sábado, 14 de julho de 2018

O nosso tamanho nos revela

Num mundo em que o nosso tamanho material nos diz o nosso lugar, ser grande se torna uma obsessão. Qualquer coisa diferente do conceito de grande que temos, de nada valerá. Mas o que é ser grande? Quando fazemos esta pergunta, um nó se cria e ficamos presos nos nossos contrassensos. Queremos tanto ser grandes. Buscamos esta grandeza. Mas o que ela significa?

Por que nos atrapalhamos com perguntas tão simples? Talvez seja porque seguimos, apenas, o caminho mais fácil e já pisado por muitos, como resposta para os nossos chamados internos. Como ficou determinado por alguém que o caráter material das coisas seria determinante para as nossas vidas, acreditamos. E desde esse dia, cujo alguém desconhecemos, seguimos o que ele diz como verdade: que o real tamanho é o material. Outro tipo de tamanho não nos interessa. Não faz parte da nossa rota e do que traçamos para nós e para os outros.

Acho que nos enganamos. Alguns já perceberam isso. Outros estão desconfiados. E outros tantos ainda se demoram lá do outro lado. O nosso tamanho material importa, sim, mas dentro do tamanho que ele verdadeiramente tem. Os exageros e os excessos nos cegam para vistas mais belas. Dispensamos a lupa que a vida, gentilmente, nos cede para enxergarmos melhor o mundo sobre o qual caminham os nossos pés.

Sermos grandes materialmente é recompensador se o nosso tamanho moral se sobrepor. Esta é a regra. A nossa grandeza moral, se existir, jamais permitirá o ofuscar de nossa vista. E despertos, poderemos aproveitar o nosso tamanho com dignidade. O nosso tamanho material nos permite desfrutar de coisas boas. Hipocrisia seria dizer o contrário. Mas é só. Nada além disso. E, infelizmente, como não percebemos esta sutileza, acabamos nos perdendo em nós mesmos, porque valorizamos demais algo que será, se não cuidarmos, o nosso próprio algoz: o nosso grande tamanho material.

Nossas grandezas materiais corrompem nossas atitudes enferrujadas e despreparadas. Nossas grandezas morais nos levam longe. Ensinam-nos sobre a importância da solidez e da constância. Elas nos preenchem enquanto as outras nos esvaziam.

Ser grande moralmente significa enxergar que a grandeza material poderá nos empobrecer, se não cuidarmos dos nossos olhares, atitudes e conclusões imaturas.

A nossa falta de percepção para ouvirmos as vozes dissonantes que aparecem em nós, apenas reforçam que estamos dando valor ao tamanho errado. Mas a vida ensina. De forma dura e pesada. No entanto, qual tem sido a nossa escolha para que esta dureza não nos alcance?

Grandes lições e aprendizados a Copa do Mundo nos trouxe. Não é apenas jogo de futebol. É um espaço de conversas e para conversas. Um espaço para, inclusive, repensarmos o nosso verdadeiro tamanho. Aquele que queremos ter.

A Seleção brasileira recheada de craques. Um País que tem um tamanho enorme no futebol, cuja taça de campeão foi levantada cinco vezes. E, devido a este tamanho, certamente acreditou no levantar de uma sexta vez. Um Brasil de camisa pesada, de passado forte, de talento certo. Mas que foi embora mais cedo para casa. Por que será?

A Argentina que tem, apenas, Messi como o seu principal jogador. Seleção forte e que também tem camisa pesada em função de passados memoráveis. Uma Argentina grande, que amedronta e que se impõe em função do seu tamanho. Mas que foi embora mais cedo para casa. Por que será?

A Itália, que representa uma das seleções mais bem-sucedidas no futebol, já levantou a taça quatro vezes. Tamanho inquestionável. Mas de qual tamanho falamos? Esta mesma Itália, cuja camisa pesa e intimida o seu adversário, não chegou a voltar para casa mais cedo porque nem saiu de casa. Nem foi classificada para a Copa. Por que será?

E assim poderia falar de Uruguai, Alemanha e Espanha que, inclusive, todos já estão em suas devidas casas também. Grandes e inquestionáveis. Mas este tamanho material não foi o suficiente para demonstrar a grandeza e o próprio tamanho de cada um deles.  Um tamanho maior que o material. Um tamanho que realmente importa e que faz a diferença.

Aprendemos, a duras penas, que o tamanho nos revela, seja ele qual for. E que a grandeza material de muitas seleções tenha as tornado pequenas. O próprio tamanho grande que temos nos diminui e nos recoloca no início da fila. Ou no final. Termos ido tão cedo para casa nos mostrou que outros tamanhos nos faltam. Como o aceitar a condição de aprendiz, de iniciante, e aceitar que o outro tem a mesma chance que a gente. Somos todos itinerantes.

Estamos tão acostumados a falhar e a fracassar. Fazemos isto com tamanha frequência, mas sem perceber. A nossa mediocridade que desfila de braços dados com a arrogância. Isso é fracassar. Isso é falhar.

Um somente ganhará. Não é porque alguém foi para casa mais cedo que significa falta de grandeza, de tamanho. Mas não me refiro a estes. Mas sim àqueles que foram para casa mais cedo por acreditarem que seus grandes tamanhos pudessem levá-los adiante e bem longe. Mas não foi o que aconteceu. Foram para casa mais cedo por permitirem que a cegueira do sucesso os conduzisse para velhas estradas. “O sucesso que te trouxe até aqui não será o mesmo que te levará adiante”, já dizia um executivo da Shell, na década de 70.

Somos grandes, temos camisas pesadas. Mas este peso nos cegou e deixamos de fazer muitas coisas. Conquistas alcançadas, justas e merecidas. Mas não podemos parar o trabalho e descansar nos louros dos troféus que criam poeira no armário. É preciso que o trabalho, qualquer que seja, caminhe progressivo, eficiente e regular. E saber que há outras camisas que participam também. Camisas mais leves, mas não menos expressivas. Quando não enxergamos o peso do outro, voltar para casa mais cedo poderá ser uma das opções que a vida se utilizará para nos recolocar no lugar.

Só há espaço para um vencedor, no pódio. Fora de lá, há espaço para todos os vencedores que quisermos ser. Basta nos enxergarmos com os tamanhos que temos, sem supervalorizarmos grandezas que não temos. Nossos tamanhos reais nos trazem uma mesa farta. É preciso nos sentar, nos acomodar e nos alimentar do que nos é servido.

Temos referências históricas importantes, mas não podemos fazer mau uso delas. É preciso respeitá-las como sinalizadoras de novas condutas e aprendizados. O nosso grande tamanho, em função do nosso passado, não necessariamente nos fará grande de novo. Talvez esta arrogância do sucesso é que nos faça pequenos, tão pequenos.

Pensar que o outro também tem direito ao sonho é se libertar do que nos prende. Estamos presos nos nossos paradigmas, nos nossos achismos. E isto só nos marcha para trás.

Dar nova ordem aos nossos contextos e estarmos desatentos às oportunidades e aos pedidos que são nossos, mas que nossas vozes altas calam. A dor que nos cobra que respeitar os nossos limites é fundamental se quisermos aumentar de tamanho. E para o verdadeiro.

Retrospectiva. Perspectiva. Expectativa. Três faces da mesma moeda. Um passado glorioso de grandezas merecidas. Um ponto de vista que nos impede de ver o outro. Uma crença de que podemos ser grandes mais uma vez, mas nos esquecemos de combinar com os russos.

É preciso cuidar das nossas fronteiras. Daquilo que achamos que podemos em função de um tamanho que não temos, porque nos esquecemos de cuidar de outros tamanhos importantes também. Cuidar das nossas intenções como um recurso. Somente assim, acredito, nossos tamanhos mudarão de patamar.

Deveríamos ser valorizamos pela pergunta que fazemos, e não pela resposta que damos. Estamos treinados em resolver questões, e não em formular e identificar perguntas. Por que deveríamos vencer? Esta é uma pergunta que deveria ter sido feita. Mas a que fizemos foi: “por que não vencemos”? A arrogância que vai em nós em função do tamanho material que temos. Nosso tamanho e algumas taças da Copa nos embriagaram mais que vinhos.

Necessário ensinar a questionar. Este bem se sustenta? Qual é o nosso tamanho? Será que não é, exatamente, o nosso grande tamanho que nos impede de crescer? Será que não é o tamanho material que nos impede de ver o nosso real tamanho?

É a pergunta que é feita que dá o sentido, a direção.

Ao lado de grandes e pesadas camisas, surge a Croácia, um pequeno País que jamais chegou a uma final de Copa do Mundo. Um time com algumas estrelas, mas essencialmente pautado na força do conjunto, do coletivo. Um time cujo apoio tem se dado por meio da garra, e não por meio de um nome renomado que ofusca os demais. Talvez por a Croácia não ter uma camisa grande e forte, está enxergando o próprio tamanho: o que transcende o material.

Os grandes, materialmente, continuarão vencendo. O mundo está repleto de inconsistências e de incongruências. Mas será um vencer sem o peso daquele que vence em função do conjunto e do todo, além da camisa. Algumas Seleções voltaram cedo, mas lutaram em conjunto. Uma volta digna. Mas algumas voltaram porque acreditaram no tamanho material que tinham, e realmente tinham. Mas se esqueceram do principal: o peso da união e do trabalhar em conjunto é superior ao peso de uma camisa. Correr por todos e para todos.

O nosso tamanho nos revela. E mesmo grandes materialmente, caímos e nos tornamos reféns de nós mesmos. Um tamanho grande que, exatamente por sermos grandes, nos resumiu a uma arrogância na fila dos que nos acompanham.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma provocação que diz:

“somos remetidos à pobreza, muitas vezes, para a conhecermos melhor. E assim, não nos julgarmos os melhores e os privilegiados.”

Não sei a fonte, mas vale o convite para o pensar. Não há mal algum em ser rico. A questão é achar-se apenas com esta condição na vida e, por consequência, se instalar na cadeira dos melhores e dos privilegiados. Se é que eles existem. Esta talvez seja a nossa primeira pobreza.  Por andarmos de braços dados com esta pobreza há bastante tempo, voltamos para casa mais cedo. Até poderíamos ter ficado mais tempo no jogo, empoderados da arrogância do nosso falso tamanho. Mas a vida é ocupada demais para ceder a caprichos.

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