imagem tirada da internet
Cuidar do nosso jardim, e de tudo
o que há nele, é tarefa fundamental e intransferível. Podemos até contratar um
jardineiro. Mas ele imprimirá a identidade dele lá, e não a nossa. Ele até pode
nos ajudar a cuidar, mas o principal trabalho deve ser feito por nós, por
nossas mãos. Um trabalho pessoal, diário
e intransferível.
Quando nós mesmos cuidamos do que
é da nossa responsabilidade, tudo flui e parece estar no lugar. Com o nosso
jardim não é diferente. Cuidado e sendo
atendido como se deve, floresce. Marginalizado e demandado a terceiros,
empobrece e entristece.
Ao visitar o nosso jardim com
frequência, e cuidar dele, as folhas secas caídas são facilmente percebidas por
nós. E se neste momento, a maturidade estiver sendo uma de nossas principais
companheiras de jornada, abriremos um bom e velho saco e as colocaremos lá,
tendo o cuidado de abaixarmos, com toda a
humildade que ainda não temos, para pegá-las no chão. Outras, mais rápidas,
se deixam guiar pelo vento, e vão mais longe. Apressar o nosso passo será
preciso se quisermos alcançar as que estão distantes. Outras vão para debaixo
do banco do jardim, e ali, se não percebermos, ficarão um bom tempo. Após,
juntamos todas elas dentro do saco e ouvimos aquele barulhinho característico das folhas secas: um ruído incômodo nos
lembrando da limpeza ainda não realizada por
nós e do trabalho a ser feito.
Trabalho árduo, nossas mãos ficam
doloridas e machucadas. Mesmo colocando luvas. A preguiça e a procrastinação
são duas grandes aliadas do amanhã. É preciso tomar cuidado com elas. Possuem
discursos mansos e convincentes.
Enchemos um saco, e percebemos
que vamos precisar de outros para acomodar todas as folhas secas e matinhos do
nosso jardim. E aquele barulhinho seco da planta dizendo que “há algum tempo
você não passa aqui” faz eco em nossos ouvidos.
Aquele que frequentemente visita
o seu jardim não abre espaço para que folhas secas se acumulem. A limpeza
diária é uma grande aliada daquele que já compreendeu que o jardim é de
responsabilidade dele. É até prazeroso, se souber enxergar isto.
Aquele que não frequenta o
próprio jardim ou vai até ele esporadicamente, corre o risco de não mais
reconhecê-lo ao vê-lo. E não reconhecer algo é abrir mão de tudo aquilo que foi
construído. Um abrir de mãos da relação com a gente mesmo que favorece o enorme
acúmulo de folhas secas e barulhentas.
É preciso, portanto, conhecer,
reconhecer e compreender o nosso jardim, assim como a nossa relação com ele.
Quando desta forma fazemos, continuamos íntimos de nosso jardim e sustentada em
bases sólidas a nossa relação com ele, mesmo que algumas folhas secas estejam
perdidas e esquecidas. A solidez da relação que temos com o nosso jardim nos
fará irmos em busca de nossas folhas secas e darmos o devido destino a elas.
Que a intensidade e a constância
sejam as armas contra a preguiça e a procrastinação no momento de limparmos o
nosso jardim e de, mais importante, mantermos a frequência de limpá-lo e de
visitá-lo. Sem desculpas. Sem culpar o
outro pelas nossas folhas secas. Sem jogá-las para o quintal do nosso vizinho. Podem nunca enxergarem os nossos avessos.
Mas eles existem.
O cuidado que temos para com o
nosso jardim está ligado ao compromisso que mantemos com ele. A solidez se firma no cuidado. Um não se
dá sem o outro.
Cuidar, cuidado e compromisso
criam uma relação de confiança e nos dão a condição para Ser. O contrário cria
o vazio e a solidão.
Folhas secas representam a
ausência. Folhas saudáveis representam a vida.
Folhas secas representam a falta
de cuidado consigo, com o jardim e com a própria vida. Folhas saudáveis
representam o acordo sendo seguido. As respostas sendo dadas. A atenção sendo
dispensada.
Folhas secas representam o
descaso, o esquecimento, o depois, a vergonha, a vaidade. Folhas saudáveis
representam a plenitude, a dimensão do espaço que ocupamos no mundo, as nossas
bases muito bem estruturadas.
Folhas secas. Folhas saudáveis.
Possuímos as duas. De forma frequente e abundante. As secas nos chamam a
atenção para o que não está sendo feito. As saudáveis nos parabenizam por termos
acessado o caminho certo. Soubemos ler as placas corretamente. As secas fazem
barulho porque somente assim elas serão ouvidas. As saudáveis não fazem barulho
porque já conquistaram seu lugar ao sol.
As folhas secas possuem muito a
dizer, se soubermos ouvi-las. Talvez, desta forma, elas se afastarão dos nossos
jardins. E se afastando, é como se as tirássemos das margens da vida aonde as
colocamos durante todo o tempo da nossa ausência, em nosso jardim. Uma ausência
notada pelas folhas.
Um tempo de relevante ausência que foi capaz de torná-las secas.
Secas, somente nos resta
recolhê-las e, jamais, jogá-las para o quintal do nosso vizinho. A maturidade
não nos permitirá fazer isso, não é mesmo? De qualquer forma, somente na hora
de limparmos os nossos jardins é que saberemos como, verdadeiramente, agiremos. Afinal, nos conhecemos mais observando as
nossas reações do que as nossas ações. Na ação, estamos impregnados pelo
estatus, pela vaidade, pelo querer aparecer. Queremos mostrar um belo jardim.
Mas na reação, quando nossas folhas secas nos acusam, não temos tempo de pensar.
E, infelizmente, o quintal do nosso
vizinho pode se oferecer como uma solução eficiente.
Quem vai dizer que aquelas folhas não são do jardim dele?
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com um pensamento de Millôr Fernandes, que diz:
“Viver é desenhar sem borracha.”
Estejamos firmes no recolhimento
de nossas folhas secas e no cuidado do nosso jardim. Durante a vida,
receberemos, apenas, sacos para recolhermos as nossas folhas secas, e méritos
pelas saudáveis que construímos.
Mas nunca borrachas, para apagarmos o que quer que seja. Viver é, em uma
análise possível, ter atenção ao caminho que se constrói.
Um caminho que não permite voltas e nem ensaios.
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