As pessoas vão
As pessoas vêm
Vão a todos os lugares. Vêm nem sempre de todos eles
Vão porque precisam. Vão porque querem
Vêm porque não querem. Vêm porque alguém mandou
Vão para fazer
Vêm para saber
Vão para obedecer
Vêm para entristecer
Vão para começar
Vêm para esquecer
Tem gente que vem para que o outro chegue. Tem gente que sai
para que alguém entre
Tem gente que dá passagem; tem gente que emperra a passagem.
Tem gente que finge dormir para fazer “de conta” que não viu
Mas alguém avisou que o faz-de-conta é só para os livros e
memórias de Emília?
Tem gente que sai, tranca a porta e leva a chave. Mas tem
gente que deixa a chave embaixo do tapete
Tem gente que quer que você entre. Tem gente que finge não
estar em casa
Outros chegam porque outros foram embora. Às vezes em boa
hora; às vezes, não
Talvez os que foram não deveriam ter ido. Tem espaço para
todos. Será?
A pergunta sem resposta; a resposta sem pergunta. A pergunta
que não terá resposta. E a resposta que precisa de perguntas certas. E qual é a
pergunta certa? Será que ela existe?
O movimento paralisa. O excesso nos priva do pensar
As pessoas acordam enquanto outras dormem
As pessoas estudam enquanto outras tentam sobreviver
Tem gente que aprendeu a escrever o nome bem tarde; tem
gente que nunca aprenderá
Tem gente que ajuda a significar. Tem gente que só atrapalha
Acordar para poder levantar. Deitar para acordar
Tem gente que não sai e, portanto, o outro não consegue
entrar
Tem gente que não sai porque acha que o lugar é dele. Mas
ele ainda não se achou nem dentro dele
Tem gente que grita para esconder o medo da sua
insignificância
Tem gente que fala manso e sua mansidão ganha significado
longe
O movimento paralisa. A inércia faz pensar. O falar às vezes
é inoportuno. O silêncio é uma oração. A ferrugem denuncia a ausência
O silêncio é ausente nos dicionários da arrogância
Tem gente que fala quando deveria se calar
Tem gente que silencia quando deveria falar
As pessoas vão e vêm
O barulho dos passos ensurdece o som dos pássaros. Mas quem
os ouve?
Porque as pessoas vão e vêm, os pássaros vão precisar
esperar. Mas eles sabem. A gente não
As pessoas vão e vêm como figurantes pela vida: o figurante
não fala
O barulho dos pensamentos das pessoas é interrompido pela
pressa das buzinas
A vontade dos pensamentos das pessoas é interrompida por
mais uma meta a ser cumprida
As buzinas fazem vozes e escondem a tristeza que vai dentro
de cada um
A pressa das pessoas é um santo remédio para esconder a
tristeza
A tristeza resgata a gente para o nosso íntimo: um lugar que
há tempos não passamos. Onde fica o nosso íntimo, mesmo?
A inteligência tem reclamado seu estado de burrice frente à
forte obediência
As pessoas vão para aparecer
As pessoas vão para desaparecer
A figuração pela vida é um reflexo da toalha que jogamos no
chão e deixamos que o outro ganhasse a parada
As pessoas vão para destratar
As pessoas vêm para retratar
O destrato é a arte do descaso
Descaso para com a vida
A vida. A minha, a sua a nossa vida. Uma vida que está
sofrendo uma medicalização porque queremos controlar, com químicas, os nossos
sentimentos e as nossas dores
Nem os sentimentos e dores ganham espaço neste ir e vir
Estamos com pressa
Não dá tempo de sofrer
Não dá tempo de ficar triste
Não podemos parar a máquina das vaidades
Bendito seja o remédio que esconde o que o nosso íntimo
tenta nos mostrar
Por isso as pessoas vão e vêm
Para não verem as dores e nem os sentimentos seus, que dirá
os alheios
O remédio sendo feito de Deus: tomo e espero a cura
As pessoas vão e vêm
As pessoas vão para ajudar
As pessoas vão para atrapalhar
As pessoas vão e vêm sem saber para onde estão indo e nem
onde estão chegando
As pessoas vão e vêm
Vão para entender a fundo e o fundo das coisas
Vêm para ficar no raso: a superfície é sempre mais segura. O
que me perguntarem ali, vou saber responder
A mulher oprimida pela educação. O homem oprimido pela
obrigação
As pedras menores que há no caminho não podem ser retiradas
porque alguém as eternizou
As pedras maiores que há no caminho podem ser retiradas, mas
alguém não viu porque as pequenas impedem a visão das maiores
Tem gente que caminha em círculos e nem sabe
Tem gente que anda bem, mas somente sozinho
Tem gente que está perguntando, ainda, qual é o caminho
Tem gente que aprendeu faz tempo e já está fazendo pontes
para outros
Tem gente que anda bem no caminho que o outro trilhou
Tem gente que se perdeu faz tempo, e não sei se vai se
achar. Talvez ele se ache se recolher a toalha que ele mesmo lançou no chão
Tem gente que tem o que dizer, mas ninguém pergunta e nem
quer ouvir
Tem gente que não tem o que dizer, mas há muitos perguntando
o que ele acha, somente para servir de alimento para a vaidade e presunção de
alguns tantos que acreditam nisto. Coitados!
As pessoas vão e vêm
Para aonde vão? Não sei se elas sabem
O sinal tocou. Alguém tocou este sinal. Portanto é preciso
entrar
Mas o aprendizado se dá sem toques de sinais. Mas é preciso
entrar porque alguém mandou
E é este alguém que certamente faz parte daquele grupo de
pessoas que vão e que vêm
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