segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A Compaixão que não habita em nós

Recentemente, uma amiga foi demitida. O até então gestor dela, após as formalidades resolvidas, designou uma pessoa da área para acompanhá-la até o ambulatório, aonde seria realizado o exame de desligamento. Durante o trajeto até lá, a minha amiga caminhava em silêncio. A situação pedia silêncio. Isto para falar o mínimo. No entanto, a outra pessoa que a acompanhava, começou a falar que estava muito feliz porque iria entrar em férias e viajaria para lugares maravilhosos. Começou a contar, inclusive, todos os passeios que estavam programados para esta viagem. Minha amiga continuou recolhida em seu silêncio. Esperava contar com um pouco de bom senso, mas que não veio. A pessoa continuou a desenrolar a esteira dela de absurdos, de conquistas frágeis e de valores banais.

Após a passagem pelas catracas, a minha amiga entregou o crachá, um símbolo de pertencimento para muitos, e tomou o caminho de volta para casa.

Independentemente das injustiças cometidas a ela no campo profissional, o que busco chamar a atenção, por meio deste texto, é para ausências presentes em nossas vidas: e a compaixão é uma destas ausências. Um artigo de luxo e para poucos.

Dalai Lama diz que há dois tipos de compaixão: a biológica, aquela que existe dentro de cada um de nós, mesmo sem a exercitarmos; e a compaixão adquirida por meio do treinamento, do olhar, do abrir mão de privilégios em benefício do outro.

O primeiro tipo de compaixão não há o que dizer: é biológico e pronto. Está ali, mas isto não quer dizer que irá se manifestar. É puramente biológico. É a compaixão de uma mãe em relação ao filho, por exemplo. É natural e tendencioso que a mãe tenha compaixão pelo filho. No entanto, o segundo tipo, é bem diferente. Não é tendencioso e faz o convite para irmos além das fronteiras do grau de parentesco, laços de sangue e de amizade. O segundo exemplo, se atingido, é quando vamos além. É quando conseguimos ter a compaixão pelo próximo, independentemente de quem ele seja. E acredito que esteja aí uma das mais difíceis provas para nós: ter a compaixão pelo próximo simplesmente por ele ser o nosso próximo. Um próximo que não nos dará algo em troca, um simples desconhecido. Mas que sem ele (eles) talvez não existíssemos.

Ter compaixão é saber e querer compartilhar o sofrimento do outro. É, junto dele, sofrer também, simplesmente pelo fato de sabermos que ele sofre. Isso não significa abrirmos mão da nossa felicidade e não a buscar mais. Muito menos nos sentir culpados por estarmos bem, por exemplo. Significa, apenas, respeitar a dor do outro e, dentro das possibilidades e capacidades de cada um de nós, melhorar a situação dele por meio do nosso olhar, da nossa ajuda, da nossa mão. A compaixão não tripudia, não ri, não menospreza, não desdenha, não ironiza, não ignora a dor alheia. Ela é um sentimento nobre que caminha à frente. E para aqueles cuja presença da compaixão é uma realidade, certamente são pessoas que enxergam uma beleza na vida que a maioria ainda, infelizmente, desconhece.

O silêncio é uma forma de compaixão. A palavra certa, dita no momento certo, e com a intensidade certa é outra forma de compaixão. O abrir mão de privilégios é uma forma de compaixão. Aliviar a dor do outro é uma forma de compaixão.

A segunda forma de compaixão, como trouxe Dalai Lama, precisa ser ensinada. E isto começa cedo, bem cedo. Para aqueles que não tiveram esta sorte de aprendizado, contar vantagens sobre viagens inexpressivas e conquistas estéreis faz parte dos discursos empobrecidos deles que acreditam, infelizmente, que o mundo deve a eles uma atenção que não merecem.

É preciso, muitas vezes, silenciar a nossa voz para dar voz ao outro. Isto é compaixão. Precisamos nos incomodar de não percebermos as sutilezas que a vida nos oferece. E aquela pessoa, contando sobre uma viagem, num momento tão difícil e crítico para o outro, não foi capaz de perceber esta sutileza.

Podemos chamar isto de egoísmo? Sim. Podemos chamar isto de falta de senso de equipe? Sim, também. Mas tudo isto são apenas consequências. O fato é que se não aprendermos e se não tivermos referências, pouco ou nada avançaremos. Preciso é acabarmos com as distâncias que há dentro de nós, para depois buscarmos nos aproximar do nosso próximo. Como disse o escritor, “é preciso descobrir, em nós, matéria-prima para construirmos novos tempos. ”

Devemos tomar o cuidado para não passarmos pela vida sem vivê-la. E não desenvolver este segundo tipo de compaixão é abrir mão de boa parte da vida.

O vídeo abaixo nos convida à reflexão. Uma excelente oportunidade para repensarmos as nossas formas de atuação no mundo.


vídeo tirado da internet

Enfim, algo tão simples de se fazer, mas ao mesmo tempo, tão distante de nós exatamente por não enxergarmos esta simplicidade. Simplicidade tão necessária para que possamos sair de nossos carnavais, de nossos privilégios, e irmos ao encontro dos nossos interiores, de nossos ossos, de nossos bastidores. Acredito que somente desta forma o outro será visto por nós e nós por eles. Seremos os primeiros beneficiados se buscarmos esta compaixão que não habita em nós. E se habita, há muito está escondida no fundo do armário.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Friedrich Schiller, poeta alemão do século XVIII, que diz:

“Todas as almas nobres têm como ponto comum a compaixão. ”

Que possamos ser nobres como aquelas crianças africanas do vídeo, que muito têm a nos ensinar. Apesar da pouca idade, já caminham à frente porque compreenderam o real sentido da vida. Quando a competição for transformada em cooperação, e quando enxergarmos que dividir os doces com todos traz mais alegria que comê-los sozinhos, teremos despertado, dentro de nós, o segundo tipo de compaixão: a que vai além de nós, a que vê o outro como parte da gente, parte de todos nós.

Ubuntu!

Um comentário:

  1. Como sempre, escritora brilhante...não consigo parar de ler seus textos!!!

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