terça-feira, 6 de setembro de 2016

Nossa saudade nostálgica

Há poucos dias terminaram os jogos olímpicos. Foram dias intensos, cheios de notícias e de atividades. Uma correria boa para conseguir assistir aos jogos e nenhum descanso para o controle remoto da televisão. Dias de pouco sono. Tudo isto para que conseguíssemos dar conta de tudo e de todas as atividades.

Ao final destas duas semanas, ficamos com um gostinho de quero mais. De repente, no dia seguinte às Olimpíadas, demos de cara com reprises de disputas já vividas, cujo resultado já sabíamos. E aí o controle remoto começou a desfrutar de seu merecido descanso.

Algumas horas antes do término do evento, no domingo, tanto o público quanto os profissionais que cobriram os jogos começaram a ficar saudosos. Uma vontade, com explicação, para que aquele evento não terminasse, para que aquelas horas finais ao término se arrastassem o máximo possível.

Nossa saudade nostálgica. Esta talvez seja a explicação para o sentimento que tenha ficado em nós: uma saudade nostálgica.

Apesar da saudade inicial que sentimos ao ver o término dos jogos, porque queríamos mais, acredito que nossa saudade foi dando um forte espaço para a nostalgia, palavra esta que não tem absolutamente nada a ver com a primeira, saudade. Ficamos saudosos num primeiro momento, mas nostálgicos depois. E este foi o sentimento que tomou conta.

Sentimos saudades, mas nos tornamos nostálgicos. Por quê?

Saudade é saudável. Nutre a nossa alma e a nossa vida. Saudade nos move e nos conduz porque nos faz refletir sobre a nossa vida. Faz-nos refletir sobre quem somos. Certamente somos pessoas melhores por sentirmos saudades e por fazermos estas reflexões provocadas por ela. E estas reflexões nos tornam autônomos enquanto seres, acima de tudo. Sabemos o que queremos. Sabemos o que sentimos.

Sentir saudade é ação. É um querer. É um buscar. É um valorizar. A saudade nos faz felizes com a vida que temos, nem mais e nem menos. Como ela está. Sentir saudade significa que vale a pena viver a vida. Significa que há vida para ser vivida.

A saudade faz parte de quem somos. Ela ajuda a contar a nossa história.

A nostalgia, no entanto, é o contrário da saudade: nos faz parar no tempo.  Faz-nos querer viver num tempo que não se tem mais. É patológico. Sinaliza uma cegueira da alma. É um aprisionamento voluntário.

A saudade faz parte de quem somos e de quem gostamos e queremos ser. A nostalgia faz parte de quem gostaríamos de ser e de quem não gostamos de ser.

Na saudade, a base é a vitória. Na nostalgia, a base é a derrota.

Sentir saudade nos faz viver. Sentir nostalgia nos faz abrir mão, desistir.

A saudade nos remete à realização. A nostalgia nos remete à eterna promessa.

A primeira nos completa. A segunda nos incompleta.

Uma está ligada à lucidez. A outra à alienação.

Paulo Freire, um Educador imprescindível à liberdade do pensar, dizia que “o ser alienado não procura um mundo autêntico. E é isto o que provoca uma nostalgia: a alienação. Deseja outro país e lamenta ter nascido no seu, por exemplo. Envergonha-se de sua realidade. ”

Dizia, ainda, que “a alienação nos tira de nossa condição de existir. Uma sociedade alienada não se conhece. ”

Paulo Freire tinha pensamentos fortes que provocavam profundas reflexões. E o que ele trouxe, com sua “nostalgia ligada à alienação” foi o que vivemos um pouco ao final dos jogos olímpicos. Antes do evento, estávamos mergulhados em Lava-Jato, estouros de escândalos de corrupção de todos os níveis, acordos de delações premiadas, processo de impeachment, mandados de segurança por toda parte, inflação nas alturas, pedidos de condução coercitiva tão frequentes que pareciam brigadeiros em festa...tudo isto sem contar os outros problemas do País que, ao lado da operação Lava-Jato, ficam pequenos e recolhem-se redimidos. Mas de pequenos não têm nada. Estes são alguns dos exemplos. Mas se pesquisarmos, haverá mais.

Não que as Olimpíadas fossem resolver os nossos problemas. Óbvio que não. Mas de certa maneira nos fizeram, pelos menos nestas duas semanas, dar uma respirada, uma parada para uma água. Sabemos dos problemas. Mas respiramos um pouquinho.

Por tudo isto, acredito que esta “tristeza” que se abateu sobre nós, esta nostalgia, foi por conta desta falta que nos faz este clima de festa, de ordem, de harmonia, de sorrisos e de gente feliz. Nestas duas semanas, ouvimos outras coisas além de protestos e operação Lava-Jato. Protestar e investigar são fundamentais. Mas é preciso parar para respirar um pouco. E as Olimpíadas fizeram isto um pouco conosco: nos fizeram respirar e desacelerar um pouco. Cumpriram muito bem o seu papel.

Óbvio, também, que elas ofuscaram muitos problemas. Há os dois lados: tanto nos trouxeram momentos muito festivos como também cerraram os nossos olhos para várias barbaridades cometidas. Mas enfim, o evento, em si, e os atletas não são responsáveis. Eles merecem respeito, assim como nós também o merecemos.

Não sei se estamos mais saudosos ou nostálgicos, na vida. Não tenho esta resposta. O meu desejo é que estejamos sempre mais para saudosos do que para nostálgicos. Cabe a cada um buscar seu autoconhecimento, fundamental para uma vida mais feliz.  Mas certamente, nestas Olimpíadas, o nosso lado nostálgico falou mais alto. Não queríamos voltar para a programação normal da televisão falando sobre o que já sabíamos.

Ver as inúmeras operações deflagradas pela Polícia Federal tomarem conta dos canais onde estavam sendo exibidas competições emocionantes era, no mínimo, desanimador. Por isto a palavra “nostalgia” nos representou tão bem ao final dos Jogos. Durante as Olimpíadas, vivemos um pouco da harmonia que gostaríamos que houvesse sempre no nosso País. Pessoas leves, sorridentes e felizes o tempo todo seria a nossa escolha. O País estava festejando, apesar dos problemas que apenas aguardavam o passar dos jogos para voltarem à cena. E, como sabíamos que ver o nosso País festejando, nem sempre é possível, ficamos nostálgicos. Começamos a nos apegar aos jogos, antes mesmo de eles encerrarem.

Quero finalizar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Millôr Fernandes, escritor brasileiro, que diz:

“Neste momento, de repente, me bate a nostalgia do que um dia se chamou de Pátria. ”

Pois é, que este sentimento de harmonia, vivido entre os povos, esta sensação de alegria e de bem-estar, este sorriso leve e presente possam cada vez mais estarem presentes em nossas vidas. Pois se nas Olimpíadas isto foi possível, fora delas também será. Está nas nossas mãos.

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