domingo, 13 de agosto de 2017

A luz que afronta

Jogos Olímpicos de Atenas, 2004: Vanderlei Cordeiro de Lima, liderando a prova de atletismo, foi, covardemente, interrompido e atrapalhado por um homem chamado Neil Horan. Esse suposto padre, famoso por ter realizado atrocidades similares em outras competições, foi condenado a um ano de prisão, posteriormente convertido em pagamento de fiança, além das retaliações sofridas pelas pessoas que assistiam ao espetáculo. Também foi destituído das funções religiosas que exercia na igreja na qual atuava, pelos responsáveis, sob a alegação de ele sofrer de problemas psiquiátricos. Foram estas as punições dele, nada mais. Será?

Para o atleta, que mantinha uma boa vantagem em relação ao segundo colocado, a medalha de ouro seria a trajetória natural e justa. Mas não foi o que ocorreu. A interrupção prejudicou a performance de Vanderlei, que, perdendo posição frente aos seus adversários próximos, não conseguiu manter o ritmo. Além da dor física que ele sentiu ao ser interrompido durante a corrida que fazia. Mesmo tendo sido a vítima desta situação, os Organizadores responsáveis não cancelaram a prova. Vanderlei foi prejudicado injustamente. Perdeu o primeiro lugar e a medalha de ouro. Nada mais. Será?

imagem tirada da internet

Na primeira imagem, a dor física sofrida por Vanderlei ao ser bruscamente interrompido pelo padre irlandês, além da dor emocional por não acreditar no que estava acontecendo.

Na segunda imagem, um homem, anônimo, de bermuda e de camiseta, rompe a faixa azul de segurança, com a única e exclusiva missão de ajudar a recolocar Vanderlei nas pistas, de volta ao lugar de onde ele nunca deveria ter sido tirado. “Vai, vai”, o homem dizia para Vanderlei.

Um homem trazendo uma luz que afronta àquele que vive na escuridão. O primeiro quis e conseguiu atrapalhar. O segundo quis e conseguiu ajudar.

E na terceira imagem, o padre irlandês sendo rechaçado pela multidão e, logo adiante, preso.

Este triste padre, cuja existência deve ser uma ausência de relevâncias, não teve como punição, apenas, uma prisão, um rechaçar da sociedade, uma expulsão da ordem religiosa e gritos de um povo revoltado. Este triste padre teve, como uma das piores punições que um ser humano pode ter na vida, a convivência íntima com a inveja: um sentimento que corrói devagar aquele que sente e que o faz assistir, de um local privilegiado, o sucesso e o avançar do outro. Este triste padre não queria, apenas, chamar a atenção. Muito além disto: ele queria destruir o avançar do outro, o sucesso daquele que ia lá na frente, a certeza do outro e a alegria estampada no rosto daquele que, diferente dele, descobriu a sua missão e caminhava na direção dela. E deste lugar privilegiado, o invejoso, corroído de não poder conviver com a luz do outro que o afronta, o impede de prosseguir. E muitas vezes consegue, como foi o caso. Mas será um conseguir insustentável, porque sempre terá um Polyvios Kossivas para recolocar na pista aquele que for merecedor.

Para Vanderlei, a grandiosidade do gesto dele em seguir na pista, levantar a cabeça e reunir forças que somente ele sabe de onde foram tiradas, nos faz repensar o primeiro lugar na vida e a medalha de ouro. Naquele momento, como ele mesmo disse em entrevista, “era preciso pensar e agir rapidamente para mudar a estratégia: não seria mais possível o primeiro lugar, mas chegar seria o objetivo. Eu queria uma medalha olímpica. Não importava a cor.” E ele chegou. Em terceiro lugar, com sua medalha de bronze no pescoço que, certamente, tinha o mesmo valor e o mesmo peso de uma de ouro. Com esta atitude, o atleta já era medalha de ouro na atitude e na conduta.

Jamais nos esqueceremos desta injustiça. Ao mesmo tempo, nunca nos esqueceremos da atitude do atleta: a de continuar com a luz dele acesa, mesmo que estivesse ofuscando aquele que não podia com ela. A atitude de Vanderlei fez a medalha de ouro e o primeiro lugar ficarem em segundo plano.

O invejoso se incomoda com a luz do outro, mesmo que a luz do outro ajude a iluminar o próprio caminho. Por que aquele padre interrompeu Vanderlei e não outro atleta? Porque era o Vanderlei quem estava na frente. Simples assim. O invejoso se completa quando vê o outro escorregar e cair. Por quê? Porque o chão é um lugar no qual ele vive confortavelmente. Aquele que padece da inveja é doente, triste e vive à sombra da vida. Não se conforma com a felicidade do outro porque a desconhece. Não gosta da luz do outro porque fere a visão dele. Como é doente, prefere investir esforços na queda da luz do que na soberania dela.

É muito comum sermos atacados quando estamos no caminho correto, no caminho da luz. Quando estamos sofrendo muitas perseguições e ataques é porque estamos, na maior parte das vezes, no caminho certo. Por isso incomodamos o outro ou nos incomodamos com o outro. Parece contraditório, mas é real. Caso assim não fosse, o invejoso não seria seletivo em seus ataques. Mas é: ataca apenas aquele que mostrou que sabe e conhece o caminho. Os problemas e, principalmente, as críticas e as inferências são tentativas de os invejosos nos tirarem dele. E quando nos damos conta, desistimos e ficamos pelo caminho.

Nem toda crítica, problema e inferência é fruto do invejoso. Sabemos disto também. Caso assim fosse, colocaríamos tudo na conta dele e ficaria tudo mais fácil. Mas o fato é que sabemos diferenciar. Sabemos quando estamos acertando e quando não estamos. Sabemos a hora de seguir e a hora de parar. E este nosso discernimento fará toda a diferença no momento de reconhecer o invejoso que surge em nosso caminho, que busca desviar a nossa rota, também do invejoso que há em nós, aquele que alimentamos por meio de nossas tentativas de desviar o caminho do próximo, ou simplesmente de compreendermos que estamos no caminho errado, mesmo. Que é preciso reorganizarmos a rota traçada.

Quanto mais alto subimos, menos quantidade de oxigênio temos. Ou seja, a medida que escalamos mais alto, as dificuldades aumentam e os invejosos acentuam as suas garras e as suas estratégias. Mas somente poucos enxergarão a vista lá de cima. E este é o sentido da vida: escalar montanhas para se ter uma visão privilegiada: uma visão privilegiada de nós mesmos. Daquele que teve a coragem de escalar esta mesma montanha que, a todo o momento, os invejosos tentaram colocar pedras e rebaixar o valor desta escalada.

E quantas montanhas também impedimos que o outro escalasse? Ou quantas invadidas de pistas fizemos contra àqueles que corriam a nossa frente? Fica uma lição para pensarmos.

É preciso coragem, foco e determinação para buscar o bronze, caso a vida ou qualquer padre irlandês do caminho tenha, momentaneamente, atrasado a nossa busca pelo ouro e pelo primeiro lugar. Não um primeiro lugar da vaidade, do luxo e do despropósito. Mas um primeiro lugar para vencer a nós mesmos.

Aceitar os bronzes que a vida nos dá nos trará ouros adiante. Podemos acreditar nisto. Aceitar os nossos bronzes é silenciar os invejosos que, invalidados na estratégia de nos desestabilizar, nada poderão nos causar.

Seguir e não parar é o pior que podemos fazer contra os invejosos. A inércia é a principal parceira deles. E os que fazem, interrompem a escolha que eles fizeram pelo retrocesso.

Os invejosos não possuem outra arma que não o ataque à luz. São pobres do caminho, à espreita da nossa queda. À espera da nossa derrota. Mas se o bronze também fizer sentido para nós, a nossa luz continuará ofuscando aquele que sofre ao vê-la.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Oscar Wilde, poeta irlandês, que diz:

“O número dos que nos inveja confirma as nossas capacidades. ”

Vanderlei Cordeiro de Lima foi vítima de um doente mental, mas antes disto: de um invejoso. Que bom que ele não desistiu. A inveja daquele homem somente serviu para confirmar a capacidade do atleta, como disse Oscar Wilde.

Que a desistência não faça parte da nossa trajetória. Apenas se ela servir como traçado para novos caminhos escolhidos por nós. Foi muito trabalhoso chegar até aqui. Não podemos desistir. A nossa desistência é o alimento tão esperado dos invejosos que nos espreitam. A subida é difícil, e exige demais de nossas pernas. E é aí, nesta difícil subida, que o invejoso afia a arma para nos atacar. Reconhecendo-o, continuaremos a nossa subida, como fez Vanderlei. Mas isto é para poucos. Apenas para aqueles que decidiram calar os invejosos e, acima de tudo, valorizar os bronzes do caminho. Que a gente, portanto, faça parte desta minoria.

Que a nossa decisão de continuar seja a nossa grande arma contra aqueles que torcem para que fiquemos no raso, no superficial, no começo da rampa.

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