terça-feira, 1 de agosto de 2017

Inversões necessárias

Frases soltas que muito dizem. Palavras isoladas, mas não no contexto. Falas longas, vazias e sem sentido, que muito espaço ocupam. O cansaço vem da valorização do vazio. A animação e o dinamismo surgem do valor e do sentido.

A economia inteligente que poupa o falar quando ele não se faz mais necessário. O desgaste se dá no excesso e na ausência. O equilíbrio é luxo.

Não se trata de brigar com quem pensa diferente da gente, mas sim de entender o motivo que o fez começar a lutar. Não se trata de punir os corruptos, mas de chegar antes deles. Por que não estávamos lá para termos fechado a porta?

Deixamos muitas portas indevidas abertas, e depois reclamamos que a visita demora a se retirar. O incômodo que se instalou com a nossa permissividade e com a nossa conivência. As coisas estão invertidas porque não cuidamos, não concedemos tempo para isto.

Os contrários também dizem. E é preciso ouvi-los. As inversões que não queremos perceber. Fomos ensinados a olhar o externo, e não o interno. E as inversões estão no interno, sob os tapetes que pisamos cujo tecido nem percebemos. É preciso dar conta dos nossos inversos, dos nossos avessos, dos nossos contrários. O tapete está bem alto, já. O que eles dizem incomoda, mas acomoda muitas coisas que estavam fora dos lugares.

A ordem doente cria a desordem. A desordem da vida e do viver retomam a ordem.

A parada obrigatória para apreciarmos a nossa estada aqui. Parar é uma condição para reequilibrar o nosso inapropriado agir.

Transformamos o incômodo em transtorno. Somos eficientes em fazer do saudável algo insalubre. Assim fica mais fácil remediar. Somos um dos fãs do Rivotril. Está certo isto? Por que não questionamos? Por que aceitamos este sequestro do nosso pensar? Por que o remédio tem mais espaço do que o alimento? Por que nos achamos sem saída? Por que ser um questionador, um perguntador e ter uma inquietude genuína é estar sujeito a ser diagnosticado com algum transtorno? Por que ser quieto é ser doente? Por que ser introvertido é dúvida para um possível problema? Por que medicamos os nossos sentimentos e as nossas angústias? Por que a tristeza, as angústias e o medo têm sido marginalizados? Por que tê-los nos faz menores?

A grandeza de um Homem está na sua capacidade e coragem de sentir e de expressar os seus sentimentos. Este deveria ser o nosso verdadeiro tamanho.

O remédio é fundamental quando o principal tiver sido proposto. Até lá, há vários passos e todos precisam ser dados. Não há atalhos. E se houver, foram criados por manipuladores.

Não se trata de resolver coisas previsíveis, mas de saber os motivos de não termos chegado antes. Não se trata de ensinar a ler e a escrever o idoso, mas de saber o motivo de ele não ter feito isto há mais tempo.

Vivemos uma era fragmentada de inteirezas sem sentido. Nossas vozes internas querem falar, mas ouvimos apenas as externas que pouco ou nada dizem. Mas ocupam espaços e preenchem vazios que ajudamos a construir. O barulho delas nos dá a sensação de estarmos fazendo muito. Mas o fato é que temos muitas informações e pouco conhecimento.

O problema do outro também deveria ser o nosso. Apreciamos a mão que se estende a nós, mas o nosso braço tem dificuldades de alcançar o próximo. “Estou sem tempo, agora”.

Sem generalizações, é preciso dizer que a nossa solidariedade é seletiva. Ajudamos o outro quando algo de nossos excessos sobra, ou quando temos pena. Mas não porque ele poderia ser a gente, literalmente. Não porque enxergamos potencial naquele marginalizado. Não porque a ajuda, sem interesses, está em nós. O fato de o outro estar numa condição precária alivia o nosso medo de estarmos lá. Como não estamos, a dor dele nos alivia e aí, livre deste medo, o ajudamos. Mas ainda é preciso limpar bem o caminho para avançarmos.

Enxergamos o problema do outro, muitas vezes, apenas quando ele nos serve de escada para atingirmos nossos questionáveis objetivos. E satisfeitos em nossas bases de areia, ainda somos vistos como aquele que faz o bem. Dar satisfações para uma sociedade que, de verdade, nem sabe quem somos, é relevante para muitos.

A irrelevância que sustenta vazios. O que verdadeiramente importa muitas vezes nem é percebido por nós. Aquele que já percebeu e faz de suas inversões um avanço, o problema do outro também é o seu. Este é solidário de verdade. E o mais importante: poucos sabem disto.

O silêncio e o anonimato são as armas preferidas dos que fazem o que precisa, dos que enxergam os próprios avessos, dos que constroem relevâncias por meio das próprias mãos e se recusam a assinar as obras. A assinatura deles não necessita ser vista.

Não se trata de valorizar a quantidade de likes, mas de se ter a certeza de ter feito um bom trabalho. Os likes são importantes, mas não deveriam ser determinantes.

O líder que se nomeia Líder, mas que não é reconhecido pela equipe.

Não se trata de tornar-se Líder de uma equipe, em dois anos, porque participou de um processo de Trainee de uma Empresa. Um Líder, em primeiro lugar, não é formado, mas sim reconhecido. E o desenvolvimento da própria formação se dá durante toda a vida e não num período de dois anos. Dois anos são suficientes, somente, para ratificar a nossa arrogância de achar que sabemos. Acreditar que dois anos seja o suficiente para alguém se tornar líder é, no mínimo, debochar da vida. Enquanto isto, as Empresas fingem que formam e os colaboradores fingem que acreditam.

Acreditar em caminhos fáceis e tendenciosos é ser parceiro da mediocridade.

O pai que chama a atenção do filho, mas que não dá atenção ao filho.

O tempo que nos falta para a leitura, mas que damos às redes sociais. O tempo dedicado a elas seria o suficiente para lermos bons livros que, inclusive, nos fariam entender o motivo de tamanha subserviência e servidão.

Bajulamos as novas gerações porque são arrojadas, destemidas, desbravadoras e dominam a tecnologia como ninguém. Será?! Quem é mais desbravador: aquele que constrói o caminho ou aquele que apenas o percorre? Quem é mais arrojado: aquele que usa, como ninguém, a tecnologia ou aquele que a criou? Quem é mais destemido: aquele que vai para as ruas pedir a prisão dos corruptos ou aquele que, de verdade, enfrentou os militares nas ruas e, literalmente, deu a vida por um País mais justo? Gritar a palavra “bandido”, na Paulista, como muito de nós fizemos é fácil quando se sabe que não se pode ser preso por isso. Mas enfrentar o Exército, de peito aberto, sofrer e dizer o que se pensa, como os verdadeiros arrojados fizeram, será que faríamos?

Se saber usar a tecnologia como ninguém, principalmente pelos mais jovens, tem sido motivo de vaidade para nós, no que nos tornaríamos se tivéssemos criado a tecnologia, então? Se somente saber usá-la (o que, de verdade, não fazemos mais do que a nossa obrigação) tem sido motivo de tanto barulho, o que seríamos se tivéssemos contribuído para a construção desta revolução? Portanto, quem é mesmo o revolucionário: aquele que cria ou aquele que somente usa? E aquele que criou certamente não faz parte das novas gerações...

Ser destemido numa sociedade que te cobra isto é fácil. Hoje somos convidados a expor a nossa opinião o tempo todo. Temos espaços para falar. Podemos protestar e hastear as nossas bandeiras diversas. Mas o verdadeiro desbravador é aquele que hasteia a sua bandeira quando é obrigado a recolhê-la. O verdadeiro destemido é aquele que enfrenta o preconceito sozinho, muitas vezes sem apoio. O verdadeiro arrojado é aquele que cria algo do nada, aquele que arrisca em condições completamente adversas.

Deveríamos nos envergonhar de achar que somos o que não somos. Por isso temos tantas dificuldades de olhar para os nossos avessos e contrários que, muito falam, mas que não são ouvidos. Somos importantes para o mundo, sim. Fazemos e fizemos boas coisas, sim. Mas é preciso nivelar a nossa régua e acomodar as nossas inquietações. Estamos muito arrogantes por conquistas que não conquistamos. Falamos três línguas e temos Pós no exterior, mas não sabemos lidar com as nossas frustrações.

Se o machismo tem sido posto em xeque, o mérito não é só nosso. Estamos dando sequência em assuntos iniciados. Iniciar um trabalho é muito mais crítico que sequenciá-lo. Caminhar por caminhos já pisados facilita mais da metade do caminho. É preciso, portanto, valorizar e reconhecer os verdadeiros. E não os que pegam caronas e que adoram colocar as suas assinaturas em obras cuja participação tem sido mínima, frente ao que foi iniciado e concluído pelos verdadeiros desbravadores.

Reconhecer a nossa participação e valorizar o nosso esforço é importante e merecedor. Mas daí a reivindicarmos os méritos e louros é, no mínimo, atestar a nossa pequenez.

Quem são os Heróis de hoje? Quem são os desbravadores de hoje? Quem são os destemidos de hoje? Importante antes de dizer, darmos uma passadinha na História...

Aquele que cria, que corre o risco, que enfrenta: este é o desbravador. O que usa tem o dever de levar adiante a obra, e não requerer elogios falaciosos.

Não podemos ser dignos de méritos que não merecemos. A dignidade se inicia no reconhecimento de quem sou e se desenvolve no espaço que me cabe, e não no espaço que invado por vaidade e despropósito.

Há um pensamento que diz: “pegue a sua caneta, a sua autonomia e o seu poder e assine coisas para o coletivo, e não apenas para si. ”

Não sei quem disse isto, mas traz reflexões. Acredito que seja isto o que nos falta: assinar coisas para o coletivo, como fizeram muitos dos que estiveram aqui, e não apenas para si. Atualmente há muitos também que assinam coisas para o coletivo, mas poderíamos ser um grupo de mais se não fosse a nossa teimosia num individualismo que não deu certo, num palco que só tem espaço para quem nos interessa e numa ajuda coletiva que ofertamos a quem nos dá algo em troca. Novamente, sem generalizações. Mas que é uma realidade, infelizmente, é.

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