quarta-feira, 17 de junho de 2015

Padre, eu pequei


A imagem acima, disponível na internet, nos oferece inúmeras reflexões e inúmeros caminhos para conversas. São várias as ramificações que a imagem nos proporciona e nos provoca.

Após o primeiro impacto que ela me causa, o riso, logo percebo a ironia implícita nos diálogos, o que me obriga a colocar o riso no segundo plano, e a escolher qual destas ramificações, que a imagem me causa, vou querer falar. E escolhi falar sobre o limite, ou melhor, a falta e o excesso dele.

Independentemente da religião de cada um, se é que a temos todos, de forma alguma trago esta imagem para criticar algo sobre a religião ou para falar sobre. Absolutamente. Cada um com as suas crenças. Cada um com a sua direção espiritual.

O que trago aqui, por meio desta figura, é uma reflexão sobre o limite, tanto a falta dele como o excesso. Os dois são ruins e nocivos a nós. E acredito que esta imagem é bastante emblemática para falarmos sobre isto.

No desenho, uma pessoa, que poderia ser qualquer uma de nós, busca a Deus para alívio de suas dores, de suas angústias existenciais. E ansioso pela resposta que poderia aliviar a sua dor, o Senhor pede para ela buscar a resposta no Google. Certamente não era isto o que aquela pessoa queria ouvir.

Passamos dos limites. Passamos de todos os limites. E há tempos. Nem Deus foi poupado. Como diz a música: “...nem o Santo tem ao certo a medida da maldade...”. E estes excessos por ultrapassarmos tantos e todos os limites estão nos causando sérios danos.

Concordo que para muitas coisas, muitas mesmo, precisamos quebrar os limites, questioná-los se quisermos evoluir, se quisermos ser pessoas melhores, se quisermos viver num mundo melhor e mais justo. Limite é incompatível com crescimento, seria uma forma de alienação.

Mas é preciso saber a hora de parar, senão certamente vão nos parar.

Questionar algo estabelecido é saudável e necessário. Porém, penso que, da mesma forma que muitos limites devem ser questionados e ultrapassados, muitos, e muitos mesmo, devem ser mantidos e respeitados. Daí a ironia da figura acima. Moralismo à parte, bem à parte, a ironia contida no texto da figura mostra que este tipo de limite deveria ser respeitado. Jamais Deus nos mandaria buscar respostas na internet. Portanto, o que chama a atenção não é a questão moralista, religiosa, mas sim este “ultrapassar de limites” sobre assuntos em que o limite deveria ser mantido e respeitado.

A ironia, presente nos diálogos, vai bem ao encontro destes excessos que ocorrem em nossas vidas, exatamente em função da falta de limites. Estamos irônicos frente aos nossos problemas, estamos irônicos frente à dor alheia. Passamos dos limites.

Quando recebemos esta resposta de Deus, “já procurou no google, meu filho? ”, claramente há a presença de uma dissimulação, que consiste em dizer algo contrário àquilo que se pensa, àquilo em que se acredita. E isto é a ironia. O principal papel da ironia é contestar o preestabelecido, aquilo que alguém falou e é dito como certo.  Consiste em dizer o contrário do que se pretende. É também uma forma de zombar de alguém. E isto causa uma reação em quem ouve. É como dizer:

“A situação está sob controle. Só não sabemos de quem. ” Pois é, bela ironia para os nossos dias...

Na figura acima, Deus foi irônico conosco. Dizemos com frequência: “Não vivo sem o meu celular.” Então, se não vivemos sem o nosso celular, por que não perguntamos para ele o sentido da vida, no lugar de perguntar a Deus?

Há, até, uma propaganda de televisão cuja parte do diálogo é: “...mas o que você faz, hoje, sem internet? ”. Pois é, é melhor buscar a resposta para esta pergunta na internet, e não perguntá-la a Deus...

Um outro papel importante da ironia, que baseia o nosso texto sobre limites, é que ela nos convida a sermos ativos, a refletirmos sobre algo ou alguma coisa e, consequentemente, escolhermos uma posição. Por isto, a ironia, neste caso, está sendo um recurso de linguagem muito importante para percebermos que ultrapassamos os limites. E há tempos. A ironia, no fundo, faz uma crítica e/ou uma censura sobre algo. Ela procura valorizar alguma coisa, mas na realidade, quer desvalorizá-la.

Na imagem, o apelo que se faz para se buscar uma resposta sobre algo relevante (sentido da vida), na internet, desvalorizou e ironizou o próprio ato de fazer buscas na internet. E isto aconteceu exatamente pelo excesso do uso disto. Esta desvalorização acontece justamente pelo excesso, pelo além da conta. Quando temos excessos e muito do muito, difícil será encontrar alguém que dê o devido valor à coisa, que não a desperdice.

Fazer buscas na internet é maravilhoso, excelente para o aprendizado. Mas esta maravilha somente se dará se houver este limite, se soubermos o uso que faremos disto e para quê. Raro isto hoje.

Importante ressaltar que o tema ironia é discutido desde a época de Aristóteles, filósofo grego que viveu há muitos anos antes de Cristo. Ele introduziu um conceito chamado ironia socrática, que refere-se a uma técnica do método de Sócrates, filósofo ateniense e um dos fundadores da filosofia ocidental. Este conceito simulava uma forma de ignorância ao fazer perguntas ao interlocutor e “aceitar” as respostas dele. Isto até se chegar a uma contradição e, desta forma, perceber os erros do próprio raciocínio.

E o que os excessos, ultrapassagem e falta de limites têm nos causado? Têm nos causado perceber os erros do nosso próprio raciocínio, perceber que passamos dos limites para muitas coisas. E ironicamente, tantas outras coisas que deveriam ter seus limites questionados, assim permanecem.


Outra provocação, outra zombaria. Outra forma de banalizar o que não poderia ser banalizado.

Estamos transformando o sagrado naquilo que é comum. E não estou falando em sagrado somente no sentido religioso, mas sim “sagrado” no sentido do respeito, do justo, do ético. Daquilo que ninguém teria o direito de violar.

Somente trouxe estas figuras de cunho religioso para dizer que exageramos na tinta, que passamos do ponto, aliás ultrapassamos o ponto, e o espaço que deveria ser do outro tem sido feito de nosso território.

O nosso espaço é o nosso limite. Simples assim. É a nossa fronteira com o outro.  Se assim não for, vamos nos destruir. E será que já não é o que está acontecendo?

Hobbes, um filósofo inglês, afirma que os limites surgem da necessidade de organizar a sociedade e de impedir que o ser humano se destrua.

A Filosofia é uma necessidade de primeira grandeza. Deveríamos ler mais sobre isto.

O limite não pode nos impedir de ir adiante, de questionar, como dito acima, mas ele deve existir como uma fronteira de respeito às condutas humanas, ao sagrado, à vida.

Portanto, devemos reconhecer que o caminho não é fácil. Aliás é tortuoso, bem tortuoso. Mas qual opção temos que não a de trilharmos este caminho? O caminho é o mesmo para todos; o que difere é a forma como caminhamos.

Ultrapassamos o limite quando vivemos uma relação de oposição com o outro. E talvez esta busca pelo “estar sempre certo” esteja nos fazendo avançar o sinal.

Ultrapassamos o limite quando encontramos o desconhecido, o diferente, e recuamos, ora porque dizemos que eles estão errados, ora porque nos assustamos e perdemos uma excelente oportunidade de avançarmos.

Ultrapassamos o limite porque desconhecemos o seu significado e a sua importância.  Aristóteles diz que o limite fixa o término de uma coisa e o começo de outra coisa diferente. Portanto, limite é um ponto de finitude e um ponto de partida.

Sábio Aristóteles, mas quem o ouve? Ainda mais em tempos de internet...Sorte a dele que viveu numa época em que o pensamento era construído, e que os limites ultrapassados eram os necessários para o desenvolvimento do homem, e não para invasão do espaço alheio em função da falta de ética, justiça e honestidade.

Pondé, filósofo da atualidade, diz que os limites nos humanizam. Vamos pensar sobre isto. Não pode ser tudo do nosso jeito, na hora que queremos e como queremos. Isto nos desumaniza. E não é o que está acontecendo? Podemos nos perder na falta de limites.

Em tempos de festas juninas, ouvi uma mãe dizer a outra mãe: “Começaram os ensaios para a festa junina. Acabaram os meus finais de semana. ”  Acho que se referindo às idas à escola da filha para a realização do ensaio.

Torço para que a filha não tenha ouvido o que esta mãe disse. Outro avançar de limites. Há coisas que não se dizem na vida, e esta é uma delas. É um crime fazer isto. Mas enfim, somente a alienação e a falta de limites me trazem uma resposta aceitável para este comportamento desprezível.

Temos infinitas possibilidades na vida. Mas ultrapassar os limites do respeito, da ética, da justiça e do amor não deveria ser permitido. Mas quem vai controlar isto? Se não conseguimos nem garantir o básico, que dirá sobre a subjetividade humana, como é este o caso, o ultrapassar de limites? Acho que somente os filósofos dão conta disto. Ainda bem que deixaram obras e estudos preciosos para nós. Mas é preciso praticá-los.

O exceder limites traz descobertas; mas o exceder limites no trabalho prejudica a saúde, prejudica o ambiente e traz alienação.

O exceder limites traz problemas na convivência com o outro, e a falta dele também.

Saber o limite implica buscá-lo, descobri-lo, interpretá-lo. Os limites nos ensinam a tolerância, a trabalhar em nós as frustrações do desejo não cumprido, do adiar a nossa satisfação. Saber esperar é uma arte, mas só para aquele que respeita o limite.

A falta de limites traz desorientação. Temos tanta liberdade, mas o que fazer com ela?

Os limites existem para que sejamos livres.

Os limites são importantes porque eles dão vozes aos nossos gritos internos.

Os limites existem para serem questionados, mas somente quando existirem perguntas a serem feitas.

Os limites existem para serem respeitados, principalmente porque as nossas dores pediram.

Os limites existem para serem quebrados e ultrapassados, mas somente quando enxergarmos um novo caminho a seguir.

Os limites existem para sabermos o momento de parar.

Os limites existem para sabermos o momento de seguir.

Ensinar limites no curto prazo é dar liberdade no longo prazo.

Ensinar limites é aceitar o que se tem, e acima de tudo, valorizar o que se tem.

Ensinar limites é um ato de amor.

Os limites existem para nos ensinar a escolher. Quando temos muitas opções, o prazer pela escolha é substituído pela angústia do não poder escolher tudo, e ter de optar por este ou aquele.

Enfim, nossas velhas conhecidas contradições. Como saber se devemos passar os limites e assim nos superar? Como saber se estamos invadindo o espaço alheio e ultrapassando limites que não deveríamos fazê-lo?

De verdade, não sei a resposta. Mas tenho uma desconfiança de que ela passa pela brilhante citação de Carl Jung:

“Não há despertar de consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão. ”

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