domingo, 5 de julho de 2015

As pessoas vão e vêm

As pessoas vão

As pessoas vêm

Vão a todos os lugares. Vêm nem sempre de todos eles

Vão porque precisam. Vão porque querem

Vêm porque não querem. Vêm porque alguém mandou

Vão para fazer

Vêm para saber

Vão para obedecer

Vêm para entristecer

Vão para começar

Vêm para esquecer

Tem gente que vem para que o outro chegue. Tem gente que sai para que alguém entre

Tem gente que dá passagem; tem gente que emperra a passagem. Tem gente que finge dormir para fazer “de conta” que não viu

Mas alguém avisou que o faz-de-conta é só para os livros e memórias de Emília?

Tem gente que sai, tranca a porta e leva a chave. Mas tem gente que deixa a chave embaixo do tapete

Tem gente que quer que você entre. Tem gente que finge não estar em casa

Outros chegam porque outros foram embora. Às vezes em boa hora; às vezes, não

Talvez os que foram não deveriam ter ido. Tem espaço para todos. Será?

A pergunta sem resposta; a resposta sem pergunta. A pergunta que não terá resposta. E a resposta que precisa de perguntas certas. E qual é a pergunta certa? Será que ela existe?

O movimento paralisa. O excesso nos priva do pensar

As pessoas acordam enquanto outras dormem

As pessoas estudam enquanto outras tentam sobreviver

Tem gente que aprendeu a escrever o nome bem tarde; tem gente que nunca aprenderá

Tem gente que ajuda a significar. Tem gente que só atrapalha

Acordar para poder levantar. Deitar para acordar

Tem gente que não sai e, portanto, o outro não consegue entrar

Tem gente que não sai porque acha que o lugar é dele. Mas ele ainda não se achou nem dentro dele

Tem gente que grita para esconder o medo da sua insignificância

Tem gente que fala manso e sua mansidão ganha significado longe

O movimento paralisa. A inércia faz pensar. O falar às vezes é inoportuno. O silêncio é uma oração. A ferrugem denuncia a ausência

O silêncio é ausente nos dicionários da arrogância

Tem gente que fala quando deveria se calar

Tem gente que silencia quando deveria falar

As pessoas vão e vêm

O barulho dos passos ensurdece o som dos pássaros. Mas quem os ouve?

Porque as pessoas vão e vêm, os pássaros vão precisar esperar. Mas eles sabem. A gente não

As pessoas vão e vêm como figurantes pela vida: o figurante não fala

O barulho dos pensamentos das pessoas é interrompido pela pressa das buzinas

A vontade dos pensamentos das pessoas é interrompida por mais uma meta a ser cumprida

As buzinas fazem vozes e escondem a tristeza que vai dentro de cada um

A pressa das pessoas é um santo remédio para esconder a tristeza

A tristeza resgata a gente para o nosso íntimo: um lugar que há tempos não passamos. Onde fica o nosso íntimo, mesmo?

A inteligência tem reclamado seu estado de burrice frente à forte obediência

As pessoas vão para aparecer

As pessoas vão para desaparecer

A figuração pela vida é um reflexo da toalha que jogamos no chão e deixamos que o outro ganhasse a parada

As pessoas vão para destratar

As pessoas vêm para retratar

O destrato é a arte do descaso

Descaso para com a vida

A vida. A minha, a sua a nossa vida. Uma vida que está sofrendo uma medicalização porque queremos controlar, com químicas, os nossos sentimentos e as nossas dores

Nem os sentimentos e dores ganham espaço neste ir e vir

Estamos com pressa

Não dá tempo de sofrer

Não dá tempo de ficar triste

Não podemos parar a máquina das vaidades

Bendito seja o remédio que esconde o que o nosso íntimo tenta nos mostrar

Por isso as pessoas vão e vêm

Para não verem as dores e nem os sentimentos seus, que dirá os alheios

O remédio sendo feito de Deus: tomo e espero a cura

As pessoas vão e vêm

As pessoas vão para ajudar

As pessoas vão para atrapalhar

As pessoas vão e vêm sem saber para onde estão indo e nem onde estão chegando

As pessoas vão e vêm

Vão para entender a fundo e o fundo das coisas

Vêm para ficar no raso: a superfície é sempre mais segura. O que me perguntarem ali, vou saber responder

A mulher oprimida pela educação. O homem oprimido pela obrigação

As pedras menores que há no caminho não podem ser retiradas porque alguém as eternizou

As pedras maiores que há no caminho podem ser retiradas, mas alguém não viu porque as pequenas impedem a visão das maiores

Tem gente que caminha em círculos e nem sabe

Tem gente que anda bem, mas somente sozinho

Tem gente que está perguntando, ainda, qual é o caminho

Tem gente que aprendeu faz tempo e já está fazendo pontes para outros

Tem gente que anda bem no caminho que o outro trilhou

Tem gente que se perdeu faz tempo, e não sei se vai se achar. Talvez ele se ache se recolher a toalha que ele mesmo lançou no chão

Tem gente que tem o que dizer, mas ninguém pergunta e nem quer ouvir

Tem gente que não tem o que dizer, mas há muitos perguntando o que ele acha, somente para servir de alimento para a vaidade e presunção de alguns tantos que acreditam nisto. Coitados!

As pessoas vão e vêm

Para aonde vão? Não sei se elas sabem

O sinal tocou. Alguém tocou este sinal. Portanto é preciso entrar

Mas o aprendizado se dá sem toques de sinais. Mas é preciso entrar porque alguém mandou

E é este alguém que certamente faz parte daquele grupo de pessoas que vão e que vêm

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