Quando pensamos sobre o filme
Dumbo, de Walt Disney, logo nos chega à mente a classificação de
“infantil”. É comum associarmos estes tipos de filmes a esse gênero devido à
fantasia e ao lúdico que eles apresentam. No entanto, se dedicarmos tempo para
assisti-los, quase sempre, chegaremos à conclusão de que o tal gênero
“infantil” ou “fantasia” logo se acomodará no final da fila. Nos primeiros
lugares, o gênero que a vida nos impõe, e de como ela, por meio dos problemas,
alegrias, angústias e realizações, se apresenta para nós e nos pede e cobra
passos. De preferência, para frente.
“Não julgue o livro pela capa”,
alguém disse certa vez. E foi o que não fiz. Acreditei que Dumbo fosse um filme
leve, de caráter lúdico, infantil. Mas me enganei. O filme me trouxe muitas
reflexões de caráter filosófico, ético e moral. No entanto, o lúdico, a leveza
e o infantil que eu esperava não se apresentaram. Surpreendi-me e foi uma
excelente experiência.
Todos os filmes e obras, no
geral, trazem reflexões. Mas quando estes materiais são catalogados como “infantil”,
geralmente, vamos com o nosso espírito desarmado e sem defensivas. Sentamo-nos
comodamente nas cadeiras do cinema ou do teatro e achamos que vamos nos
divertir, somente. E justamente por estarmos livres de filtros e indefesos, as
mensagens nos atingem com facilidade. A simplicidade dos diálogos entre os
personagens, a singeleza das palavras, a naturalidade e a espontaneidade da
ação das crianças, no transcorrer do filme, dão a impressão de que hoje não é
dia de falar sobre coisas sérias e atemporais. Só uma armadilha do autor
para sairmos do rigor dos nossos pensamentos e retomarmos a integridade que, há
tempos, perdemos durante as nossas trajetórias.
imagem tirada da internet
Quando nos desligamos, mesmo que
seja pelo instante de um filme, do rigor dos nossos pensamentos e compreendemos
que o coletivo nos constrói, voltamos a viver e a valorizar este mesmo
coletivo, este entorno, este problema que, em tese, não é meu, mas que é do
outro. Portanto, meu também. Voltando a viver, contribuímos para o todo.
A nossa experiência de viver
precisa ser aprimorada. Para tanto, é preciso nos debruçar sobre as
argumentações que nos são apresentadas e propostas. Sem isso, nos tornamos
obsoletos na nossa condição de existir. E Dumbo nos ajuda a lembrar isso. Nossas
narrativas de vida envelhecem, mas não podem se tornar obsoletas.
Os desertos em nós.
Envelhecer é um processo natural
daqueles que vivem e obedecem a natureza. Daqueles que avançam com o tempo e
não contra ele. O envelhecimento de nossas narrativas é natural e apenas
significa que estamos, a todo o tempo, recriando e reafirmando as nossas
relevâncias.
Obsoleto é um processo de busca
pela insignificância e irrelevância. Tornar obsoletas as nossas narrativas é
desistir sem, ao menos, ter tentado. É contrariar a dinâmica da vida e começar
a nos ausentar de nós. É dar brilho ao que é pequeno, em nós. Valorizar o desvantajoso
e o primitivo. É quando, no meio do nosso caminho, nos descobrimos burocráticos.
Por quê?
Penso que
uma possível resposta a este porquê esteja na fala da personagem Milly
Farrier, interpretada pela atriz Nico Parker, filha de um dos
integrantes do circo aonde Dumbo havia nascido. Ela e o irmão, ao notarem que
Dumbo podia levantar voo exatamente por causa das orelhas grandes que tinha,
chamam o pai para mostrarem o que haviam descoberto. No entanto, o pai
simplesmente não dá atenção ao que os filhos estavam falando, e sai
apressadamente para fazer algo que, certamente, poderia esperar. Nesse momento,
a personagem de Nico Parker (a menina), diz:
“aquele
que não tem interesse não merece saber.” Ela e o irmão saem do lugar aonde
estavam e sem se abaterem, seguem a aventura. Os dois possuíam informações
preciosas a respeito do que acontecia ali, com Dumbo, que certamente impactaria
a todos. Mas apenas as duas crianças, pelo menos, naquele momento, estavam
interessadas. Mas e o pai? O pai não
quis saber, assim como os demais personagens do filme.
Fiquei
refletindo sobre a palavra que a menina trouxe: interesse. E de tudo o que a
vida não nos revela simplesmente porque não nos interessamos.
Nossas
obscuridades caminham nos nossos luxos e palácios repletos de adereços que
refletem os nossos bastidores. Nossas obscuridades acesas por lâmpadas ora
sujas, ora de baixa potência, ora queimadas, ora emprestadas, ora submersas.
Mas ainda há tempo de instalarmos outras lâmpadas mais eficientes e até mais econômicas.
As lojas costumam abrir aos sábados, também, para aqueles que não possuem tempo
de trocá-las durante a semana.
A cadeira do cinema ficou um
pouco incômoda para todos nós após ouvirmos aquela frase dita por uma menina.
Talvez seja preciso resgatar a pureza das crianças, parafraseando Gonzaguinha,
como um recurso para se viver. Mas como o nosso interesse nem sempre está no
que nos diz a vida, ela se cala. Ou ela fala com quem a ouve. Tudo é uma
questão de afinarmos a nossa comunicação com quem fala conosco. No caso: a
própria vida.
Buscando o significado da palavra
interesse, entre tantas informações, encontrei: relevância atribuída a algo.
Importância. Palavra originada do Latim. Inter (estar entre) + esse
(ser, estar). Portanto, se interessar por algo é estar no que se fala, no que
se faz. É ser parte deste algo que se fala ou que se deseja saber.
Interessar-se é se importar, é
trazer para perto de si a realidade do outro e buscar acolhê-lo para poder
ajudá-lo. E vice-versa. De posse deste conceito, fica mais fácil compreendermos
os motivos pelos quais, muitas vezes, a vida não nos traz as respostas que
buscamos e que procuramos. Não estamos com o interesse que ela julga ser
genuíno. Não estamos nos importando, de verdade. Para quê sabermos, então? Não
merecemos, simples assim. E por que não merecemos? Porque não nos interessamos
o suficiente.
“Aquele que não tem interesse não
merece saber.” Muitas foram as reflexões, mas este texto tem a pretensão de
ficar somente com esta.
Não há desperdícios por parte da
vida. É preciso que saibamos disto. Se não há interesse, também não há
informação, não há saber. É preciso justificar o nosso merecimento em receber o
saber. E para merecê-lo é preciso interessar-se. Parece uma ideia simplista,
mas é importante diferenciarmos simplista de simples. Simplista é algo
patético, sem a mínima importância, algo ridicularizado e não valorizado.
Simples é o lugar habitado por aqueles que já entenderam que não estão aqui a
passeio e que, por isso, há muito trabalho a ser feito. O simples de tão
simples que é, complicamos e inviabilizamos o acesso a nós próprios.
É preciso revisitar os nossos
interesses para que a vida se aproxime da gente com o saber que importa.
Somente assim evitaremos o risco de nos tornarmos irrelevantes cujo significado
é não ter papel, não ter função, não ter uso. É preciso parar de darmos vozes
aos outros que nem ao menos sabem que existimos, para iniciarmos nossas
próprias vozes. Recuperar o nosso apropriar de nós mesmos para que a gente saia
da ficção para a realidade. Vivemos, muitas vezes, numa ficção muito bem
elaborada pelas nossas lentes desajustadas.
Quando a vida nos diz que não
merecemos saber porque não nos interessamos é o mesmo que vivermos exclusões
diárias. É preciso pensar sobre isso e não permitir que nossos frutos sejam
filhos do cansaço, mas sim do franco olhar acerca de quem somos.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com uma ironia de Fernando Sabino, um dos mais importantes
cronistas brasileiros, que diz:
“Quando eu era menino, os mais
velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam
mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino.”
Que a gente não ceda à tentação
de voltar à infância para reaprendermos o significado e a relevância da palavra
interesse. Que possamos dedicar nossos espaços para o interesse legítimo e,
sejamos, assim, merecedores do saber.
De posse deste saber, avançaremos
do espaço da nossa terra desconhecida e incógnita para a descoberta da nossa preservação,
um desejo e uma resposta que sempre esteve em nós. No entanto, por falta de
interesse, caminhamos durante tempos em círculos e nos perdemos nas rotas
imaginárias.
Que a gente não dependa do Dumbo
e dos amigos dele para nos relembrar de coisas que já aprendemos, mas que, por
um descuido desinteressado de nossa parte, nos esquecemos.
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