Talvez seja este o problema:
somos vaidosos. Sempre. Mesmo aquele que nega ser vaidoso, no fundo, é também. Certo
é que uns são mais que outros. Mas somos todos vaidosos. Por causa disto, a discrição
ocupa um lugar que não chama a atenção, em nossas vidas. Um lugar pequeno,
simples, calado, quieto e ponderado. Apenas quando a vaidade começa a dar
sinais de cansaço e de vontade de recolhimento, a discrição avança e nos
preenche com o seu imenso conteúdo. Ou também quando a vaidade é pega
desprevenida e de calças-curtas. Neste momento, a discrição tem nova chance de
surgir e de ocupar espaços tão ociosamente mantidos pela vaidade.
A vaidade sempre nos convida à
exposição de nós mesmos. E os momentos nos quais estamos menos prontos são os
preferidos dela. Assim, imaturos e inacabados, mas vaidosos, nos tornamos
presas fáceis de nós mesmos ou daqueles que nos espreitam. A nossa vaidade cria
condições para nossas próprias prisões. Ela nunca está a nosso favor. Expor-se
por pura vaidade é dar voz à alienação. É abrir mão dos entornos e dos
contextos que nos contextualizam para olhar apenas para nós e para as nossas
pequenas grandes obras.
A vaidade nos preenche de nadas e
de coisas desprezíveis. Coloca confetes em nossas cabeças cujo merecimento é
indevido. Ela, em si, é oca, vazia e ociosa. Sem significado, ocupa espaços
aleatórios e provoca movimentos que criam desequilíbrios. Por que isto nos
alimenta? Talvez porque nos mostrar seja uma possível saída para nossas dores
sem cura. A sociedade nos convida e nos instiga, o tempo todo, à exposição.
Mas, quem é esta sociedade que não nós mesmos? Por que aceitamos tão facilmente
estes convites? É preciso ressignificar nossas bases de valores e de
aprendizados para alcançarmos outros conceitos e consequências.
A vaidade diverge do orgulho que
sentimos por nós, pela obra que realizamos, com intenção e propósitos claros,
que significa um passo que contribui para a construção do passo do outro e que
traz significado de valor para nossas vidas. É preciso abrir mão de
privilégios. E isto implica exercer a educação da nossa vaidade. Por que ainda
estamos distantes disto? Talvez porque o orgulho de si seja pequeno demais para
dar conta do nosso imenso tamanho. Achamo-nos tão grandes. Por isto, temos
dificuldades de cabermos em nossos próprios tamanhos.
De onde vem esta ânsia pela
visibilidade? Obviamente isto tem sido reforçado por meio das redes sociais.
Mas, há mais coisas no mundo além das redes sociais. Ou não?
O vaidoso se vangloria o tempo todo
do supérfluo, do desnecessário, do efêmero. Não enxerga a essência exatamente pela
vaidade estar inundada na superficialidade, no que não interessa. É uma pessoa
presa às regras criadas em contextos que já não existem mais. O vaidoso difere
daquele que sente orgulho de si mesmo, de ser quem é.
O vaidoso é um manipulável, uma
porta aberta para o deslize, para o abismo, para o desleixo. Busca o poder, a
fama, o estatus, o palco. Seus valores estão na efemeridade e não na sustentabilidade.
Busca a autopromoção porque se desespera ao perceber que os outros são
incapazes de fazê-lo. É uma pessoa cujo
projeto próprio de vida é inexistente. Frágil e facilmente levado a obedecer
aos interesses de terceiros.
A vaidade diverge da liberdade e da individualidade.
Aquele que é, verdadeiramente livre, é aquele com menos necessidades. E
o vaidoso é uma pessoa cheia de necessidades.
Aquele que possui uma individualidade límpida e sem bastidores
manchados é aquele que floresce. Há passos longos até lá. Mas o caminho é
possível.
Sentirmo-nos orgulhosos de nós
mesmos e de algo que realizamos é saudável e necessário como sustentação de
nossa caminhada. Mas, nos envaidecermos é chamar a atenção para nós e, mais, é
atribuirmos a nós um tamanho que ainda demoraremos a atingir. É preciso,
portanto, valorizar, sim, as nossas conquistas, os nossos passos e a nossa
jornada, mas como subprodutos para uma construção maior. Os nossos passos e as
nossas conquistas devem servir como etapas para realizações maiores e
expressivas. Isto é orgulhar-se de si. Quando conseguimos, de verdade, enxergar que os nossos grandes passos construirão os
passos dos outros e vice-versa, o orgulho que sentiremos de nós mesmos começará
a fazer sentido. Ao passo que a vaidade não empresta os seus louros para ajudar
a construir os passos dos outros. Ela se encerra. Ela se basta. Ela nela mesma.
E, portanto, nos induz ao erro.
Expor-se é fazer parte da vida.
Não há como viver sem se expor. Porém, com critério, propósito e intenção, três
pilares fundamentais e sustentáveis para que o objetivo avance e a construção seja
realizada em bases sólidas.
Machado de Assis diz que “a
vaidade é um princípio de corrupção. ” Quando nos corrompemos, portanto, a
nossa vaidade é quem está sendo atendida, servida e alimentada.
imagem tirada da internet
A vaidade sempre esteve presente.
Quando desmedida, nos faz adoecer e nos traz sofrimento. No entanto, o
sofrimento nos mantém acordados. Há outros caminhos antes de sofrermos, mas me
parece que este tem sido a nossa escolha. Não em todos os momentos, mas a
prevalência, sim.
Importante aceitar que somos esta
mistura de coisas boas e de coisas desprezíveis. Censurar a existência da
vaidade em nós é abrir mão da percepção. Toda censura é uma luta contra a
percepção. E quando não percebemos, não
mudamos. Conveniente, não?
Como a vaidade nos integra, o
melhor que fazemos é acolhê-la. Acredito que somente por meio do acolhimento, o
entendimento é possível. E assim, vamos descobrir o que a vaidade quer de nós,
o que ela busca, o que ela nos diz. Ouvir a voz dela é estabelecer um processo
de escuta conosco, imprescindível se quisermos alcançar visões elaboradas sobre
a vida.
Quando nos escutamos,
automaticamente escutamos e percebemos o outro. Nossa identidade começa a
passar por reformulações e nos enxergar passa a ser constante. Nossas lacunas
vão sendo preenchidas pelos nossos avanços e pelos frutos dos nossos bastidores
descortinados. A vaidade é uma das nossas fragilidades. É preciso coragem para
lidar com elas, portanto.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com duas provocações de autores fundamentais de nossa literatura.
A primeira é de Tolstói, escritor russo do século XIX,
que diz:
“Se queres ser universal, começa
por pintar a tua aldeia. ”
Que nossas aldeias internas sejam
valorizadas por nós, que tanto nos dizem, mas que não as ouvimos. Se as ouvíssemos,
nossa universalidade já teria sido alcançada. Há muito por fazer dentro de
nossas casas, em nossas aldeias interiores. E o trabalho está apenas começando.
Pintar as nossas aldeias trará
uma nova experiência de um olhar novo para nós mesmos. Um retorno para nossa aldeia, um lugar que sempre foi
nosso. Por excesso de exposição e de vaidades desmedidas, nossas aldeias
ficaram apagadas no escuro. Mas as tintas que usaremos na nossa pintura
retomarão as luzes que, uma vez acesas, de
verdade, nunca mais se apagarão.
E a segunda é de Balzac, escritor francês do século
XVIII, que diz:
“Deve-se deixar a vaidade aos que
não têm outra coisa para exibir. ”
Que possamos enxergar o que há de
nobre em nós e mostrá-lo ao mundo como tentativa de construirmos algo sólido. Se
conseguirmos, teremos deixado de viver e de presenciar tentativas disfarçadas
de afastar o outro das possibilidades as quais ele tem direito, porque isto é
pura vaidade. Ela, a partir deste dia, não fará mais sentido para nós.
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