Existem pesquisas que medem o clima
interno de uma organização, o ambiente de trabalho, a cultura e a marca. O
resultado, chamado de diagnóstico, é uma “foto” que mostra, em números e em
comentários, o que vai bem e o que não vai tão bem assim. Mostra possíveis
falhas de processos, distorções da liderança, distorções comportamentais, aquilo
que deve ser mantido e o que deve ser mudado para que a empresa, de verdade, se torne um dos melhores
lugares para se trabalhar, e não somente no título.
É imprescindível medir, avaliar.
Somente aquilo que se mede pode ser gerenciado. Portanto, não há nada de errado
com as pesquisas nem com os institutos responsáveis.
Questiono, no entanto, até que
ponto somos sinceros ao respondê-la? Estamos falando o que precisa ser dito, ou
por medo de retaliação suavizamos as nossas respostas?
Dependendo do ambiente no qual se
trabalha, dizer a verdade, nestas pesquisas, assim como fora dela, é assinar a
carta de demissão. É ser bombardeado, injustamente, num feedback. É sujeitar-se a ser colocado de lado na próxima promoção,
é ser incluído em projetos irrelevantes. Além do clássico assédio moral, que
sempre existiu. Apesar da confidencialidade das respostas, dependendo da índole
do gestor, ele poderá travar uma perseguição aos colaboradores se ele teve a
sua área mal avaliada, inclusive a sua própria gestão. Assédios e desconfianças
são métodos bem utilizados por este tipo de gestor.
Em empresas preocupadas em
aparecerem nas revistas como uma das melhores para se trabalhar, que
privilegiam maus líderes, que dão autonomia e poder para as pessoas erradas e
que querem manter o estatus de empresa “sólida” perante à sociedade, como dizer
a verdade? A pressão que a vaidade exerce sobre estas empresas obrigará,
indiretamente, a equipe se posicionar de forma cética, o que comprometerá o
resultado por meio de respostas que não correspondam à realidade. Dar apenas
respostas positivas sobre a empresa e sobre o gestor passará a ser uma
constante.
Caso a verdade fosse, de verdade, dita, que riqueza de
diagnóstico estas empresas teriam. Porém, a vaidade as impede de olharem para
os “números ruins e baixos” como uma forte contribuição para o fortalecimento
da empresa, para a sustentabilidade do negócio.
Em minha experiência profissional,
estas pesquisas sempre foram realizadas, porém com baixo aproveitamento. A cada
ano, tanto pesquisas internas (para verificar o clima organizacional) quanto
externas (para a participação no ranking
das melhores para trabalhar) eram realizadas.
Curiosamente, a empresa sempre
apresentava, na maior parte do resultado, um bom clima organizacional, e quanto
à pesquisa externa, sempre figurava entre as melhores para se trabalhar. Mas
internamente os problemas eram inúmeros e a insatisfação era muito grande
também. No mínimo, paradoxal. Na mesma
semana em que a Empresa figurava no ranking
das melhores, ela engordava a fila dos doentes ou demitia vários
injustamente, mal avaliados por mau gestores. E por quê? Porque existia e ainda
existe um abismo entre aquilo que se diz versus aquilo que se pratica. A velha máxima “para Inglês
ver”, tristemente, ainda impera e muito.
Uma vez uma área apresentou índice
de satisfação de 90% em relação ao gestor, na pesquisa interna de clima. Porém,
esta era uma das áreas que mais apresentava desarmonia e reclamações. Como isto
foi possível? Permitindo que maus Líderes e gestores ocupassem cadeiras de
liderança.
Conversando reservadamente com
cada colaborador da equipe, descobrimos que o “Líder” ameaçava, veladamente, as
pessoas, para que respondessem coisas positivas. E como é difícil desligar um
mau Líder. A gestão de consequência existe, mas o processo é lento,
insuficiente e muitas vezes injusto. Por medo e por sobrevivência, as pessoas
respondiam ao que aquele gestor queria ouvir: que sua área estava ótima e que
todos estavam felizes e satisfeitos. Este falso resultado teve uma série de
impactos:
- planos de ação foram tomados com
base em resultados falsos;
- a área e o gestor foram
considerados benchmarks;
- o Diretor e o Vice-Presidente
ganharam mais bônus em função dos resultados;
- ceticismo por parte de colaboradores
que conheciam a realidade desta área. Começaram a questionar os resultados e a
própria pesquisa. As áreas que visivelmente diziam a verdade, nos falavam: “então
a área que mente é quem ganha o destaque? ” ou “o jeito, então, é dizer que
está tudo bem. Assim ninguém vem atrás da gente. ”
Infelizmente foram muitos os
exemplos presenciados. Como denunciar
isto se o sistema interno é falido e privilegia o estatus e a vaidade? Não
podemos responsabilizar somente aquele que não fala a verdade, por medo e por
retaliação. A pesquisa, em si, é isenta. Mas ela vai apresentar um diagnóstico
com base nas respostas trazidas, ou seja, se as respostas não corresponderem à
realidade, o resultado também não corresponderá. Quer exemplo maior de
contrassenso? E isto é uma realidade em muitas empresas.
Muitas empresas e falsos Líderes não
estão dispostos a ouvirem a verdade. O ambiente interno não é saudável, é
constrangedor, sufocante, opressor, o que faz que os colaboradores tenham medo
de dizer a verdade.
Num ambiente opressor, é natural
buscarmos nossa sobrevivência, e um dos métodos que utilizamos para sobreviver
é ...mentir. Não é o certo, claro, mas ele existe e fazemos parte disto. Mentimos porque precisamos do salário, por
conveniência, porque não queremos nos expor e por sobrevivência.
Outro exemplo: uma diretoria teve
um resultado ruim. Ao receber os resultados, o Diretor simplesmente disse que a
pesquisa estava errada. E queria, de todas as formas, identificar quem havia
respondido tão mal assim. Obviamente as respostas não foram abertas devido à
confidencialidade, mas a perseguição que os colaboradores daquela área sofreram
foi desumana. E aquele Líder? Deve estar lá até hoje, infelizmente.
Misteriosamente, no ano seguinte,
a área dele foi para 80% de aprovação. Por isso fiz a pergunta: melhores
empresas para se trabalhar. Mas para quem?
Outras péssimas atitudes de
gestores que presenciei em épocas de pesquisas de clima organizacional e demais
pesquisas externas:
- inibir a liberdade de expressão:
“Alguém quer ajuda para responder a pesquisa? ”;
- sentar-se ao lado do
colaborador e dizer que irá ajudá-lo a responder, e assim, “terminamos logo com
isto”;
- dizer à equipe: “olhem lá, se a
gente tiver um resultado ruim, já sabem...”;
- dizer à equipe: “pessoal, notas
4 e 5 em tudo...” (e dava aquela risada...). Lembrando que notas 4 e 5 são as
melhores, numa escala de 1 a 5 em ordem crescente;
- dizer à equipe: “se vocês me
avaliarem mal, nossa área ficará mal colocada e talvez seja necessário demitir
pessoas...”
Presenciei tanto situações nas
quais os gestores aceitaram a verdade, e mesmo com resultados ruins fizeram um
brilhante trabalho. E casos tenebrosos de ameaças, assédios morais e
retaliações, acarretando o adoecimento de muitas pessoas.
E aí você poderá dizer: “mas por
que estas pessoas não denunciaram isto? ” É fácil falar do outro lado da
tela... ainda mais com a subjetividade que impede de provar tantas coisas.
Isto tudo me remete a duas coisas:
à falta da verdadeira Liderança e à forte valorização da vaidade e do estatus,
que cegam as organizações. Muitos maus líderes são excelentes técnicos,
conhecem muito do trabalho, mas são vaidosos, prepotentes, arrogantes, não
servem para liderar pessoas. Porém, em função das elevadas performances
técnicas e financeiras que estas pessoas muitas vezes têm, perpetuam maus
exemplos. E os líderes que estão acima destes fazem “vistas grossas” porque, no
fundo, lá no fundo, também acreditam neste modelo.
O verdadeiro Líder é um servidor.
Usa o seu poder e a sua autoridade para servir e para fazer melhor o ambiente para
todos. O mau Líder está mais preocupado com o bom resultado da pesquisa (assim
a sua imagem é preservada) do que com o bem-estar, o bom ambiente. Esta
imaturidade é danosa a qualquer organização.
“Cuidar de gente dá muito
trabalho”, cansei de ouvir isto de Líderes que apenas eram no título, muito
longe da atitude. Como ser um Líder se não gostar de gente? A pergunta que fica
é: quem colocou esta pessoa lá? Ouvia sempre a frase: “o negócio é performance.
Se der tempo, cuidamos de gente. ”
Isto explica porque, ano após
ano, muitas empresas gastam dinheiro, tempo e energia em pesquisas, que sempre,
ou quase, apresentam os mesmos problemas. Enquanto o medo e a desconfiança
estiverem presentes nos ambientes das empresas e forem mais fortes do que a
vontade e disposição para, de verdade, construir um ambiente saudável de se
trabalhar, arrisco em dizer que estas pesquisas pouco poderão contribuir.
Num outro exemplo que vivi, numa
das pesquisas, a empresa não tinha tido o mínimo de respostas para poder passar
para a próxima fase. E as pessoas não responderam porque não quiseram
responder. Aquilo era falso. Quer diagnóstico melhor? Foi então que o Diretor
entrou na área e disse para pararmos tudo o que estávamos fazendo e
respondermos a pesquisa. Disse que seria “vergonhoso” a Empresa X (disse o nome da Empresa) não fazer parte das melhores.
Preciso dizer o que fizemos?
Paramos o que estávamos fazendo e respondemos. Nunca respondi a um questionário
de forma tão rápida e me sentindo tão pequena. Pequena por não poder fazer
absolutamente nada, pelo menos não naquele momento.
Há um custo de imagem e de
vaidade para a Empresa que não participa do “seleto” grupo das melhores. Depois
entendi a atitude daquele Diretor que até hoje me pergunto o que ele fazia lá.
Mas enfim...
Estar em uma das melhores
empresas para se trabalhar vai muito além de benefícios e questões materiais:
estamos falando de respeito, de felicidade, engajamento, querer estar lá,
coisas muito difíceis de se medir. Estamos falando de subjetividade. Por isto
questiono.
Ser uma das melhores empresas
para se trabalhar está muito além de uma pesquisa. O diagnóstico deve ser
diário, e não anual. Num mundo no qual se prevalece a cultura do parecer e não a
do ser, não é de se espantar a enorme preocupação em fazer parte destes
números.
Melhores Empresas para se
trabalhar. Mas para quem?
Teremos diversas respostas, menos
“Para todos”. E se ainda não temos como resposta “Para todos”, a empresa pode
até ter seus méritos, mas daí a dizer que é uma das melhores para se trabalhar,
existe uma longa distância.
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