segunda-feira, 22 de junho de 2015

Estenda as suas asas

Respeito. Um dos valores mais importantes do ser humano. Pelos menos, deveria ser. Ele nos impede de termos ações reprováveis em relação ao outro.

Educação. Um dos direitos essenciais do ser humano. Pelos menos, deveria ser. A educação existe, em um de seus papéis, como um propósito para que o indivíduo desempenhe funções nos contextos sociais. É um processo contínuo de desenvolvimento para o melhor que cada um pode ser.

Educar é um ato de amor, acima de tudo. É um direito, sim, mas é um ato de amor que nos liberta para sermos o melhor que pudermos.

Mas acho que isto está um pouco distante de nossa realidade. Infelizmente.

A teoria nos abastece com belos textos, mas como estão distantes da prática! Isto explica o desequilíbrio que temos e vivemos.

Olhando para a nossa história, temos excelentes exemplos de educadores e de estudiosos, excelentes sugestões de caminhos a seguir, excelentes teóricos que dedicaram muito tempo de suas vidas à educação. Por que, então, temos um abismo entre a teoria e a prática? Por que somos excelentes no falar, no mostrar caminhos, no sinalizar tendências, no apontar soluções, mas somos ineficientes no colocar tudo isto em prática?

Uma palavra que me vem à mente e que, pelo menos, para mim, responde a muitas das minhas dúvidas, e também responde a esta que faço agora, é a desonestidade. Somos desonestos. Ponto. Simples assim. Não cabe, aqui, ofensas pessoais, mas uma constatação.

Portanto, este desequilíbrio que se dá entre a teoria e a prática chama-se desonestidade. Desonestidade não é somente pegar algo físico que não pertença a você, roubar um dinheiro e afins. Roubar também significa tirar o “direito sobre algo”. E não é isto o que fazemos quando temos uma banalização do estudo, do ensino, como a que presenciamos diariamente?

Tendemos a pensar na palavra “roubo”, “desonesto” somente no sentido físico e material que elas trazem. Mas quando pensamos no significado destas duas palavras num sentido profundo, percebemos que o material ficou lá atrás, bem atrás. Roubamos, diariamente, o direito dos outros sobre algo e somos roubados também. E com a Educação não seria diferente.

Estamos sendo desonestos com a nossa educação, consequentemente desonestos conosco, também. São várias as desonestidades que encontramos ao nosso redor. Mas escolhi, neste texto, falar sobre uma delas, que é a desonestidade para com a nossa Educação.

Esta desonestidade é uma das causas básicas de todos os nossos problemas, que começam quando nos distanciamos de nossa essência. Quando a nossa essência começa a se distanciar de nós, deixamos um pouco de existir. E quando penso assim, as coisas começam a fazer sentido. A desonestidade incide nisto: no distanciamento da nossa essência, de nos permitir ser roubados a cada dia um pouquinho, e de roubarmos um pouco do direito do outro.

Roubamos o direito de existir da Educação porque a afastamos da sua essência. E qual é a essência da Educação? Vou apresentar alguns números que talvez respondam a pergunta.

Gems Education Solutions, uma consultoria Educacional de Londres, realizou, em 2014, um estudo sobre a Educação e seus níveis mundiais. Numa pesquisa com 30 países, o Brasil ocupou o 28º lugar no item “valor que se gasta por ano, por professor”. Veja a classificação:

1) Suíça: 68,8 mil dólares
2) Holanda: 57,8 mil dólares
3) Alemanha: 53, 7 mil dólares
28) Brasil: 14, 8 mil dólares
29) Hungria: 14, 7 mil dólares
30) Indonésia: 2,83 mil dólares

Ou seja, de 30 países pesquisados, estamos, praticamente, na lanterna. E isto explica muitas coisas. Somente um País que não valoriza a educação poderia apresentar estes números.

Um outro índice, o de eficiência, colocou o Brasil no 30º. Conforme explicado pelo Instituto, índice de eficiência é uma comparação que se faz entre o que se gasta com a educação x o resultado na formação dos alunos. E o nosso Brasil ficou um pouquinho pior neste índice. Veja a classificação dos mais eficientes:

1) Finlândia: 87,81%
2) Coreia do Sul: 86,66%
3) República Tcheca: 84,38%
29) Indonésia: 51,13%
30) Brasil: 25,45%

Portanto, para respondermos a pergunta “qual é a essência da Educação? ”, é fundamental entendermos o que é eficiência, no contexto da escola e do ensino. A partir daí, entenderemos qual é a essência da Educação e, consequentemente, entenderemos o porquê roubamos o direito de existir da educação. Quando as coisas começam a ser entendidas, nossas atitudes vão sendo explicadas, também.

Ser eficiente é, pois, aprender a conviver com o outro, em primeiro lugar. O distanciamento do convívio pessoal, que há hoje, é muito crítico. Queremos que o aluno tenha capacidade de pensar, de transformar o mundo, mas não o ensinamos a conviver, não o incentivamos a tal. Queremos isto, mas o que mais fazemos como seres humanos é nos distanciarmos do outro.

O ensino médio prepara o aluno para o vestibular, na maior parte das vezes, infelizmente, e não deveria ser este o objetivo.  A educação tem sido vista como um bem de consumo, um objeto e não uma causa, como deveria ser. Por isso o índice de eficiência educacional do Brasil foi ruim. Preocupamo-nos com tudo na educação, menos com o principal: que é aprender a conviver com o outro, em primeiro lugar. E isto é um roubo. Isto é desonesto.

Paulo Freire, um dos maiores educadores que o Brasil já teve, dizia que uma das principais perguntas que deveríamos, enquanto cidadãos e educadores, fazer era: “para quê ensinar? ” A falta desta resposta tira a essência da educação. Este sempre foi o debate e o questionamento de Paulo Freire. Porém o que nos ensinam são as técnicas e o como. Aquilo que não é discutido (para quê estudar?) revela muitas coisas. O silêncio revela; a ausência revela.

Isto tudo é roubar o direito de existir da Educação porque tudo está muito longe da essência. Num mundo materialista como o nosso, o que prevalece é a aparência e não a essência. A aparência está intimamente ligada à personalidade (personalidade = persona = máscara = falso: o que quero mostrar?), ao passo que a essência está intimamente ligada à individualidade (individualidade = indivíduo = eu = indivisível). Portanto, me importo com aquilo que sou ou com aquilo que quero aparentar? Fica uma reflexão.

Outro significado para a palavra desonestidade é a colocação de empecilhos a partir do momento em que não aceitamos a verdade. Empecilhos para não fazer, para deixar para depois, para amanhã. Bendita seja a procrastinação! Ainda bem que ela existe para apoiar a ineficiência, a desordem e a falta de escrúpulos.

Temos muitas iniciativas maravilhosas na educação, muita gente com vontade de mudar, de fazer aquilo que é o certo, aquilo de que a educação precisa. Mas ainda são ações isoladas.

É preciso entender que não estamos aqui para usufruir do mundo, mas para fazer algo pelo mundo. Difícil entender isto quando roubamos coisas e somos roubados. Tem um escritor que diz que o único valor da vida é o bem que se faz. E qual é o bem que estamos fazendo pela sociedade e pela educação? Não sei responder a esta pergunta.

Para pararmos de roubar o outro e de sermos roubados e, assim, voltarmos a existir, é preciso voltar para a nossa essência, que muitos de nós sequer a conhece.

Nada é conhecido se não for amado.

Vejo uma triste banalização do que não poderia ser. Precisamos utilizar bem o que temos, mas não sei se nos conscientizamos a respeito.

Precisamos resgatar a nossa capacidade de ser e de existir. A baixa autoestima não nos permite existir. Vamos tentar entender o que explica este nosso comportamento, nossas ações, o porquê aceitamos determinadas coisas, o porquê fazemos determinadas coisas. O porquê roubamos, o porquê somos roubados.

Temos que combater algumas coisas frontalmente. Buscarmos existir. Construir, de verdade, um mundo sem paredes. E rápido. Ele não vai ficar esperando por nós. É melhor começar logo. Alguém pode, por favor, desligar a televisão para sairmos da alienação?

Desligar a televisão é uma decisão importante. E uma decisão importante aponta as curvas dos nossos caminhos. Caminhos novos, sem roubos.

Precisamos buscar o que perdemos e nos preparar melhor. Quando nos preparamos temos opções. E aí o resultado da nossa existência começa a aparecer. Uma existência com essência, sem roubos.

Encerro este texto apenas no papel, uma vez que o assunto é longo. Deixo uma frase de Humberto de Campos, jornalista, poeta e escritor, para nossa reflexão:

“Cada ave, com as asas estendidas, é um livro de duas folhas aberto no céu. Feio crime é roubar ou destruir essa miúda biblioteca de Deus. ”

Que possamos ser esta ave com as nossas asas estendidas representando livros abertos, com a esperança de que ninguém roube, nem mesmo a gente, esta maravilhosa biblioteca que nos foi dada.

Com o pensamento e a atitude voltados para a nossa essência e, consequentemente, para o nosso existir, até o mais astuto dos ladrões, mesmo que este ladrão seja a gente mesmo, ficará envergonhado de suas ações, principalmente a de nos impedir de voar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário