segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O caminho simples que desprezamos

Trabalhei numa empresa que tinha, como um dos valores, ser ágil e descomplicada.

Com algumas e raras exceções, esta atitude simplesmente não acontecia por um motivo bem simples: apesar de este valor estar, pomposamente, descrito na cartilha interna, não havia mentalidade ágil e descomplicada. Nem por parte das pessoas e nem por parte dos processos. E sem a mentalidade, a atitude não acontece. Simples assim.

É preciso dizer que valor, muitas vezes, é uma aspiração, ou seja, estamos em busca disto, mas ainda não somos isto. Portanto, vamos errar muito até acertarmos e encontrarmos o caminho. Mas o que importa é que estamos na busca, na consciência de que algo é preciso mudar. As mangas, aqui, já foram arregaçadas. Começamos o caminho, mesmo que por meio de tropeços, desencontros e erros. O problema começa, porém, quando não se tem a mentalidade pronta para esta transformação, seja por vaidade, por egoísmo, por descuido, negligência, ignorância, ou, simplesmente, porque não se quer ter este trabalho de transformação.

Como não queremos transformar e fazer o que precisa ser feito, precisamos arrumar uma forma de fazer, só que de mentira, só para nos enganar e enganar o outro. Isto explica muitas placas nas paredes das empresas com belos parágrafos explícitos preenchidos com os valores os quais, nem de longe, são praticados. As placas, os valores, a missão e a visão sem atitude e mudança, de verdade, de mentalidade, são meros objetos de decoração que, aos olhos dos mais distraídos, nem serão percebidos. E aos olhos dos mais observadores serão alvos de questionamentos e de críticas veladas. Uma pena.

Era isto o que acontecia lá: muito discurso distanciado da prática. Além de muita política, por parte de muitos, para fazer de conta que era feito, e muita alienação por parte de tantos outros para acreditar que estava sendo feito. A alienação é uma forte aliada quando não se quer ter problemas, além de poupar questionamentos.

A alienação, acima de tudo, não te cobra posicionar-se diante à vida.

O Ágil e o Descomplicado era um dos valores que menos se conseguia praticar, exatamente por conta da mentalidade morosa, complicada e vaidosa. Não se aceitava, muitas vezes, respostas simples. O simples era visto como simplista. Não havia, de verdade, uma preocupação com a criação de um ambiente de confiança aonde se pudesse, realmente, dizer o que se pensava e ajudar a construir um espaço de todos. Complicar discursos e práticas alimentava o ego de muitos ali. Por isto o ágil e o descomplicado eram ilusórios. Apenas uma longe aspiração. Ser simples significa abrir mão da vaidade. E isto é impossível para muitos.

Ser simples significa falar uma língua que todos entendam. Mais que isto: significa que esta língua deva encurtar caminhos e não dar voltas desnecessárias só para impressionar.

Um belo exemplo disto foi o pagamento de mais de um milhão de reais para uma consultoria dizer o óbvio. Coisas que os próprios colaboradores saberiam dizer muito melhor do que qualquer consultoria. Mas certamente este óbvio veio pintado de muitas pompas e circunstâncias, o que ajudou a mascarar esta cifra vergonhosamente cobrada. E que foi paga por quem se deixou enganar com belos discursos e relatórios complexos que não foram lidos. E quando lidos, no máximo alguns, eram tão enfadonhos que foram postos de lado. Relatórios cheios de termos em inglês que para nada serviram. Colunas e mais colunas para justificar o injustificável. Excelente exemplo de desperdício de recurso, em todos os sentidos.

Enquanto nos preocuparmos somente com o ego, coisas mais importantes não terão vez.

Enfim, foram excelentes experiências que me provaram, mais uma vez, a grande distância que há entre o que se fala versus o que se pratica.

A historinha abaixo ilustra bem isto.

Duas pulgas conversando:

- Sabe qual é o nosso problema? Nós não voamos. Só sabemos saltar. A nossa chance de sobrevivermos, quando somos percebidas, é zero. É por isto que existem muito mais moscas que pulgas no mundo: elas voam.

As pulgas decidiram que aprenderiam a voar. Contrataram a consultoria de uma mosca. Um tempo depois, começaram a voar. Passado algum tempo...

- Voar não está sendo o suficiente porque ficamos grudadas ao corpo do cachorro. Quando ele se coça, por ser mais veloz que a gente, ficamos sem condição de reação. Temos que fazer como as abelhas: elas sugam e levantam voo rapidamente. Contrataram, então, a consultoria de uma abelha, com quem aprenderam a arte do “chega-suga-voa”. Funcionou...por um tempo...

- Nossa bolsa para armazenar sangue é muito pequena, o que nos obriga a sugar por muito tempo. Escapar do cachorro a gente até escapa, mas não estamos nos alimentando adequadamente. Temos que aprender, com os pernilongos, como eles conseguem se alimentar tão rápido. E contrataram a consultoria de um pernilongo que ensinou a elas a arte de incrementar o tamanho do abdômen.

As duas pulgas ficaram felizes, mas por poucos minutos. Como tinham ficado muito grandes, sua aproximação era facilmente percebida pelo cachorro. E elas começaram a ser espantadas com frequência.

Foi então que encontraram uma saltitante pulguinha dos velhos tempos:

- Ué, o que aconteceu com vocês? Estão enormes!

- Pois é, agora somos pulgas adaptadas aos desafios do século XXI. Voamos ao invés de saltar, picamos rapidamente e armazenamos muito mais alimento.

- E por que estão com estas caras de subnutridas?

- Isto é temporário. Estamos fazendo consultoria com um morcego, que vai nos ensinar a técnica do radar. E você, como está?

- Vou bem, obrigada. Forte e sacudida.

Era verdade. A pulguinha estava viçosa e bem alimentada. Mas as duas pulgonas não quiseram concordar por puro orgulho.

- Mas você não está preocupada com o futuro? Não pensou em uma consultoria?

- Ah, não senti necessidade. Sou amiga da lesma, que me deu ótimas dicas sobre meus problemas.

- Ah, mas o que a lesma tem a ver com as pulgas?

- Tudo. Eu tinha o mesmo problema que vocês. Mas ao invés de dizer a ela o que eu queria, deixei que ela avaliasse bem a situação e me sugerisse a melhor solução. E ela ficou ali, três dias, quietinha, só observando o cachorro, tomando notas e pensando. E então a lesma me deu o melhor diagnóstico que recebi na vida. Ela me disse:

“Você não precisa fazer nada radical para ser mais eficiente. Uma grande mudança, às vezes, é apenas uma simples questão de reposicionamento e de atenção ao seu redor. ”

- E isso quer dizer o quê, perguntaram as pulgonas?

- Que eu deveria me sentar no cocuruto do cachorro. Lá é o único lugar que o cachorro não consegue alcançar com a pata...

Pois é, as lesmas, excluindo-se o sentido pejorativo que receberam injustamente (lentidão, lerdeza), raramente são ouvidas numa organização por terem saídas e soluções simples demais. Mas que resolvem e que funcionam.

A nossa vaidade, muitas vezes, encobre a beleza de uma resposta simples e de um caminho mais curto, porém eficiente. Isto ainda nos alimenta, infelizmente. E enquanto ainda estivermos nos servindo deste tipo de alimento, vamos precisar trilhar longos caminhos para lá na frente descobrirmos, cansados, que a rota mais simples sempre esteve ao nosso lado, mas que não tivemos a coragem e a humildade de deixá-la se manifestar.

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