeito.
Precisamos
resgatar a nossa capacidade de ser e de existir. A baixa autoestima não nos
permite existir. Vamos tentar entender o que explica este nosso comportamento,
nossas ações, o porquê aceitamos determinadas coisas, o porquê fazemos
determinadas coisas. O porquê roubamos, o porquê somos roubados.
Temos que combater
algumas coisas frontalmente. Buscarmos existir. Construir, de verdade, um mundo
sem paredes. E rápido. Ele não vai ficar esperando por nós. É melhor começar
logo. Alguém pode, por favor, desligar a televisão para sairmos da alienação?
Desligar a
televisão é uma decisão importante. E uma decisão importante aponta as curvas
dos nossos caminhos. Caminhos novos, sem roubos.
Precisamos
buscar o que perdemos e nos preparar melhor. Quando nos preparamos temos
opções. E aí o resultado da nossa existência começa a aparecer. Uma existência
com essência, sem roubos.
Encerro este
texto apenas no papel, uma vez que o assunto é longo. Deixo uma frase de
Humberto de Campos, jornalista, poeta e escritor, para nossa reflexão:
“Cada ave, com
as asas estendidas, é um livro de duas folhas aberto no céu. Feio crime é
roubar ou destruir essa miúda biblioteca de Deus. ”
Que possamos ser
esta ave com as nossas asas estendidas representando livros abertos, com a
esperança de que ninguém roube, nem mesmo a gente, esta maravilhosa biblioteca
que nos foi dada.
Com o pensamento
e a atitude voltados para a nossa essência e, consequentemente, para o nosso
existir, até o mais astuto dos ladrões, mesmo que este ladrão seja a gente
mesmo, ficará envergonhado de suas ações, principalmente a de nos impedir de
voar.
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