Como assim, paradoxos que não são
nossos? No mínimo contraditório...
Somos seres contraditórios,
paradoxos, em constante movimento de descobertas sobre nós. Fazem parte de
nossa essência. Mas como são contraditórias as nossas contradições e
contraditórios os nossos paradoxos, fazemos de conta que não são nossos. E
assim vamos.
Quero dormir, mas não posso. E
quando posso não tenho sono.
Quero falar, mas não me perguntaram
nada. E quando me perguntam, não sei o que dizer.
George Carlin, humorista
norte-americano, tem uma frase que diz:
“O paradoxo dos nossos tempos é
que temos edifícios mais altos e pavios mais curtos; estradas mais largas e pontos
de vista mais estreitos. ” E ele tem toda razão.
A questão é que dificilmente
assumimos que os pavios mais curtos são os nossos; achamos que as estradas não
estão tão largas assim, e o nosso ponto de vista sempre é dado de uma altura
que a vista do outro não alcança. Então o nosso está sempre certo!
Figura retirada da internet
Porém, o que não percebemos é que
o nosso ponto de vista nos aprisiona da nossa vista. E aí, o ponto de vista do
outro pode estar certo. E em muitas vezes está.
Quando pensamos que estamos indo,
voltamos; e quando voltamos, está na hora de recomeçar. Esta é a vida:
paradoxos, contradições, dúvidas e certezas.
Uma vez perguntaram para a atriz Fernanda Montenegro quantos pregos ela
tinha visto naquele dia. Estranhando a pergunta, ela respondeu: “Não sei, acho
que nenhum. É difícil encontrar um prego.” Responderam a ela: “Difícil porque
você não observou. Tente observar, a partir de agora, e veja quantos pregos
você encontrará. “ E assim ela fez. E no dia dessa entrevista ela disse, rindo,
que realmente passou a encontrar mais pregos em sua vida.
Utilizando este raciocínio, passei a observar exemplos de contradições e
paradoxos que existem. E realmente foram muitos os que encontrei:
- sobre o juramento dos médicos ao receberem os diplomas: “…Praticarei a
minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a
minha primeira preocupação...”.
Sem generalizações, não é isto o que encontramos. Recentemente foi descoberta uma quadrilha de
médicos que forjava pedidos de cirurgias desnecessárias, referentes a pacientes
saudáveis. Desta forma, estes “profissionais” recebiam o valor do convênio e de
instituições públicas. Há outros que pedem os exames aos poucos, aos pacientes.
Desta forma, podem cobrar novas consultas. Triste contradição: aquele que
deveria zelar pela nossa vida, a transforma num comércio;
- paramos o nosso carro na vaga do idoso porque vamos “só até ali”. Uma vez um
repórter flagrou uma motorista cometendo esta infração e ao ser questionada, respondeu:
“Ué, mas não tem vaga para mim…o idoso tem mais tempo do que eu…”;
- a escola que deveria educar, mas não educa; a
rua, que não tem este papel, educa. Tortamente, mas educa;
- muitos frequentam a escola, mas saem quase analfabetos: ainda temos
milhões de analfabetos num País cuja Educação é um direito, porém não exercido;
- a mentira que de tanto ser contada torna-se verdade;
- a novela das nove perdeu audiência porque a homossexualidade de duas
personagens mais velhas foi rejeitada. Por que esta rejeição? Por que são
atrizes de mais idade? Por que são consagradas? Por que achamos feio? Qual é o
problema senão o paradoxo do nosso SER?;
- o carro que tem tantos cavalos, mas de verdade, como e aonde usá-lo?;
- o nosso celular que é tão veloz, mas que nunca temos aquele “minutinho”
para falar com um amigo. “Está uma correria. Eu ia te ligar, você acredita?” Falamos
isto, não falamos?;
- a rapidez que paralisa;
- aquela promoção de uma pessoa a um cargo de liderança, que não possui um
traço de liderança, e que foi promovida por uma outra pessoa que não entende
nada de Liderança…
São muitas as reflexões…
Vivemos cada vez mais trancafiados, mesmo com o sol nos convidando para um
passeio.
Vivemos num País de fartura em meio à pobreza. Poucos com tanto; muitos sem
nada.
Uma dona-de-casa, do Rio de Janeiro, foi entrevistada no momento em que
comprava tomates, na feira. E ao ser questionada sobre os preços, disse: “às
vezes recorro à xepa”. Mas o Congresso continua andando com carros importados e
com motoristas particulares, que, acredito, não conhecem a “xepa”. Eles podem?
Não. O dinheiro que eles usam é nosso.
Somente o setor bancário lucrou vários bilhões de reais neste semestre, e
no outro, no outro…
Somos um povo endividado e que permite se deixar estimular para o
endividamento. Isto explica este assombroso e vergonhoso lucro. Uma vez
perguntaram a um conhecido banqueiro brasileiro: “ O Senhor não acha que lucra
muito?” E ele respondeu: “Vocês, jornalistas, só olham para os nossos ganhos.
Mas temos muitos gastos, também.” Confesso que fiquei até com pena! Estes,
também, não conhecem a “xepa”, daquela dona-de-casa.
Nossa sociedade é produtora de medos. Depois ela vem com a solução para vendê-la
a nós. E a gente compra em dez vezes no cartão.
O governo utiliza a palavra manobra como sinônimo de adequação às
necessidades do cenário. Mas acho que eles têm um dicionário próprio. No nosso,
manobra, significa dar outro destino para uma promessa que eles não cumpriram.
O ponto final encerra um raciocínio; a vírgula é uma breve pausa; e o
ponto-e-vírgula é uma pausa maior. Assim é. Mas teve um jornalista famoso que
disse que “na dúvida quando utilizar estes três, utilize o ponto”. Isto é o que
dá se meter naquilo que não conhece. Por que ele não cuida só das matérias dele?
Estaria de bom tamanho, não?
Os americanos orgulham-se da
educação que possuem, mas não conseguem dar conta do racismo. Que só vai ser
extinto quando nos preocuparmos menos com Harvard
e Stanford, e mais com o que bate a
nossa porta, mas insistimos em não abri-la. Há muitas coisas relevantes se
passando fora dos portões de Harvard
e de Stanford.
Harvard é importante, mas quem tem acesso a ela? Harvard é para poucos. No máximo, conhecimento
sobre pesquisas que são feitas e mesmo assim, depois do filtro que os jornais
locais fazem.
Os intelectuais do Vale do
Silício restringem o uso de eletrônicos de seus filhos. Este é o melhor e mais
provocador de todos os paradoxos.
Um garoto de 15 anos, brasileiro,
ganhou medalha de ouro na Olimpíadas de Matemática, e está a caminho dos EUA para
estudar. E o Josenildo, um cidadão do Piauí, que chorou ao conseguir ler o
letreiro do ônibus, pela primeira vez, como recompensa por participar do Programa
de Alfabetização de Adultos, da Igreja de seu bairro.
Queremos as medalhas, mas
tropeçamos no verbo to be. Que não
significa somente ser e estar, mas a
dúvida sobre “queremos ser ou não. ” Esta é a questão. Foi isto que Shakespeare
disse, já naquela época. Gênio. E ele
nunca se preocupou em ganhar medalhas. Quando se é bom, as medalhas chegam até
você, não precisa se preocupar com elas.
Precisamos acordar cedo mas vamos
dormir tarde.
Achamos que somos solidários, mas
por que não doamos nem o nosso supérfluo?
Há um abismo entre o querer ser e
o que realmente é. Fazemos questão de esconder o abismo. No mínimo, se ele
insistir em aparecer, diremos que é uma pequena rachadura que se deu devido à chuva.
Um chefe de poder do nosso País,
ao ser investigado, disse que “não vai admitir que uma AUTORIDADE, como ele, seja
tratada desta forma. ” A pergunta que fica é: que forma? Por que ele não pode
ser investigado? Ele não deve conhecer a tal da “xepa”.
Somos paradoxos. Temos paradoxos.
Criamos paradoxos. Sustentamos paradoxos. Perpetuamos paradoxos.
“Não tenho medo do escuro, mas
deixe as luzes acesas”, diz a música.
O estilista que disse, numa palestra,
que a marca dele não fazia numeração acima do 42 porque era feio. “Não veste
bem”, disse.
Um turista disse que somos
“acolhedores”. Mas e a “Gordofobia”? E a Homofobia? Ainda bem que ele ficou
tempo insuficiente aqui para descobrir...
Difícil andar quando o cansaço
das pernas não te permite dar um passo além.
Mover-se quando a vontade é de se
recolher. Falar quando a vontade é se calar.
Quem está lá fora? Quem será? Ligou
antes para dizer que vinha?
Querer respostas, mas não saber
uma palavra depois do “e agora? ”
A velhice não valorizada. O culto
à juventude se dá numa sociedade de curto prazo. Somente fica jovem quem morre
cedo. A juventude é jovem demais para saber disso.
Mas o saber requer tempo, que
somente quem viver terá oportunidade de desfrutá-lo.
Conseguir ver o sol, apesar do
cinza, é para poucos.
A promessa sem promessa de ser
cumprida. “Passa lá. ” “A gente se vê. ” “A gente se fala. ”
A informação que parece
desinformação. De que adianta tanta informação se não sabemos o trajeto?
A consistência e a regularidade viraram
caretas e ultrapassadas.
O desafio é conseguir ser rápido,
porém sem tanta pressa. E assim, nos disciplinarmos para que tenhamos a
liberdade de desobedecer.
Enfim, o paradoxo dos nossos
dias, dos dias de ontem, de anteontem, os de amanhã e os de depois de amanhã. E
os que virão.
Aceitar que nem sempre vão pedir
a sua opinião. E se pedirem, muitas vezes será somente por educação, e não por
interesse verdadeiro.
Como dar conta disso tudo? Eis a
questão, como disse Shakespeare.
Um caminho talvez seja o de aceitar
que a gente não vai dar conta de tudo. Ou você achou que daria? Somente aquele
que assume sua pequenez pode se dizer grande.
Está aí outro paradoxo que merece
uma boa reflexão.
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