quarta-feira, 19 de abril de 2017

Falar...........................................................................Fazer

O distanciamento que há entre as palavras do título deste texto é proposital. Ainda há um abismo entre o que falamos versus o que fazemos. Mas por quê?

imagem tirada da internet

O fazer nos expõe, mostra quem somos, não há como driblar o outro. O nosso realizar evidencia as nossas crenças, os nossos valores, os nossos objetivos. E o que é mais difícil: o nosso fazer exige grande esforço de nossa parte. A realização, mesmo que haja a participação do outro, é, em grande parte, tarefa nossa e intransferível.

O falar também nos expõe e também evidencia quem somos. Afinal, uma fala diz muito sobre nós. Mas é só. Podemos ficar parados, sem grandes consequências. Depois de um tempo, as pessoas não se lembrarão mais do que dissemos e, mesmo que se lembrem, não terão todos os detalhes de nossa fala. E, portanto, dificilmente seremos cobrados.

O fazer conclui e mostra a obra. O falar inicia e está desvinculado da entrega. Nem sempre aquilo que falamos, fazemos. Mas sempre aquilo que fazemos está posto. Não há formas de retroceder. O fazer imprime uma marca; o falar imprime falácias.

Falar e fazer são duas distintas realidades praticadas por todos nós, todos os dias. Mesmo que não percebamos. Falar nos permite estar sempre presentes, sempre entregando algo. O falar nos presenteia com a visibilidade, com o efêmero, com o hoje, com o rápido. O falar nos coloca, rapidamente, numa evidência que, até ontem, não tínhamos.

Obviamente que o nosso falar também é carregado de responsabilidade. Muitos de nós já conseguem falar e fazer representar a base da vida. Muitos já prestam atenção ao que dizem e se preocupam, sim, com a coerência da entrega versus a fala. Para estas pessoas, o distanciamento que há no título é, apenas, um recurso didático e lúdico. Mas ainda a maior parte de nós constrói e reforça, diariamente, este distanciamento entre o falar e o fazer.

O falar supre a nossa necessidade de estarmos, sempre, em evidência. Falamos, falamos, falamos e assim vamos pertencendo, vamos entregando, vamos participando, vamos evidenciando nossas pequenezas, sem muitas pretensões de sermos pessoas melhores. E neste gerúndio, vamos diminuindo as nossas chances de crescermos. Esta pseudorrealização nos afasta do que é preciso ser feito. O pertencer, o entregar, o participar devem ser precedidos de responsabilidade e de sensatez. Enquanto falamos, ficamos com a falsa sensação de realização, sem nos apropriarmos do que verdadeiramente importa. E desta forma, vamos enchendo o mundo com as nossas falácias, vamos ocupando espaços mortos e realizando coisas dispensáveis e descartáveis.

Falar ocupa mais espaço que o fazer, mas não deveria ser assim.

Falar dá mais audiência do que o fazer, mas não deveria ser assim.

O falar é barulhento. O fazer é silencioso.

Ninguém, ou quase ninguém, confere se uma fala é verdadeira ou não. Muitas vezes nem há como verificar esta veracidade. O que mostra a veracidade da nossa fala é o nosso fazer. E isto demanda tempo, paciência e planejamento. E tempo, paciência e planejamento são artigos de luxo num mundo como o nosso. Isto explica um pouco o excesso de falares, a ausência de fazeres, e a nossa incrível crença em falácias e em barulhos que, de longe, lembram uma fala bem construída, original e responsável.

Atendemos as nossas necessidades de visibilidade e de vaidade quando falamos. Falamos coisas bonitas, muitas vezes, éticas, corretas e, assim, vamos pintando em nós mesmos uma falsa aparência de quem não somos. Como os outros também estão preocupados com suas próprias aparências, acabam não tendo tempo de verificar se o que falamos procede ou não. Se estamos sendo coerentes, por meio do nosso fazer, com a nossa fala.

Fazer implica compreender a nossa dimensão de incompletude. Somos incompletos, imperfeitos, tortos. A completude e a perfeição estão a nossa disposição. Mas quem se habilita a caminhar em direção a elas? Nossa imperfeição é produtora dos nossos conflitos. Por isso o nosso fazer é tão complexo e complicado. Difícil e procrastinado por nós até o último momento. Enquanto pudermos disfarçar e não tomarmos contato com as nossas questões, a vida vai se desenhando em linhas tortas criadas por nós mesmos.

Fazer é abrir a maleta de ferramentas e descobrir, dentro da gente, que não há a ferramenta que precisamos. E aí, num difícil ato de humildade, deveremos recomeçar e pedir ajuda ou, no mínimo, emprestarmos a ferramenta de alguém que começou a fazer o caminho há mais tempo que nós. O fazer não nos dá a mesma satisfação do falar porque não nos diz aonde está a verdade. Vamos ter de buscá-la. O falar nos dá falsas pistas sobre a verdade. E como somos crianças, acreditamos.

O falar nos dá a falsa sensação de pertencimento. É muito mais fácil falar. Não dá tanto trabalho assim. Falamos o que convence, o que o outro quer escutar, o que vende, o que é politicamente correto, o educado e o ético. A fala nem sempre é carregada da responsabilidade, da realização e do fazer. Mas deveria ser. Falar e não fazer é, no mínimo, leviano. Ocupamos tempo e espaço que não nos pertencem. E assim, vamos poluindo o mundo e sendo poluídos pelos nossos pares.

Trabalhei numa empresa, na área de Pessoas, e o Vice-Presidente desta área dizia que adorava liderar pessoas, e que, um verdadeiro Líder, deveria ser próximo da equipe. Ao dizer isso, foi elogiado e acreditado por muitos. Uma fala perfeita. O contraditório, é que, durante os cinco anos em que estive nesta área, ele esteve conosco, fisicamente, apenas duas vezes. E, mesmo de longe, raramente liderava e se envolvia nos assuntos ligados a Pessoas.

Logicamente que a presença física nem sempre é sinônimo de proximidade e vice-versa. Mas, para ele que dizia adorar liderar pessoas e categoricamente afirmava que estar próximo era um dos itens da boa liderança, certamente nos serve de belo exemplo de falácia e de fazer barulhos improdutivos, desnecessários e insignificantes. Mas o que ele fazia lá, então? Isso é assunto para outro texto, mas arrisco dizer que ele ali estava porque foi colocado por outras pessoas que também tinham o falar bem distanciado do fazer.

É preciso, portanto, atenção às nossas falas, assim como saber a proximidade e/ou a distância que estão de nossas atitudes e de nossos fazeres.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Paulo Freire, que diz:

“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática. ”

Que os espaços entre o falar e o fazer diminuam por meio da nossa ação. E nos espaços vazios que ficarem, possamos preenchê-los com a nossa mais bela essência da realização.

Nenhum comentário:

Postar um comentário