imagem tirada da internet
Outro dia, passando perto de uma
construção, vi uma escada bem comprida, daquelas de madeira, um tanto gasta
pelo uso, mas ainda disposta a ajudar quem precisasse dela. Ela tinha vários
degraus, todos irregulares, de tamanhos e alturas diferentes. Mas ainda assim
era uma escada. Uma escada cansada em função do tempo percorrido, do servir, do
esforço, mas firme o bastante para ainda aguentar mais algumas subidas e
descidas. Firme o bastante para não ser confundida com nenhuma outra ferramenta,
com nenhum outro utensílio.
Fiquei pensando em nossas escadas
individuais que nos conduzem pela vida. São elas que nos cedem, gentilmente,
seus degraus para subirmos ou para descermos. Ou, até mesmo, para ficarmos no
meio do caminho, parados, estacionados, ou perdidos, mesmo. Isto dependerá de
nossas escolhas e do nosso estar na vida.
Escadas podem ser de vidro, de
madeira, de metal, de pedra...podem ou não terem corrimão. Diferentes nas
medidas, nas alturas, nos materiais, nas cores. Pouco importa. O fato é que
todas, independentemente de cores e afins, conduzem. Todas, sem exceção. E a nossa escada não seria diferente. Somos conduzidos
pela vida por meio dela.
Portanto, a escada que temos faz
toda a diferença para nós.
Qual é o tamanho da nossa escada?
Ela é suficientemente grande para
nos levar aonde queremos? Ou para o que queremos, o tamanho dela basta? Ou então,
como não sabemos aonde queremos chegar, o que importa o tamanho dela?
Nossas escadas podem estar enferrujadas
ou tinindo ou paradas no fundo do quintal ou quebradas ou ultrapassadas ou
velhas. Não importa quantos ous tenha
em nossa história. Mas saber o estado da nossa escada, isto importa. E muito.
Há escadas tão altas que se
perdem de vista. Há aquelas que nos derrubam porque seu piso é muito liso.
Dependendo da queda, não nos levantamos mais. Mas há as quedas emocionais que
também estão escondidas nos degraus de muitas escadas. Estas são as piores.
Qual é o tamanho da sua escada?
Depende de suas escolhas,
ambições, perseguições, desistências e persistências...
Para desistências, escadas mais
curtas. As grandes não serão necessárias uma vez que muitos dos degraus não
serão utilizados.
Para busca incessante, escadas
longas e desejo de longas pernas para alcançá-la. O tamanho de nossas pernas
também é determinante para adequação da escada.
Para ambição além da conta, há as
escadas que quebram as pernas. Aquele degrau que foi afrouxando no decorrer do
tempo e que fizemos de conta que não vimos. E agora, ele veio cobrar a conta.
Espatifou-se quando resolvemos pisar nele.
Para vaidade desmedida de querer
ser o mais rápido na subida, cuidado: a vitória está no caminhar e no apreciar
a vista. A chegada é só uma consequência para aqueles que acreditam. E apreciar
a vista enquanto faz a caminhada nos ajuda a acreditar.
E se no meio do caminho
descobrirmos que um dos degraus de nossa escada precisa de ajustes, por que não
pedirmos ajuda? Aceitar ajuda nos faz livres para o recomeço...com a mesma
escada...
Aceitar ajuda é para os fortes e
para os que usam suas escadas.
Degraus próximos para os mais
preguiçosos, de pernas curtas, e que fazem questão de não enxergarem que suas
pernas dão conta disto.
Degraus próximos, muito próximos.
Até uma criança sobe? A vida espera mais da gente.
Degraus distantes para aqueles
que valorizam demais a dor, a dificuldade, o não alcançar. Por que não criamos
um degrau intermediário? Ao mesmo tempo, degraus distantes fortalecem as nossas
pernas enquanto subimos. Talvez este seja o nosso diferencial lá na frente. Talvez.
O mundo nem sempre é justo.
Escadas servem para ajudarmos
alguém a subir. Afinal, estamos no degrau acima.
Escadas servem para empurrarmos o
outro. Afinal já chegamos, não é mesmo? Não precisamos de companhias...
Escadas são o nosso meio de
transporte no decorrer da vida. São feitas sob medida para cada um de nós.
Há aqueles que preferem as
rolantes. São rápidas, eficientes, deslizantes e muito, muito mais
confortáveis...apenas enquanto funcionam. Pois na primeira parada, lá vamos nós
engrossar a fila dos que precisam usar a escada manual.
Todo este tempo utilizando, apenas, as rolantes, corremos o risco de
esquecer de como é subir degraus com os nossos pés. E este esquecimento vai
atrofiando nossos demais saberes. Estas escadas têm este poder: vão minando
nossas forças discretamente...mas com o nosso consentimento, mesmo que
inconsciente.
Os pés superficiais das escadas
rolantes só nos servem enquanto a escada funciona. Quando ela quebra, quebramos
também. Para elas, há conserto; para nós, ainda não...
Nossas escadas foram feitas para
serem usadas e marcadas com os nossos pés. Que ela envelheça pelo uso e não
pela falta dele. O uso demarca o nosso espaço no mundo. Faz-nos donos das
nossas vontades. Dos nossos saberes. E das nossas responsabilidades.
Eu quero. Eu subo. Eu quero. Eu
desço. Eu quero. Eu paro. Eu não quero. Estaciono.
E muitos ficaram para trás, por
conta de suas escadas não utilizadas ou subutilizadas. As marcas de nossos pés
podem ajudar o outro a retomar o caminho.
E muitos vão lá na frente, por
conta de suas escadas sujas, utilizadas, manchadas e marcadas. As marcas dos
pés deles podem nos servir de inspiração dos lugares aonde podemos chegar.
Muitas podem ser as reflexões e
metáforas acerca de escada. Muitos são os significados. E todos estarão certos
porque serão reflexões sobre cada um de nós.
Não importa a cor da sua escada,
o formato, o tamanho, o material. O que importa é que ela existe e está a sua
espera, ou melhor, a espera de seus pés.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com uma frase de Franz
Kafka, escritor alemão do século XIX, que diz:
“Um degrau de escada que não foi
desgastado a fundo é, do seu próprio ponto de vista, apenas algo de madeira montado
no ermo. ”
Que possamos olhar para nossas
escadas e reconhecermos, nelas, nossos passos e nossas marcas. E que,
envelhecidas, nossas escadas nos sirvam de espelhos de nós mesmos. E assim, nos
orgulharmos de um dia termos tido a coragem de iniciarmos a nossa caminhada.
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