domingo, 5 de agosto de 2018

Faça a pergunta

Certa vez, um homem andava por uma rua a caminho do templo. Como desconhecia a região, não tinha ideia de quanto tempo levaria para chegar até lá. Enquanto pensava no tempo, um tanto ansioso, não percebeu que alguém o observava. Quando o homem percebeu aquele alguém, resolveu pedir a informação que precisava.

- Por favor, sabe me dizer quanto tempo eu levo para chegar ao Templo?

A pessoa ouviu a pergunta feita. Mas ficou em silêncio.

- Por favor, pode me dizer se ainda falta muito tempo para eu chegar ao Templo? Haverá um evento lá, e estou ansioso para saber se dará tempo, se não estou atrasado. Não conheço a região. Por isso não sei quanto tempo ainda falta para eu chegar até lá.

Novamente um silêncio como resposta. Esse alguém o fitava nos olhos, mas um mistério o envolvia. Simplesmente ele ouvia o homem, mas não respondia.

O homem, irritado, agradece, ironicamente, e diz a alguém:

- Agradeço pela gentil ajuda. E saiu bastante apressado pela mesma rua, praticamente correndo, na esperança de ganhar um pouco mais de tempo.

E nesta hora, já de costas para o alguém, o homem ouve:

- Uma hora. Uma hora será o tempo que você precisará para chegar lá, disse alguém ao homem apressado.

Ele, mais irritado ainda, disse:

- E por que você não me respondeu quando eu fiz a pergunta? E alguém, sabiamente, respondeu:

- Ouvi sua pergunta. Somente avançamos por meio delas. Principalmente, se a qualidade destas perguntas for plausível de resposta, como a sua. Deveríamos ser valorizados mais pela pergunta que fazemos do que pela resposta que damos. E respondendo a sua pergunta, demorei porque eu precisava saber o ritmo do seu passo. Somente de posse desta informação, eu poderia saber o tempo que você levaria para chegar ao Templo.

Deveríamos ser valorizados mais pela pergunta que fazemos do que pela resposta que damos, disse aquele alguém. Estamos treinados em resolver questões, e não em formular e em identificar perguntas.

Resolver é do domínio da pressa. Formular e identificar é do domínio do ritmo.

Por meio da pergunta que fazemos, a vida nos dá o tom, a direção e o caminho a seguir. Às vezes, tortos, sinuosos, obscuros. Outras vezes, simples, linear e vergonhosamente claro e transparente. É preciso, portanto, estarmos atentos às nossas decisões. Uma pergunta feita é uma decisão. Uma pergunta não feita também é uma decisão. Um caminhar rápido e apressado é uma decisão. Um caminhar lento e vagaroso também é uma decisão. As decisões que tomamos apontam as curvas dos nossos caminhos.

Não quero crer que a verdade e o certo sejam o caminhar apressado e rápido, como daquele homem. Ele, por ter colocado urgência sob os pés, aumentou a probabilidade de chegar mais rápido. Óbvio. Se o caminhar dele fosse mais lento, aquela pessoa elevaria a estimativa do tempo. Óbvio, novamente. No entanto, é preciso lembrar, se é que um dia nos esquecemos, de que a vida não costuma ser tão literal assim conosco. Ela costuma usar da literalidade apenas em momentos específicos, e quando percebe a nossa insistência em caminhar sobre caminhos derrotados e muito já pisados. Na maior parte das vezes, ela costuma usar da subjetividade para conversar conosco. E nessa hora, pensar de forma literal poderá nos atrapalhar muito. No mínimo, perderemos oportunidades de aprofundarmos as nossas conversas com a vida.

Portanto, quando a vida for literal conosco, é bom desconfiarmos do motivo de ela estar utilizando uma rasa inteligência para nos trazer à lucidez. Este artifício utilizado por ela será, certamente, um indicativo de que estamos nos perdendo em caminhos tortuosos cujo trajeto mudamos ao nosso prazer, sem consultá-la. E como temos, às vezes, dificuldades para ouvi-la, ela se utiliza da literalidade, do caminho de mais fácil compreensão para se comunicar, porque a complexidade ainda foge, e muito, do nosso alcance. Mas a verdadeira linguagem da vida é subjetiva, complexa e desenhada de profundos degraus que, há tempos, nos foi feito o convite para escalá-los.

Apressar o nosso passo não significa, necessariamente, que chegaremos mais depressa. Pelo contrário, a pressa e a urgência podem nos desviar do caminho e pior, podem nos fazer nos perder dele. Imprescindível refazer os nossos trajetos e saber que somos a soma de nós mesmos e do que o outro nos oferece.

Em momento algum o alguém do texto diz ao homem que ele chegaria mais depressa porque havia apressado o seu passo. O que ele disse foi que precisava ver o ritmo do passo. E ritmo não tem, absolutamente, nada a ver com pressa.

Pressa está na ordem do tempo. Fazemos muitas coisas com pressa porque corremos contra o tempo. Porque precisamos entregar e fazer coisas. A pressa não deixa de ter a sua relevância num mundo aonde o fazer nos constrói, mas que também nos destrói. Ela possui a sua importância, principalmente, para situações que necessitam de aceleração pontual e material. Porém, nem sempre, ela será garantia de passo bem dado. Ela é uma facilitadora de erros para os mais desatentos, assim como nós. Ela nos induz a imprimir velocidades desnecessárias, e a corrermos para que a nossa queda seja certa, se não estivermos atentos aos buracos das calçadas. E caídos, a pressa nos abandonará e nos deixará sozinhos, envergonhados, procurando o retorno na pista para refazermos o caminho.

Ritmo está na ordem da intenção, do sentido, da busca. Ele nos permite verificar a paisagem e discernir sobre qual caminho queremos seguir. Passos firmes e certeiros.

Pressa está na ordem do correr sem direção, sem propósito. Está para o atender de demandas que nos desmoronam e que fazem de nós, estranhos para nós mesmos. A pressa traz diversas portas, mas todas confusas e sem chaves. Ficamos submersos na pressa até que ela mesma nos conduza à exaustão. O cansaço é fruto, inclusive, de uma pressa que precisaria ter medidas. Mas que não tem porque não aprendemos como é que isto se faz. A pressa é a banalização do tempo.

Ritmo está para o pensar, para a ausência de abandono de nós mesmos. Imprimir ritmo à vida significa dar ação e reagir ao imposto, ao conhecido. Significa reassumir a nossa capacidade de indagação: quando tempo eu levo para chegar ao Templo? Uma indagação com sentido porque se aprendeu como é que se faz isto. Sentido não é meta, é rumo. Pressa é a meta.

Ter pressa não nos incomoda mais. Naturalizamos algo superficial e emergente. Não ter pressa passa a ser o estranho, na sociedade contemporânea, infelizmente. O ritmo, confundido com pressa, passa a ter o seu sentido esvaziado. E assim, perde o espaço de ser um provocador de reflexões. Naturalizamos o que não poderia ser. Talvez seja a pressa...

É preciso tomar cuidado para não sermos os instrumentos que tornam aquilo que não poderia ser superficial, superficial: o ritmo que imprimimos sobre as nossas vidas. E saber qual é o nosso ritmo implica nos conhecermos. Não nos conhecemos. Não nos discutimos. E aquilo que não é discutido revela muitas coisas. O silêncio sobre as nossas ausências revela o que vai em nós. A pressa não possui compromisso com isso. Ela cumpre bem o seu papel de entregar no tempo. Mas de qual tempo falamos? O dela é o da urgência, não poderia ser outro.

Informação não muda as nossas vidas. Mas conhecimento e interação sim. A informação é sempre apressada. Somente tem o compromisso do repassar. O conhecimento implica, obrigatoriamente, a nos revisitar. E nos revisitar é interagir conosco.

Precisamos resgatar a nossa capacidade de ser e de existir. Decidir como serão os nossos passos: ritmados ou apressados?

Aquele que nos observa na estrada, e não nos responde, somos nós mesmos. É preciso que façamos a pergunta para aquele alguém. Somos os estranhos que se falam em nós.

Dependendo do ritmo do nosso passo, o tempo de chegada nos será calculado e apresentado. Mas se não quisermos assumir os nossos avessos e insistirmos na tese de que eles não podem ser vistos, a pressa tomará conta de nossos passos e um outro tempo nos será calculado e apresentado. Talvez até um tempo mais curto que o outro, mas de que valerá?

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma provocação de Platão, que diz:

Uma vida não questionada não merece ser vivida.

Desconfie se você não questionar a sua vida. Desconfie se questões sobre a vida não te incomodarem. A ausência de questionamento leva à estagnação, à morte literal. Questionar é conceder espaço para o aprimoramento e para, inclusive, se certificar de que se está no caminho certo. Indagar é viver e prolongar a nossa estada aqui. É ser útil.

Indagar é estar pronto para o que a vida quer de nós: sermos a melhor versão que pudermos ser de nós mesmos. Indagar é questionar. E questionar é viver e permitir que a vida nos invada com seus conhecimentos, texturas e sabores.

Uma vida não questionada não merece ser vivida porque será uma vida com pressa e sem paradas. Sem sentido. Uma criação de paraísos ilusórios. Um correr sem se saber para onde.

Uma vida questionada merece ser vivida porque será uma vida com pausas que nos levarão adiante e longe. Com sentido. Uma criação verdadeira, de passos firmes e sem pressa, mas com ritmo. O ritmo que a vida merece e que aquele alguém, que nos observa, espera ver em nós nos conduzindo, agora e verdadeiramente, para o Templo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário