segunda-feira, 27 de julho de 2015

Os paradoxos que não são nossos

Como assim, paradoxos que não são nossos? No mínimo contraditório...

Somos seres contraditórios, paradoxos, em constante movimento de descobertas sobre nós. Fazem parte de nossa essência. Mas como são contraditórias as nossas contradições e contraditórios os nossos paradoxos, fazemos de conta que não são nossos. E assim vamos.

Quero dormir, mas não posso. E quando posso não tenho sono.

Quero falar, mas não me perguntaram nada. E quando me perguntam, não sei o que dizer.

George Carlin, humorista norte-americano, tem uma frase que diz:

“O paradoxo dos nossos tempos é que temos edifícios mais altos e pavios mais curtos; estradas mais largas e pontos de vista mais estreitos. ” E ele tem toda razão.

A questão é que dificilmente assumimos que os pavios mais curtos são os nossos; achamos que as estradas não estão tão largas assim, e o nosso ponto de vista sempre é dado de uma altura que a vista do outro não alcança. Então o nosso está sempre certo!

Figura retirada da internet

Porém, o que não percebemos é que o nosso ponto de vista nos aprisiona da nossa vista. E aí, o ponto de vista do outro pode estar certo. E em muitas vezes está.

Quando pensamos que estamos indo, voltamos; e quando voltamos, está na hora de recomeçar. Esta é a vida: paradoxos, contradições, dúvidas e certezas.

Uma vez perguntaram para a atriz Fernanda Montenegro quantos pregos ela tinha visto naquele dia. Estranhando a pergunta, ela respondeu: “Não sei, acho que nenhum. É difícil encontrar um prego.” Responderam a ela: “Difícil porque você não observou. Tente observar, a partir de agora, e veja quantos pregos você encontrará. “ E assim ela fez. E no dia dessa entrevista ela disse, rindo, que realmente passou a encontrar mais pregos em sua vida.

Utilizando este raciocínio, passei a observar exemplos de contradições e paradoxos que existem. E realmente foram muitos os que encontrei:

- sobre o juramento dos médicos ao receberem os diplomas: “…Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação...”. Sem generalizações, não é isto o que encontramos.  Recentemente foi descoberta uma quadrilha de médicos que forjava pedidos de cirurgias desnecessárias, referentes a pacientes saudáveis. Desta forma, estes “profissionais” recebiam o valor do convênio e de instituições públicas. Há outros que pedem os exames aos poucos, aos pacientes. Desta forma, podem cobrar novas consultas. Triste contradição: aquele que deveria zelar pela nossa vida, a transforma num comércio;

- paramos o nosso carro na vaga do idoso porque vamos “só até ali”. Uma vez um repórter flagrou uma motorista cometendo esta infração e ao ser questionada, respondeu: “Ué, mas não tem vaga para mim…o idoso tem mais tempo do que eu…”;

- a escola que deveria educar, mas não educa; a rua, que não tem este papel, educa. Tortamente, mas educa;

- muitos frequentam a escola, mas saem quase analfabetos: ainda temos milhões de analfabetos num País cuja Educação é um direito, porém não exercido;

- a mentira que de tanto ser contada torna-se verdade;

- a novela das nove perdeu audiência porque a homossexualidade de duas personagens mais velhas foi rejeitada. Por que esta rejeição? Por que são atrizes de mais idade? Por que são consagradas? Por que achamos feio? Qual é o problema senão o paradoxo do nosso SER?;

- o carro que tem tantos cavalos, mas de verdade, como e aonde usá-lo?;

- o nosso celular que é tão veloz, mas que nunca temos aquele “minutinho” para falar com um amigo. “Está uma correria. Eu ia te ligar, você acredita?” Falamos isto, não falamos?;

- a rapidez que paralisa;

- aquela promoção de uma pessoa a um cargo de liderança, que não possui um traço de liderança, e que foi promovida por uma outra pessoa que não entende nada de Liderança…

São muitas as reflexões…

Vivemos cada vez mais trancafiados, mesmo com o sol nos convidando para um passeio.

Vivemos num País de fartura em meio à pobreza. Poucos com tanto; muitos sem nada.

Uma dona-de-casa, do Rio de Janeiro, foi entrevistada no momento em que comprava tomates, na feira. E ao ser questionada sobre os preços, disse: “às vezes recorro à xepa”. Mas o Congresso continua andando com carros importados e com motoristas particulares, que, acredito, não conhecem a “xepa”. Eles podem? Não. O dinheiro que eles usam é nosso.

Somente o setor bancário lucrou vários bilhões de reais neste semestre, e no outro, no outro…

Somos um povo endividado e que permite se deixar estimular para o endividamento. Isto explica este assombroso e vergonhoso lucro. Uma vez perguntaram a um conhecido banqueiro brasileiro: “ O Senhor não acha que lucra muito?” E ele respondeu: “Vocês, jornalistas, só olham para os nossos ganhos. Mas temos muitos gastos, também.” Confesso que fiquei até com pena! Estes, também, não conhecem a “xepa”, daquela dona-de-casa.

Nossa sociedade é produtora de medos. Depois ela vem com a solução para vendê-la a nós. E a gente compra em dez vezes no cartão.

O governo utiliza a palavra manobra como sinônimo de adequação às necessidades do cenário. Mas acho que eles têm um dicionário próprio. No nosso, manobra, significa dar outro destino para uma promessa que eles não cumpriram.

O ponto final encerra um raciocínio; a vírgula é uma breve pausa; e o ponto-e-vírgula é uma pausa maior. Assim é. Mas teve um jornalista famoso que disse que “na dúvida quando utilizar estes três, utilize o ponto”. Isto é o que dá se meter naquilo que não conhece. Por que ele não cuida só das matérias dele? Estaria de bom tamanho, não?

Os americanos orgulham-se da educação que possuem, mas não conseguem dar conta do racismo. Que só vai ser extinto quando nos preocuparmos menos com Harvard e Stanford, e mais com o que bate a nossa porta, mas insistimos em não abri-la. Há muitas coisas relevantes se passando fora dos portões de Harvard e de Stanford.

Harvard é importante, mas quem tem acesso a ela? Harvard é para poucos. No máximo, conhecimento sobre pesquisas que são feitas e mesmo assim, depois do filtro que os jornais locais fazem.

Os intelectuais do Vale do Silício restringem o uso de eletrônicos de seus filhos. Este é o melhor e mais provocador de todos os paradoxos.

Um garoto de 15 anos, brasileiro, ganhou medalha de ouro na Olimpíadas de Matemática, e está a caminho dos EUA para estudar. E o Josenildo, um cidadão do Piauí, que chorou ao conseguir ler o letreiro do ônibus, pela primeira vez, como recompensa por participar do Programa de Alfabetização de Adultos, da Igreja de seu bairro.

Queremos as medalhas, mas tropeçamos no verbo to be. Que não significa somente ser e estar, mas a dúvida sobre “queremos ser ou não. ” Esta é a questão. Foi isto que Shakespeare disse, já naquela época. Gênio. E ele nunca se preocupou em ganhar medalhas. Quando se é bom, as medalhas chegam até você, não precisa se preocupar com elas.

Precisamos acordar cedo mas vamos dormir tarde.

Achamos que somos solidários, mas por que não doamos nem o nosso supérfluo?

Há um abismo entre o querer ser e o que realmente é. Fazemos questão de esconder o abismo. No mínimo, se ele insistir em aparecer, diremos que é uma pequena rachadura que se deu devido à chuva.

Um chefe de poder do nosso País, ao ser investigado, disse que “não vai admitir que uma AUTORIDADE, como ele, seja tratada desta forma. ” A pergunta que fica é: que forma? Por que ele não pode ser investigado? Ele não deve conhecer a tal da “xepa”.

Somos paradoxos. Temos paradoxos. Criamos paradoxos. Sustentamos paradoxos. Perpetuamos paradoxos.

“Não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas”, diz a música.

O estilista que disse, numa palestra, que a marca dele não fazia numeração acima do 42 porque era feio. “Não veste bem”, disse.

Um turista disse que somos “acolhedores”. Mas e a “Gordofobia”? E a Homofobia? Ainda bem que ele ficou tempo insuficiente aqui para descobrir...

Difícil andar quando o cansaço das pernas não te permite dar um passo além.

Mover-se quando a vontade é de se recolher. Falar quando a vontade é se calar.

Quem está lá fora? Quem será? Ligou antes para dizer que vinha?

Querer respostas, mas não saber uma palavra depois do “e agora? ”

A velhice não valorizada. O culto à juventude se dá numa sociedade de curto prazo. Somente fica jovem quem morre cedo. A juventude é jovem demais para saber disso.

Mas o saber requer tempo, que somente quem viver terá oportunidade de desfrutá-lo.

Conseguir ver o sol, apesar do cinza, é para poucos.

A promessa sem promessa de ser cumprida. “Passa lá. ” “A gente se vê. ” “A gente se fala. ”

A informação que parece desinformação. De que adianta tanta informação se não sabemos o trajeto?

A consistência e a regularidade viraram caretas e ultrapassadas.

O desafio é conseguir ser rápido, porém sem tanta pressa. E assim, nos disciplinarmos para que tenhamos a liberdade de desobedecer.

Enfim, o paradoxo dos nossos dias, dos dias de ontem, de anteontem, os de amanhã e os de depois de amanhã. E os que virão.

Aceitar que nem sempre vão pedir a sua opinião. E se pedirem, muitas vezes será somente por educação, e não por interesse verdadeiro.

Como dar conta disso tudo? Eis a questão, como disse Shakespeare.

Um caminho talvez seja o de aceitar que a gente não vai dar conta de tudo. Ou você achou que daria? Somente aquele que assume sua pequenez pode se dizer grande.

Está aí outro paradoxo que merece uma boa reflexão.

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