domingo, 13 de maio de 2018

A eficiência ineficaz

A palavra eficiência pede férias. Não há uma palestra, treinamento, evento, reunião, trabalho que ela não seja pronunciada e requerida. Afinal, por meio dela, buscamos melhorar as nossas entregas, os nossos números, os nossos trabalhos. Ela nos ajuda a enxergar o que podemos melhorar naquilo que não vai bem.

Sempre quando ouço esta palavra me lembro da Khazzoum, uma professora de Língua Portuguesa que tive, na época da Faculdade. Ela sempre falava que o bom e velho dicionário deveria nos fazer mais companhia. Que “consultá-lo, era um sinal de inteligência”, dizia.  Lembro-me dela porque esta é uma daquelas palavras que utilizamos, indevidamente, como sinônimo de eficácia. E não é. Elas até podem ter propriedades que se entrecruzam. Mas não são sinônimos.

Eficiência é fazer bem alguma coisa. É ser rápido, preciso, conciso. É fazer bem. Cumprir o seu dever. Eficiência é dar bons resultados. Alguém competente e produtivo é alguém eficiente. Faz muito com poucos recursos e ainda com qualidade.

Eficácia é fazer a coisa certa, diferentemente de fazer certa a coisa. A eficácia, por se preocupar em fazer o que precisa ser feito, busca resultados relevantes e sustentáveis. Alguém eficaz produz um resultado que é esperado dele. Tem foco, sabe aonde quer chegar. Realiza o que precisa ser realizado, e não apenas o que foi pedido para realizar.

Eficiência é fazer certo as coisas. Eficácia é fazer as coisas certas.

Por estas e outras que, de verdade, um dicionário faz falta. Quando comparamos estes dois significados, os sentidos se descortinam e reflexões emergem.

Podemos, então, ser extremamente competentes fazendo o inútil e o desnecessário? Aquela triste sensação que certamente já tivemos ao enxugarmos gelo, na vida, acho que dá conta de nos mostrar que sim, podemos ser extremamente competentes fazendo o que não precisa ser feito ou o que não deveria mais ser feito.

imagem tirada da internet

Pensar que estamos fazendo coisas supérfluas e que muito do nosso tempo está sendo desperdiçado com o inútil e com o desnecessário é assustador. Principalmente porque corremos o tempo todo achando que, desta forma, daremos conta de tudo o que precisamos fazer. E quem falou que tudo o que precisamos fazer precisa ser feito?

Camuflamos nossas entregas sob o nome de eficiência. Muitas delas são bem-vindas e têm a sua utilidade, mas muitas não precisariam ter sido feitas. Ou seja, teríamos sido eficazes, e não, somente, eficientes.

Quando refletimos sobre esta questão, percebemos que a alienação sempre esteve ao nosso lado, nos fazendo companhia. Somos eficientes, mas não capazes de atentar para o que está sendo entregue e o porquê desta entrega. Ser eficiente é fundamental se quisermos nos aprimorar como seres, como profissionais. Mas apenas a eficiência não nos levará adiante. Ela nos deixará no meio do caminho, cheio de curvas, atalhos e placas nos indicando diversas direções cujo sentido e o significado nos escaparão.

A eficiência é fundamental no mundo da operação, mas a eficácia é essencial no mundo do sentido e da essência. Há eficiência sem eficácia. Porém, não há eficácia sem eficiência.

É preciso que estes falsos sinônimos comecem a nos incomodar. No incômodo, buscamos ajuda e conhecimento, mesmo num bom e velho dicionário. Ao começarmos a nos debruçar sobre o real sentido das palavras, a nossa vida vem atrás, querendo participar e se tornar mais eficaz, uma vez que eficiente ela já sabe que somos.

Gostamos do elogio. Somos vaidosos, orgulhosos e competitivos, muitas vezes. E a eficiência, se atingida, nos fará receber elogios, o que alimentará a nossa vaidade, o nosso orgulho e nos fará acreditar que competir é a melhor forma. Que estar no pódio é o melhor lugar.

Enxergamos alucinações do alto de um pódio e vemos coisas inexistentes em função das nossas visões deturpadas. Quando descemos do pódio, a nossa visão se amplia. Quando estamos no pódio a nossa visão se encurta.

A eficiência está para o pódio, assim como a eficácia está para a descida do pódio. Nada contra vitórias e medalhas. Mas podemos ser vitoriosos e ganharmos as nossas medalhas além desse lugar. E para enxergarmos sentido em outros lugares para alcançarmos as nossas vitórias, somente atingindo a eficácia em nossas vidas.

Conhecemos a eficiência porque somos eficientes em muitas situações de nossas vidas. Fundamental e necessária. Mas avançar para que a nossa eficiência esteja em sintonia com a nossa eficácia, é a nossa lição de casa que, a propósito, está atrasada para ser entregue.

Eficácia é a moeda de recompensa que a vida nos presenteia por ter visto o nosso esforço de desprendimento do nosso orgulho, vaidade. Pois não há como buscar a eficácia, em nós, sem encontrarmos estes ilustres visitantes tão confortavelmente alojados, dentro da gente.

Quando passamos a buscar a eficácia em nossa vida, uma angústia aflorará e dará o ar da graça. Mesmo conscientes da necessidade da busca da eficácia, precisaremos, muitas vezes, continuar no mesmo modelo por falta de condições para que a mudança se exerça. Ainda não nos é possível desvencilharmos destes velhos modelos. O fato de buscarmos as nossas reflexões, os nossos avanços e o nosso desenvolvimento não significam que os conseguiremos imediatamente. Por isso, mesmo fazendo nossas reflexões em busca da nossa eficácia, ainda assim, nos encontraremos não sendo eficazes, na vida. O tempo, a consistência da nossa busca e a regularidade darão conta de nos recolocar no caminho. Só não podemos desistir. Foi muito trabalhoso e custoso chegarmos até aqui.

Falhamos, muitas vezes, nas nossas entregas que seguem ineficientes. Mas corrigimos rapidamente a rota e seguimos. Temos facilidade de mapear os erros e reorganizar o caminho. Mas temos extensas dificuldades para perceber que ser eficaz está longe de ser eficiente.

Eficiente está no nível do intelecto, da razão, do fazer. Eficácia está no nível da emoção, do sentir, do propósito.

Para sermos eficientes, basta talento, vontade, disciplina, foco, prazo, atenção. Para sermos eficazes, no mínimo, é preciso nos conhecer. Sem isto, como fazer o que, de verdade, precisa ser feito?

Ser eficiente é fazer bem algo. Nossas mãos e mentes serão as grandes mestras. Ser eficaz é fazer a coisa certa, o que precisa ser feito. É um trabalho interno. É ouvir o que o coração tem a nos dizer. É fazer uma caminhada interna, sem guia e sem bússola.

Somos eficientes para entregar um trabalho. Mas ineficazes para perceber a necessidade do colega. Eficientes para cumprir prazos. Mas ineficazes para perceber que estes mesmos prazos não são o suficiente para que o trabalho tenha relevância e sustentabilidade.

Somos eficientes para apontar o erro. Mas ineficazes para o perdão. Eficientes para ganhar dinheiro. Mas ineficazes para fazê-lo como meio para algo maior, e não como um fim, em si.

Somos eficientes para a realização. Mas ineficazes para a compreensão. Eficientes na teoria. Mas ineficazes na prática.

Somos eficientes para a entrega de mais um brinquedo para o nosso filho. Mas ineficazes para entender a real necessidade dele. Eficientes para a realização de um curso. Mas ineficazes para aplicarmos o que aprendemos lá.

Se queremos ser eficientes, basta aprimorar a nossa técnica. Se queremos ser eficazes, imprescindível será aprimorar o nosso olhar.

Muitas vezes, somos eficientes apenas por conveniências e sustentação de nossas redes de políticas. Mas não há como sermos eficazes passando por este mesmo caminho. A eficácia exige caminhos distintos, mais tortuosos, menos lineares e cheio de incertezas. Um caminho difícil que somente aquele que iniciou sabe do que se trata. Mas ao caminhar por ele, a beleza da vista será indescritível.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma provocação de Peter Drucker, considerado o Pai da Administração Moderna, nascido no início do século XX, que diz:

“Não há nada tão inútil quanto fazer eficientemente o que não deveria ser feito”.

Que a gente não fuja desta reflexão. Apesar de incômoda, ela é necessária. Quando descobrimos que fazemos coisas de forma eficientes, porém desnecessárias, e que a eficácia passa, obrigatoriamente, por uma revisitação a nós mesmos, o caminho fica mais leve.

E mais eficaz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário