O distanciamento que há entre as
palavras do título deste texto é proposital. Ainda há um abismo entre o que
falamos versus o que fazemos. Mas por
quê?
imagem tirada da internet
O fazer nos expõe, mostra quem
somos, não há como driblar o outro. O nosso realizar evidencia as nossas
crenças, os nossos valores, os nossos objetivos. E o que é mais difícil: o
nosso fazer exige grande esforço de nossa parte. A realização, mesmo que haja a
participação do outro, é, em grande parte, tarefa nossa e intransferível.
O falar também nos expõe e também
evidencia quem somos. Afinal, uma fala diz muito sobre nós. Mas é só. Podemos
ficar parados, sem grandes consequências. Depois de um tempo, as pessoas não se
lembrarão mais do que dissemos e, mesmo que se lembrem, não terão todos os
detalhes de nossa fala. E, portanto, dificilmente seremos cobrados.
O fazer conclui e mostra a obra. O falar inicia e está desvinculado da
entrega. Nem sempre aquilo que falamos, fazemos. Mas sempre aquilo que fazemos
está posto. Não há formas de retroceder. O fazer imprime uma marca; o falar
imprime falácias.
Falar e fazer são duas distintas
realidades praticadas por todos nós, todos os dias. Mesmo que não percebamos.
Falar nos permite estar sempre presentes, sempre entregando algo. O falar nos
presenteia com a visibilidade, com o efêmero, com o hoje, com o rápido. O falar
nos coloca, rapidamente, numa evidência que, até ontem, não tínhamos.
Obviamente que o nosso falar
também é carregado de responsabilidade. Muitos de nós já conseguem falar e fazer representar a base da
vida. Muitos já prestam atenção ao que dizem e se preocupam, sim, com a
coerência da entrega versus a fala. Para
estas pessoas, o distanciamento que há no título é, apenas, um recurso didático
e lúdico. Mas ainda a maior parte de nós constrói e reforça, diariamente, este
distanciamento entre o falar e o fazer.
O falar supre a nossa necessidade
de estarmos, sempre, em evidência. Falamos, falamos, falamos e assim vamos
pertencendo, vamos entregando, vamos participando, vamos evidenciando nossas
pequenezas, sem muitas pretensões de sermos pessoas melhores. E neste gerúndio,
vamos diminuindo as nossas chances de crescermos. Esta pseudorrealização nos
afasta do que é preciso ser feito. O pertencer, o entregar, o participar devem
ser precedidos de responsabilidade e de sensatez. Enquanto falamos, ficamos com
a falsa sensação de realização, sem nos apropriarmos do que verdadeiramente
importa. E desta forma, vamos enchendo o mundo com as nossas falácias, vamos
ocupando espaços mortos e realizando coisas dispensáveis e descartáveis.
Falar ocupa mais espaço que o fazer, mas não deveria ser assim.
Falar dá mais audiência do que o fazer, mas não deveria ser assim.
O falar é barulhento. O fazer é
silencioso.
Ninguém, ou quase ninguém, confere se uma fala é verdadeira ou não. Muitas
vezes nem há como verificar esta veracidade. O que mostra a veracidade da nossa
fala é o nosso fazer. E isto demanda tempo, paciência e planejamento. E tempo,
paciência e planejamento são artigos de luxo num mundo como o nosso. Isto
explica um pouco o excesso de falares, a ausência de fazeres, e a nossa
incrível crença em falácias e em barulhos que, de longe, lembram uma fala bem
construída, original e responsável.
Atendemos as nossas necessidades
de visibilidade e de vaidade quando falamos. Falamos coisas bonitas, muitas
vezes, éticas, corretas e, assim, vamos pintando em nós mesmos uma falsa
aparência de quem não somos. Como os outros também estão preocupados com suas
próprias aparências, acabam não tendo tempo de verificar se o que falamos
procede ou não. Se estamos sendo coerentes, por meio do nosso fazer, com a
nossa fala.
Fazer implica compreender a nossa
dimensão de incompletude. Somos incompletos, imperfeitos, tortos. A completude
e a perfeição estão a nossa disposição. Mas quem se habilita a caminhar em
direção a elas? Nossa imperfeição é produtora dos nossos conflitos. Por isso o
nosso fazer é tão complexo e complicado. Difícil e procrastinado por nós até o
último momento. Enquanto pudermos disfarçar e não tomarmos contato com as nossas
questões, a vida vai se desenhando em linhas tortas criadas por nós mesmos.
Fazer é abrir a maleta de
ferramentas e descobrir, dentro da gente, que não há a ferramenta que
precisamos. E aí, num difícil ato de humildade, deveremos recomeçar e pedir
ajuda ou, no mínimo, emprestarmos a ferramenta de alguém que começou a fazer o
caminho há mais tempo que nós. O fazer não nos dá a mesma satisfação do falar
porque não nos diz aonde está a verdade. Vamos ter de buscá-la. O falar nos dá
falsas pistas sobre a verdade. E como somos crianças, acreditamos.
O falar nos dá a falsa sensação
de pertencimento. É muito mais fácil falar. Não dá tanto trabalho assim. Falamos
o que convence, o que o outro quer escutar, o que vende, o que é politicamente
correto, o educado e o ético. A fala nem sempre é carregada da responsabilidade,
da realização e do fazer. Mas deveria ser. Falar e não fazer é, no mínimo,
leviano. Ocupamos tempo e espaço que não nos pertencem. E assim, vamos poluindo
o mundo e sendo poluídos pelos nossos pares.
Trabalhei numa empresa, na área
de Pessoas, e o Vice-Presidente desta área dizia que adorava liderar pessoas, e
que, um verdadeiro Líder, deveria ser próximo da equipe. Ao dizer isso, foi
elogiado e acreditado por muitos. Uma
fala perfeita. O contraditório, é que, durante os cinco anos em que estive
nesta área, ele esteve conosco, fisicamente, apenas duas vezes. E, mesmo de
longe, raramente liderava e se envolvia nos assuntos ligados a Pessoas.
Logicamente que a presença física
nem sempre é sinônimo de proximidade e vice-versa. Mas, para ele que dizia
adorar liderar pessoas e categoricamente afirmava que estar próximo era um dos itens
da boa liderança, certamente nos serve de belo exemplo de falácia e de fazer
barulhos improdutivos, desnecessários e insignificantes. Mas o que ele fazia
lá, então? Isso é assunto para outro texto, mas arrisco dizer que ele ali estava porque foi colocado por outras
pessoas que também tinham o falar bem distanciado do fazer.
É preciso, portanto, atenção às nossas
falas, assim como saber a proximidade e/ou a distância que estão de nossas
atitudes e de nossos fazeres.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com um pensamento de Paulo Freire, que diz:
“É fundamental diminuir a
distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado
momento, a tua fala seja a tua prática. ”
Que os espaços entre o falar e o
fazer diminuam por meio da nossa ação. E nos espaços vazios que ficarem,
possamos preenchê-los com a nossa mais bela essência da realização.
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