terça-feira, 11 de abril de 2017

A pressa que nos atrasa

Há alguns anos, pesquisadores da área educacional fizeram a seguinte experiência com crianças de diversas nacionalidades: pediram para elas se sentarem próximas às mesas e aguardarem, pacientemente, um doce que ganhariam. E assim foi feito. Os pesquisadores deram um doce a cada uma delas e disseram:

- A partir deste momento, quem quiser, pode comer o doce que ganhou. Mas quem esperar até amanhã para consumi-lo, ganhará outros dois doces para compensar a espera. Vocês escolhem. E assim, os pesquisadores se retiraram da sala e ficaram observando as crianças.

Ao fim da experiência, os pesquisadores notaram que poucas foram as crianças que aguardaram o dia seguinte. Mesmo com a certeza de que receberiam mais doces no dia seguinte, o prazer imediato falou mais alto, em detrimento do prazer de longo prazo.

Esperar até amanhã é muito tempo para aquele que duvida da vida.

Em conversa com os responsáveis pela educação das crianças que optaram por esperar o dia seguinte, os pesquisadores descobriram, nestes responsáveis, no caso os pais, um baixíssimo nível de ansiedade, uma valorização crescente da educação em si, um respeito pelo próximo, o saber esperar e um saber construir, um planejamento para o amanhã. E, na contrapartida, pais excessivamente ansiosos do outro lado, necessidade desenfreada de resolver isto hoje, falta de planejamento e desorganização da rotina.

Obviamente que generalizar não é o correto. Certamente existem pais ansiosos cujos filhos são planejados e calmos, e pais tranquilos com filhos agitados e inquietos. Mas o que a pesquisa chama a atenção é para as probabilidades, ou seja, num cenário no qual a criança tenha o exemplo ou o contraexemplo de determinada coisa, a chance de ela seguir o caminho mostrado e exemplificado será bem grande.

Consumir a bala no momento que se ganha não é errado. É nossa escolha esperar o dia seguinte ou não, desde que assumamos esta postura e esta escolha. Saber os riscos e os ganhos do curto e do longo prazos precisam estar claros para todos nós.

Certamente as crianças da pesquisa não possuem a dimensão do curto e do longo prazos. Mas este comportamento delas trará importantes diagnósticos futuramente.

Aquele que sabe esperar e enxerga valor nisto toma, sempre, as melhores decisões. Está ciente e seguro desta garantia. A espera o fortalece. A espera, para aquele que optou pelo longo prazo, é sua companheira e melhor conselheira. A espera oferece um refúgio para o autoconhecimento. Um dos melhores lugares para o autoconhecimento se apresentar é na espera, nas horas e dias que passam sem respostas. Mas a resposta de amanhã chegará.

Aquele que age pelo impulso e pela triste crença na ausência do amanhã, certamente consumirá o doce hoje, no curto prazo. Não está certo e nem seguro. Não acredita em garantias. A espera o enfraquece. A espera o angustia. O relógio deixa de cumprir o seu papel e passa a requerer paradas frequentes de seus ponteiros, no mesmo lugar.

Saber esperar, de verdade, é uma arte. Uma espera que sustenta, que fortifica, que solidifica.

Abrir mão de prazer pontual para receber outro mais compensador, duradouro e melhor: é esperar com critério. E não a espera pela espera. É uma espera que se desdobra na esperança de que o melhor está a caminho. E está próximo.

Ter esperança é sinônimo de saber esperar. E aquele que sabe esperar, portanto tem esperança, é uma pessoa mais feliz. Feliz porque tem menos necessidades. Menos demandas. Menos requisitos a serem preenchidos.

Saber esperar é ter fluência na vida. É não brigar com ela.

Será que a Lua apressa o pôr-do-sol para que ela possa brilhar logo mais à noite? Será que a semente cobra, da terra, um desenvolver mais rápido?

O curto prazo deve ser acionado para aquilo que é urgente, não, necessariamente, importante. E muitas vezes uma coisa se torna urgente porque deixamos de fazer e de contemplar o importante, o imprescindível.

O longo prazo deve ser acionado para aquilo que é importante, atemporal, para aquilo que verdadeiramente importa. Mas quem se importa com isso?

Abrimos mão de cozinhar o arroz integral porque demora muito. Então comemos o branco, mesmo, que, apesar de não ser tão bom, dá menos trabalho e fica pronto rapidamente.

Corremos contra o tempo para darmos conta de fazermos o planejado para aquele dia. E nem percebemos que, muitas vezes, esta correria é fruto da falta de planejamento de longo prazo.

Falamos ao celular com tamanha destreza; nas redes sociais, nos posicionamos com forte veemência; criamos demandas com facilidades; falamos alto coisas desnecessárias... o celular como um instrumento sem o qual não vivemos.

Vivemos sem caráter e sem educação, mas todos temos um celular! O curto e o longo prazo pedindo redirecionamento. Mas e o tempo para olhar isso?

As redes sociais, a facilidade do post, do like, do repasse sem a preocupação dos danos causados: a tela do computador nos protege. O curto prazo nos esconde em telas que aceitam tudo, sem filtros. Mas o longo prazo, a vida real, não nos esconde. Pelo contrário, nos expõe e nos convida a resolver e a tratar as nossas questões.

O curto prazo que falha, mas que a vaidade esconde. Por interesse.

O longo prazo que acerta, mas que a vaidade também esconde. Por interesse, também.

Queremos fazer depressa para compensar nossa necessidade de entrega. A qualidade não importa muito. A rapidez não cobra qualidade; a qualidade cobra e é implacável.

O curto prazo alimenta nossa sede de aparecer. Aquele que opta pelo curto prazo sempre está presente, sempre está sendo visto. É aquele que está sempre no raso, no supérfluo, na periferia, na marginal. É aquele que sempre opta pelo doce imediato. E, ao amanhecer, ao se dar conta de que poderia ter, agora, três doces e não, apenas um, tenta ludibriar o próximo para dividir o doce com ele e, não conseguindo, busca, por meio da covardia, desmerecer e diminuir os doces ganhos pelo próximo.

Curto prazo. Longo prazo. Escolhas e renúncias. Imediatismo e paciência. Somos tudo isto que luta, diariamente, para se impor e sobressair no nosso mundo de iguais e de desiguais. Importante, pois, nos lembrar de que, diferentemente do público com quem a pesquisa foi realizada, não somos mais crianças para nos escondermos em doces e fazermos de conta que somos inocentes. A inocência e a ingenuidade são atributos que constroem uma personalidade. E aquelas crianças, inocentes e ingênuas, que optaram por seus doces no curto ou no longo prazos, podem se beneficiar do luxo que é o de ser criança. Mas nós, adultos há tempos, sabemos os custos do curto e do longo prazos. Portanto, seja qual for a nossa escolha, que os riscos e os ganhos sejam assumidos de todas as escolhas que fizermos, mesmo que, do outro lado, vejamos o nosso vizinho com mais doces que a gente.

O curto prazo do post em detrimento do longo prazo da reflexão e do respeito.

O curto prazo favorece o fast, o rápido, o urgente, a entrega, o lançamento, a vaidade.

O longo prazo favorece a sensatez, o pensar, a solidez, o caráter.

Curto e longo prazos: dois lados que nos representam, que nos identificam como seres inacabados e imperfeitos. Mas o caminho continua.

Por que optamos pelo curto prazo? Por que optamos pelo longo prazo? Quando soubermos estas respostas e estivermos confortáveis com elas, nossas escolhas terão mais qualidade e sofreremos menos.

O imediatismo que consome nossas horas, que nos induz a escolher o doce para consumi-lo hoje porque não acreditamos que o amanhã chegará. Uma crença na ausência.

São escolhas. São decisões. Não há roteiros e nem respostas prontas, somente perguntas.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Clarice Lispector, que diz:

“O tempo corre, o tempo é curto; preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver como se esta minha vida fosse eterna. ”

Que a pressa, portanto, não nos atrase. E que se formos valorizar o curto prazo, que seja, apenas, como instrumento de limpeza do desnecessário, do inútil, do vaidoso e do sem ética, para que o longo prazo possa ter mais espaço em nossas vidas e ser utilizado para o que, de verdade, importa.

E ter esperança nos doces que virão e saboreá-los é um exemplo de se fazer o que, verdadeiramente, importa.

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