Jogos Olímpicos de Atenas, 2004:
Vanderlei Cordeiro de Lima, liderando a prova de atletismo, foi, covardemente,
interrompido e atrapalhado por um homem chamado Neil Horan. Esse suposto padre, famoso por ter realizado atrocidades
similares em outras competições, foi condenado a um ano de prisão, posteriormente
convertido em pagamento de fiança, além das retaliações sofridas pelas pessoas
que assistiam ao espetáculo. Também foi destituído das funções religiosas que
exercia na igreja na qual atuava, pelos responsáveis, sob a alegação de ele
sofrer de problemas psiquiátricos. Foram estas as punições dele, nada mais. Será?
Para o atleta, que mantinha uma
boa vantagem em relação ao segundo colocado, a medalha de ouro seria a
trajetória natural e justa. Mas não foi o que ocorreu. A interrupção prejudicou
a performance de Vanderlei, que, perdendo posição frente aos seus adversários
próximos, não conseguiu manter o ritmo. Além da dor física que ele sentiu ao
ser interrompido durante a corrida que fazia. Mesmo tendo sido a vítima desta
situação, os Organizadores responsáveis não cancelaram a prova. Vanderlei foi prejudicado
injustamente. Perdeu o primeiro lugar e a medalha de ouro. Nada mais. Será?
imagem tirada da internet
Na primeira imagem, a dor física
sofrida por Vanderlei ao ser bruscamente interrompido pelo padre irlandês, além
da dor emocional por não acreditar no que estava acontecendo.
Na segunda imagem, um homem,
anônimo, de bermuda e de camiseta, rompe a faixa azul de segurança, com a única
e exclusiva missão de ajudar a recolocar Vanderlei nas pistas, de volta ao
lugar de onde ele nunca deveria ter sido tirado. “Vai, vai”, o homem dizia para
Vanderlei.
Um homem trazendo uma luz que afronta àquele que vive na escuridão. O
primeiro quis e conseguiu atrapalhar. O segundo quis e conseguiu ajudar.
E na terceira imagem, o padre
irlandês sendo rechaçado pela multidão e, logo adiante, preso.
Este triste padre, cuja
existência deve ser uma ausência de relevâncias, não teve como punição, apenas,
uma prisão, um rechaçar da sociedade, uma expulsão da ordem religiosa e gritos
de um povo revoltado. Este triste padre teve, como uma das piores punições que
um ser humano pode ter na vida, a convivência íntima com a inveja: um
sentimento que corrói devagar aquele que sente e que o faz assistir, de um
local privilegiado, o sucesso e o avançar do outro. Este triste padre não
queria, apenas, chamar a atenção. Muito além disto: ele queria destruir o
avançar do outro, o sucesso daquele que ia lá na frente, a certeza do outro e a
alegria estampada no rosto daquele que, diferente dele, descobriu a sua missão
e caminhava na direção dela. E deste lugar privilegiado, o invejoso, corroído
de não poder conviver com a luz do outro que o afronta, o impede de prosseguir.
E muitas vezes consegue, como foi o caso. Mas será um conseguir insustentável,
porque sempre terá um Polyvios Kossivas
para recolocar na pista aquele que for merecedor.
Para Vanderlei, a grandiosidade
do gesto dele em seguir na pista, levantar a cabeça e reunir forças que somente
ele sabe de onde foram tiradas, nos faz repensar o primeiro lugar na vida e a
medalha de ouro. Naquele momento, como ele mesmo disse em entrevista, “era
preciso pensar e agir rapidamente para mudar a estratégia: não seria mais
possível o primeiro lugar, mas chegar
seria o objetivo. Eu queria uma medalha olímpica. Não importava a cor.” E ele
chegou. Em terceiro lugar, com sua medalha de bronze no pescoço que,
certamente, tinha o mesmo valor e o mesmo peso de uma de ouro. Com esta
atitude, o atleta já era medalha de ouro na atitude e na conduta.
Jamais nos esqueceremos desta
injustiça. Ao mesmo tempo, nunca nos esqueceremos da atitude do atleta: a de
continuar com a luz dele acesa, mesmo que estivesse ofuscando aquele que não podia
com ela. A atitude de Vanderlei fez a medalha de ouro e o primeiro lugar
ficarem em segundo plano.
O invejoso se incomoda com a luz
do outro, mesmo que a luz do outro ajude a iluminar o próprio caminho. Por que
aquele padre interrompeu Vanderlei e não outro atleta? Porque era o Vanderlei
quem estava na frente. Simples assim. O invejoso se completa quando vê o outro escorregar
e cair. Por quê? Porque o chão é um lugar
no qual ele vive confortavelmente. Aquele que padece da inveja é doente,
triste e vive à sombra da vida. Não se conforma com a felicidade do outro
porque a desconhece. Não gosta da luz do outro porque fere a visão dele. Como é
doente, prefere investir esforços na queda da luz do que na soberania dela.
É muito comum sermos atacados
quando estamos no caminho correto, no caminho da luz. Quando estamos sofrendo
muitas perseguições e ataques é porque estamos, na maior parte das vezes, no
caminho certo. Por isso incomodamos o outro ou nos incomodamos com o outro. Parece
contraditório, mas é real. Caso assim não fosse, o invejoso não seria seletivo
em seus ataques. Mas é: ataca apenas aquele que mostrou que sabe e conhece o
caminho. Os problemas e, principalmente, as críticas e as inferências são
tentativas de os invejosos nos tirarem dele. E quando nos damos conta, desistimos
e ficamos pelo caminho.
Nem toda crítica, problema e
inferência é fruto do invejoso. Sabemos disto também. Caso assim fosse,
colocaríamos tudo na conta dele e ficaria tudo mais fácil. Mas o fato é que
sabemos diferenciar. Sabemos quando estamos acertando e quando não estamos.
Sabemos a hora de seguir e a hora de parar. E este nosso discernimento fará
toda a diferença no momento de reconhecer o invejoso que surge em nosso
caminho, que busca desviar a nossa rota, também do invejoso que há em nós,
aquele que alimentamos por meio de nossas tentativas de desviar o caminho do
próximo, ou simplesmente de compreendermos que estamos no caminho errado,
mesmo. Que é preciso reorganizarmos a rota traçada.
Quanto mais alto subimos, menos quantidade
de oxigênio temos. Ou seja, a medida que escalamos mais alto, as dificuldades
aumentam e os invejosos acentuam as suas garras e as suas estratégias. Mas
somente poucos enxergarão a vista lá de cima. E este é o sentido da vida:
escalar montanhas para se ter uma visão privilegiada: uma visão privilegiada de
nós mesmos. Daquele que teve a coragem de escalar esta mesma montanha que, a
todo o momento, os invejosos tentaram colocar pedras e rebaixar o valor desta
escalada.
E quantas montanhas também impedimos
que o outro escalasse? Ou quantas invadidas de pistas fizemos contra àqueles
que corriam a nossa frente? Fica uma lição para pensarmos.
É preciso coragem, foco e
determinação para buscar o bronze, caso a vida ou qualquer padre irlandês do
caminho tenha, momentaneamente,
atrasado a nossa busca pelo ouro e pelo primeiro lugar. Não um primeiro lugar
da vaidade, do luxo e do despropósito. Mas um primeiro lugar para vencer a nós
mesmos.
Aceitar os bronzes que a vida nos
dá nos trará ouros adiante. Podemos acreditar nisto. Aceitar os nossos bronzes
é silenciar os invejosos que, invalidados na estratégia de nos desestabilizar,
nada poderão nos causar.
Seguir e não parar é o pior que
podemos fazer contra os invejosos. A inércia é a principal parceira deles. E os
que fazem, interrompem a escolha que eles fizeram pelo retrocesso.
Os invejosos não possuem outra
arma que não o ataque à luz. São pobres do caminho, à espreita da nossa queda.
À espera da nossa derrota. Mas se o bronze também fizer sentido para nós, a
nossa luz continuará ofuscando aquele que sofre ao vê-la.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com um pensamento de Oscar Wilde, poeta irlandês, que diz:
“O número dos que nos inveja confirma
as nossas capacidades. ”
Vanderlei Cordeiro de Lima foi
vítima de um doente mental, mas antes disto: de um invejoso. Que bom que ele
não desistiu. A inveja daquele homem somente serviu para confirmar a capacidade
do atleta, como disse Oscar Wilde.
Que a desistência não faça parte
da nossa trajetória. Apenas se ela servir como traçado para novos caminhos
escolhidos por nós. Foi muito trabalhoso chegar até aqui. Não podemos desistir.
A nossa desistência é o alimento tão esperado dos invejosos que nos espreitam.
A subida é difícil, e exige demais de nossas pernas. E é aí, nesta difícil
subida, que o invejoso afia a arma para nos atacar. Reconhecendo-o,
continuaremos a nossa subida, como fez Vanderlei. Mas isto é para poucos. Apenas
para aqueles que decidiram calar os invejosos e, acima de tudo, valorizar os
bronzes do caminho. Que a gente, portanto, faça parte desta minoria.
Que a nossa decisão de continuar seja
a nossa grande arma contra aqueles que torcem para que fiquemos no raso, no
superficial, no começo da rampa.
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