segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Vaias não são apenas vaias

imagem tirada da internet

Na semana passada, numa competição de esgrima, uma atleta brasileira lutava com uma francesa, nas Olimpíadas do Rio.

Durante a luta, ouve-se uma vaia do público: “Fura ela”. Em outras lutas também foram ouvidas vaias como “aqui é favela”, “se não der com a espada, vai com a faca mesmo”.

Vaiar, no sentido geral, é dizer, por meio de um barulho ensurdecedor, que não gostamos de alguma coisa, pessoa, atitude. Que não concordamos com determinadas situações.

Uma forma de protesto. Uma forma de expressão. Um traço cultural.

No lugar de vaias, nossa forma de protestar poderia ser a argumentação, o propósito e o ideal. Sem gritarias. Sem barulhos. Mas sim com silêncio, foco e determinação. Porém, ainda precisamos das vaias como representantes de nossos discursos, de nossos enunciados. O barulho ainda faz parte para que possamos ser ouvidos.

Quando trazemos o assunto para o esporte, a vaia toma proporções exageradas. Bem exageradas. Toma outro rumo de conversa. Saímos do escopo somente da expressão e do protesto. Tratamos o adversário como inimigo. Não somos capazes, pelo menos não temos sido, de simplesmente torcer por nossos atletas e respeitar o outro que disputa a mesma competição. Não somos capazes de valorizar este momento e o talento alheio.

Quando colocamos a nossa atenção no melhor do outro, sem querer destruí-lo, uma excelente oportunidade de melhorar as nossas marcas pessoais surge em nossas experiências.

Se o adversário não existisse, qual o sentido da competição? Ainda não somos uma sociedade de  cooperação, mas sim de competição. Portanto, ela ainda faz sentido desde que pautada na ética e no respeito. E respeitar o adversário é dar o melhor de nós, seja como competidores ou como expectadores.

Como competidores, estamos dando o nosso melhor. É visível. Porém, como expectadores, nem sempre. Muitos aplaudem e respeitam o trabalho do adversário. Mas, infelizmente, outros não. A falta de educação, em todos os níveis, ainda é fortemente presente na nossa sociedade. E no caso, agora, nas arquibancadas dos estádios.

Há limite entre o que pode ser dito x saber a hora de se calar? Há diferença entre torcida x vandalismo? Há diferença entre querer ganhar x desejar o mal do outro? Certamente sabemos todas estas respostas. Ninguém precisa nos dizer o que fazer. Resta-nos fazer.

Vaiar é algo antigo. Muito antigo. Não é criação nossa.

A questão toda é o equilíbrio. Palavra presente no discurso e ausente na atitude. E isto ainda nos falta e muito: equilíbrio. Saber a hora de se colocar, de falar e, principalmente, de se calar é uma arte. A placa com a inscrição “Silêncio” queimou, numa das competições, devido a tantos acionamentos da comissão organizadora. E mesmo assim, não fizemos silêncio.

Não queremos ser monges nas arquibancadas, sem absolutamente querer ofendê-los. Pelo contrário. Uma vaia saudável, se é que podemos chamá-la assim, faz parte da brincadeira. No entanto, desejar que uma de nossas nadadoras se afogasse, que o adversário de Arthur Zanetti caísse e desejos que a esgrimista brasileira furasse a adversária são o reflexo do que nos falta. E nos falta muito e de tudo.

Somos um povo que busca dar certo. Buscamos o acerto. Somos lutadores e desbravadores. Somos um povo que faz do riso uma ferramenta de vida. Somos um povo que não teme a reinvenção de si mesmo. Mas precisamos honrar nossas conquistas. Porém não é desta forma que conseguiremos. Um jornal americano só faltou nos chamar de selvagens. O restante ele fez. Sabemos que eles também têm os problemas deles, mas queremos saber dos nossos problemas que, a propósito, são muitos.

Precisamos aprender a nos calar quando a vida pede ou, no caso, quando o jogo pede. É respeitoso. É amável. É educado. É preciso.

Querer que a atleta fure os olhos da adversária me remete àqueles tempos dos gladiadores dos filmes romanos. Aqueles homens, no meio das arenas, tinham, como única opção, matarem os seus opositores. Caso contrário, eles morreriam. Um somente podia sair vivo.

O que mudou de lá para cá? Talvez as cadeiras das novas arenas. As de antigamente eram de concreto, nada confortáveis. As de hoje são mais confortáveis. Infelizmente, o sentimento de querer que o outro se machuque, se prejudique ainda é presente na nossa sociedade. Não há como negar isto. Muitos, felizmente, já mudaram de patamar. Mas é preciso mais.

Uma sociedade de competição cria estas realidades. E isto não é só aqui.

Torcer para ganhar é legítimo e verdadeiro. Mas desejar o mal do outro é desejar o nosso próprio mal. Cada um dá apenas o que tem. Vaiar de forma desrespeitosa e dizer absurdos  aos adversários não caracteriza empolgação, torcida.

Torcer está em outro patamar.

Querer furar os olhos do outro significa a degradação do humano. São pequenos infelizes em busca de um pouco de sonho. Apesar de não saberem disto. São pessoas que não sabem viver, que dirá torcer e respeitar o adversário. São pessoas que não possuem conhecimento de vida, que dirá esportivo. Há que se ter limite e equilíbrio. A vida pede isto de todos nós.

São pessoas que não sabem o significado de existência: que é sair de você para, de verdade, poder se enxergar e, neste momento, passar a existir. Quem deseja que o outro morra, como aquilo que foi dito, é porque este alguém já morreu. Morreu em suas esperanças, em suas lutas. Só desejamos o mal para o outro quando a maldade predomina em nós. Se fosse a felicidade que predominasse em nós, não diríamos tudo aquilo.

Quem está no centro das atenções não é aquele que vaia. E isto é motivo de inveja, muitas vezes. Mesmo não ganhando “medalhas”, como é bom realizar coisas e fazer o que se gosta. E estes atletas, por exemplo, realizam coisas e fazem o que gostam. Mas os que vaiam maldosamente não realizam coisas e não fazem o que gostam. Não são felizes. Por isto a felicidade do outro incomoda. O talento alheio é incômodo. O lugar que aquele que realiza ocupa jamais será ocupado por aquele que não realiza. Por isto ele vaia, xinga.

É muito mais fácil tentar desestabilizar o outro do que se espelhar nele. E isto tudo vai muito além do esporte.

Vaiar maldosamente o outro é colocar luzes na mediocridade trazida no coração. É não aceitar que há opiniões e posturas diferentes, assim como pessoas melhores que merecerão a medalha de ouro, seja nas Olimpíadas, seja na vida. Ou mesmo que as medalhas não venham, o esforço e o trabalho farão daquela pessoa alguém melhor. Na agenda desta pessoa não há espaço para a vaia, não deste tipo.

Vejo uma família de japoneses, numa das arenas. Todos enrolados em suas bandeiras. No centro da arena, um brasileiro e um japonês disputando algo. Em poucos minutos, o brasileiro faz o ponto. E a câmera focaliza aquela família. O que eles faziam? Aplaudiam os brasileiros.

Em um outro momento, num estádio de futebol, outra família de japoneses assistindo a uma partida. Após o término do jogo, a família se levanta, deposita o lixo deles numa sacolinha própria e leva embora. E como se isso não fosse o suficiente, um deles retira uma flanela do bolso e limpa os bancos que haviam se sentado durante a partida. Para quê? Para os próximos a se sentarem lá encontrarem lugares limpos para serem usados.

Confesso que ao ver esta cena fiquei envergonhada. Mas depois refleti: se eles podem ter este nível de respeito e de educação, nós também podemos. Tudo é uma questão de escolha.

Não temos vocação para a santidade e, portanto, não há necessidade de disputarmos lugares com os santos. Estamos longe disto tanto na vida como nos jogos. Mas a educação e o respeito deveriam ser as nossas primeiras escolhas.

Aqueles japoneses descobriram isto há tempos. Mas nós ainda estamos falando sobre a nossa recente velha conhecida: a educação. E a falta que ela nos faz...

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