Há poucos dias terminaram os
jogos olímpicos. Foram dias intensos, cheios de notícias e de atividades. Uma
correria boa para conseguir assistir aos jogos e nenhum descanso para o
controle remoto da televisão. Dias de pouco sono. Tudo isto para que
conseguíssemos dar conta de tudo e de todas as atividades.
Ao final destas duas semanas, ficamos
com um gostinho de quero mais. De repente, no dia seguinte às Olimpíadas, demos
de cara com reprises de disputas já vividas, cujo resultado já sabíamos. E aí o
controle remoto começou a desfrutar de seu merecido descanso.
Algumas horas antes do término do
evento, no domingo, tanto o público quanto os profissionais que cobriram os
jogos começaram a ficar saudosos. Uma vontade, com explicação, para que aquele evento não terminasse, para que
aquelas horas finais ao término se arrastassem o máximo possível.
Nossa saudade nostálgica. Esta
talvez seja a explicação para o sentimento que tenha ficado em nós: uma saudade
nostálgica.
Apesar da saudade inicial que
sentimos ao ver o término dos jogos, porque queríamos mais, acredito que nossa
saudade foi dando um forte espaço para a nostalgia, palavra esta que não tem
absolutamente nada a ver com a primeira, saudade. Ficamos saudosos num primeiro
momento, mas nostálgicos depois. E este foi o sentimento que tomou conta.
Sentimos saudades, mas nos
tornamos nostálgicos. Por quê?
Saudade é saudável. Nutre a nossa
alma e a nossa vida. Saudade nos move e nos conduz porque nos faz refletir
sobre a nossa vida. Faz-nos refletir sobre quem somos. Certamente somos pessoas
melhores por sentirmos saudades e por fazermos estas reflexões provocadas por
ela. E estas reflexões nos tornam autônomos enquanto seres, acima de tudo.
Sabemos o que queremos. Sabemos o que sentimos.
Sentir saudade é ação. É um
querer. É um buscar. É um valorizar. A saudade nos faz felizes com a vida que
temos, nem mais e nem menos. Como ela está. Sentir saudade significa que vale a
pena viver a vida. Significa que há vida para ser vivida.
A saudade faz parte de quem
somos. Ela ajuda a contar a nossa história.
A nostalgia, no entanto, é o
contrário da saudade: nos faz parar no tempo. Faz-nos querer viver num tempo que não se tem
mais. É patológico. Sinaliza uma cegueira da alma. É um aprisionamento
voluntário.
A saudade faz parte de quem somos
e de quem gostamos e queremos ser. A nostalgia faz parte de quem gostaríamos de
ser e de quem não gostamos de ser.
Na saudade, a base é a vitória.
Na nostalgia, a base é a derrota.
Sentir saudade nos faz viver.
Sentir nostalgia nos faz abrir mão, desistir.
A saudade nos remete à
realização. A nostalgia nos remete à eterna promessa.
A primeira nos completa. A segunda
nos incompleta.
Uma está ligada à lucidez. A outra
à alienação.
Paulo Freire, um Educador
imprescindível à liberdade do pensar, dizia que “o ser alienado não procura um
mundo autêntico. E é isto o que provoca uma nostalgia: a alienação. Deseja
outro país e lamenta ter nascido no seu, por exemplo. Envergonha-se de sua realidade.
”
Dizia, ainda, que “a alienação nos
tira de nossa condição de existir. Uma sociedade alienada não se conhece. ”
Paulo Freire tinha pensamentos
fortes que provocavam profundas reflexões. E o que ele trouxe, com sua
“nostalgia ligada à alienação” foi o que vivemos um pouco ao final dos jogos
olímpicos. Antes do evento, estávamos mergulhados em Lava-Jato, estouros de
escândalos de corrupção de todos os níveis, acordos de delações premiadas,
processo de impeachment, mandados de
segurança por toda parte, inflação nas alturas, pedidos de condução coercitiva
tão frequentes que pareciam brigadeiros em festa...tudo isto sem contar os
outros problemas do País que, ao lado da operação Lava-Jato, ficam pequenos e
recolhem-se redimidos. Mas de pequenos não têm nada. Estes são alguns dos
exemplos. Mas se pesquisarmos, haverá mais.
Não que as Olimpíadas fossem
resolver os nossos problemas. Óbvio que não. Mas de certa maneira nos fizeram,
pelos menos nestas duas semanas, dar uma respirada, uma parada para uma água. Sabemos
dos problemas. Mas respiramos um pouquinho.
Por tudo isto, acredito que esta
“tristeza” que se abateu sobre nós, esta nostalgia, foi por conta desta falta
que nos faz este clima de festa, de ordem, de harmonia, de sorrisos e de gente
feliz. Nestas duas semanas, ouvimos outras coisas além de protestos e operação
Lava-Jato. Protestar e investigar são fundamentais. Mas é preciso parar para
respirar um pouco. E as Olimpíadas fizeram isto um pouco conosco: nos fizeram
respirar e desacelerar um pouco. Cumpriram muito bem o seu papel.
Óbvio, também, que elas ofuscaram
muitos problemas. Há os dois lados: tanto nos trouxeram momentos muito festivos
como também cerraram os nossos olhos para várias barbaridades cometidas. Mas
enfim, o evento, em si, e os atletas não são responsáveis. Eles merecem
respeito, assim como nós também o merecemos.
Não sei se estamos mais saudosos
ou nostálgicos, na vida. Não tenho esta resposta. O meu desejo é que estejamos
sempre mais para saudosos do que para nostálgicos. Cabe a cada um buscar seu
autoconhecimento, fundamental para uma vida mais feliz. Mas certamente, nestas Olimpíadas, o nosso
lado nostálgico falou mais alto. Não queríamos voltar para a programação normal
da televisão falando sobre o que já sabíamos.
Ver as inúmeras operações
deflagradas pela Polícia Federal tomarem conta dos canais onde estavam sendo
exibidas competições emocionantes era, no mínimo, desanimador. Por isto a
palavra “nostalgia” nos representou tão bem ao final dos Jogos. Durante as
Olimpíadas, vivemos um pouco da harmonia que gostaríamos que houvesse sempre no
nosso País. Pessoas leves, sorridentes e felizes o tempo todo seria a nossa
escolha. O País estava festejando, apesar dos problemas que apenas aguardavam o
passar dos jogos para voltarem à cena. E, como sabíamos que ver o nosso País
festejando, nem sempre é possível, ficamos nostálgicos. Começamos a nos apegar
aos jogos, antes mesmo de eles encerrarem.
Quero finalizar este texto, mas
não a reflexão, com um pensamento de Millôr Fernandes, escritor brasileiro, que
diz:
“Neste momento, de repente, me
bate a nostalgia do que um dia se chamou de Pátria. ”
Pois é, que este sentimento de
harmonia, vivido entre os povos, esta sensação de alegria e de bem-estar, este
sorriso leve e presente possam cada vez mais estarem presentes em nossas vidas.
Pois se nas Olimpíadas isto foi possível, fora delas também será. Está nas
nossas mãos.
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