Independentemente da religião e
crença de cada um, a história sobre a transformação do judeu Saulo, um terrível
perseguidor dos cristãos, para o Apóstolo Paulo, um dos homens mais fortes e
íntegros do Cristianismo primitivo, é bastante conhecida por todos nós.
A caminho de Damasco, capital da
Síria, o então Saulo tinha, como principal objetivo, matar os seguidores de
Jesus. Porém, na estrada que o levava à
Damasco, Saulo é cercado por uma forte luz. A confusão dos sentidos de
Saulo o faz tombar de seu animal. É nesta hora que vê a figura de um homem com
a fisionomia iluminada. Sob forte emoção e espanto, se dá um dos diálogos mais
conhecidos do Cristianismo:
- Saulo!...Saulo!... por que me
persegues? disse o homem.
E Saulo responde:
- Quem sois Vós, Senhor?
E o homem responde:
- Eu sou Jesus.
E a partir daí, Saulo se
transforma num dos homens mais fiéis aos ensinamentos de Jesus, além de tomar
para si a responsabilidade de levar o amor a Jesus a todos os cantos do mundo.
Mais adiante, adota seu outro nome, Paulo, sendo reconhecido como o Apóstolo
dos Gentios.
Esta história, mais que
resumidamente contada aqui, nos traz muitas reflexões. Se nos deixarmos guiar
por ela e atentarmos para as sutilezas que a simbologia “desta estrada que leva
à Damasco” nos oferece, acredito que seremos surpreendidos para o bem. Se
abrirmos mão dos preconceitos, por se tratar de um fato religioso, e abrirmos
mão de modelos mentais ultrapassados, muito poderemos aprender. É uma questão
de escolha.
Um Historiador disse, certa vez,
que não acreditava que Paulo havia caído do cavalo, e que este encontro com
Jesus era uma fantasia daquele que tinha fé. Para aliviar o discurso, disse que
era ateu e por isso, não acreditava. Mas que gostaria de ter uma fé, “isto
facilitaria bastante as coisas”, ele disse.
Apesar de acompanhar e de gostar
do trabalho deste Historiador, achei sua fala muito pequena para todo o cenário
apresentado. De verdade: o que importa se o Apóstolo Paulo caiu ou não do cavalo?
Isto é apenas um detalhe.
Enquanto nos prendemos no que não importa deixamos de fazer o que
importa.
As opiniões devem ser respeitadas,
mas penso que podemos ir além. É preciso refletir sobre a nossa estrada que nos leva à Damasco. Sobre o momento da nossa
transformação, em que finalmente entendemos o que está sendo pedido para nós. Deixamos
de brigar com a vida, de lutar contra nós mesmos, e fazemos a pergunta:
“Senhor, o que queres que eu
faça? ” Porque foi esta a pergunta que o Apóstolo fez ao ter o encontro com
Jesus.
Fazer esta pergunta não significa
submissão, passividade, ociosidade ou ficar de braços cruzados esperando que
digam a você o que fazer: pelo contrário: significa prontidão diante à vida. Shakespeare, na peça Hamlet, traz: “estar pronto é tudo”.
Esta prontidão significa aquele
incômodo que nos acomete quando sabemos que precisamos organizar algo.
Significa certa dor ou frustração. E a mudança de postura é a única saída. Para
tanto, é preciso estarmos prontos. Só está pronto quem já entendeu que a vida
nos pede posturas e reorganizações de rota o tempo todo. Reorganizações,
inclusive, para se ter a certeza de ter tomado o caminho certo. Permanecer no
caminho escolhido é manter a prontidão diante à vida.
É preciso coragem para
percorrermos esta estrada. Mais que isto: atenção ao que será dito lá. Atenção
e prontidão. Com isto, pouco importa, de verdade, se estamos caídos ou sobre o
nosso cavalo. É preciso prestar atenção ao que realmente importa.
Esta estrada faz, acima de tudo,
um convite para abandonarmos o que nos impede de sermos felizes. Faz um convite
para a renovação, para a mudança de patamar. Ela traz uma oportunidade para
refletirmos sobre nossas escolhas e se estamos dando a melhor versão de nós
mesmos, para a vida.
Ter a coragem de perseguir a
nossa estrada é, acima de tudo, ter uma atitude de mudança. O convite é para
todos.
É preciso renunciar ao que
colabora para que sejamos piores. Acreditar naquilo que nos faz melhores. E
trilhar esta estrada nos fará pessoas melhores.
Imprescindível nos colocar na
condição de aprendizes, que é o que somos. Quando nos colocamos nesta condição,
todos vão querer ouvir o que teremos para contar.
Deixar a vida nos conduzir.
Abrirmos mão do comando e do controle que achamos que temos. Numa Empresa, por
exemplo, muito raro a pessoa que não quer assumir papel de comando, devido à
arrogância e à vaidade. Mas o que ela talvez não saiba é que não há comando, de verdade, sem humildade.
Comando sem humildade é
presunção. Para estes, se deixar conduzir pela vida é quase uma blasfêmia. Por
isto, a estrada que conduz à Damasco, para muitos de nós, ainda está longe.
Deixar-se conduzir pela estrada
que nos levará à Damasco é ser reconhecido pela vida. É o verdadeiro comando. É
se reconhecer diariamente. É se olhar no espelho e sentir orgulho do que vê. É
acreditar na sua capacidade de resolver.
Esta estrada não é algo físico, é
uma transformação interna. Ela nos obriga a rever conceitos e paradigmas. Temos
nossos princípios questionados neste caminho. E por conta, muitas vezes, de
nossas fragilidades e medos construídos por nós e por aqueles que ganham às
custas de nossos medos, deixamos o convite da estrada para depois. É
conveniente que não o aceitemos. Assim, seremos presas fáceis dos manipuladores
que nem de longe sabem o que significa a estrada que leva para Damasco.
Quando estamos na estrada, nos decompomos,
encontramos coisas não elaboradas, perdemos o controle. Mas como estamos
prontos, conseguimos enxergar caminhos menos dolorosos para andarmos, nela, de
forma mais leve. Esta estrada nos apresenta aquilo que, até então, não estava
disponível para nós. E agora está! Mas para isto, é preciso estarmos prontos e
aceitarmos o convite. Abrir mão do falso controle para buscar o verdadeiro
caminho.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com uma provocação de Paulo Freire, um dos grandes nomes da
nossa Educação:
“É preciso partir das nossas
possibilidades para sermos nós mesmos”.
A estrada que nos levará à
Damasco é uma destas possibilidades que a vida nos oferece todos os dias, com ou sem cavalo. Se ousarmos aceitar o
convite, certamente conheceremos a felicidade de sermos nós mesmos.
E sermos nós mesmos é bastante
ousado para um mundo que privilegia, muitas vezes, que “sejamos o que o outro
quer que sejamos”.
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