segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Elementar, meu caro Watson...

Sherlock Holmes e Dr. Watson vão acampar.

Montam uma barraca e, depois de uma boa refeição e uma garrafa de vinho, deitam-se para dormir. Algumas horas depois, Holmes acorda e cutuca seu fiel amigo:

- Meu caro Watson, olhe para cima e diga-me o que vê.

Watson responde:

- Vejo milhares e milhares de estrelas.

Holmes então pergunta:

- E o que isto significa?

Watson pondera por um minuto, depois enumera:

1) astronomicamente, significa que há milhares e milhares de galáxias e, potencialmente, bilhões de planetas;

2) astrologicamente, observo que Saturno está em Leão e teremos um dia de sorte;

3) temporalmente, deduzo que são aproximadamente 03h15, pela altura em que se encontra a estrela polar;

4) teologicamente, posso ver que Deus é todo poderoso e somos pequenos e insignificantes; e

5) meteorologicamente, suspeito que teremos um lindo dia amanhã. Correto?

Holmes fica um minuto em silêncio, então responde:

- Watson, nada disso! Significa apenas que roubaram nossa barraca!

Portanto, emprestando o termo de Sherlock, elementar, também, é a arte de simplificar as coisas. A vida, acredito, é mais simples do que fazemos dela.



Sherlock Holmes dizia: “Você vê, mas não observa. ” E realmente a observação está ficando para segundo plano. Observamos pouco. Conhecemo-nos pouco. Interagimos pouco.

O descomplicar as coisas passa pela observação, pelo pensar, pelo refletir, pelo conhecer, pelo interagir. Se fizéssemos isto mais e frequentemente, seria possível aparar as nossas arestas mais facilmente e, sem arestas, enxergaríamos realmente o que precisa ser visto.

Descomplicar é complicado. É complicado ser simples. Porque o simples não tem respaldo na vaidade, nas falsas verdades. Ele é simples e pronto. Visível, aparente e transparente. No entanto, o complicado e o prolixo têm respaldos que a simplicidade, há muito tempo, abriu mão. E abrir mão tem o seu preço: o olhar descrente daquele que te critica, e diz: “mas é só isso? ” Só que este “só isso” já disse tudo e demorou um longo tempo para ser construído.  Então para que mais?

Ser simples é estar exposto a um mundo que complica demais as coisas, que vê valor no complicado. Simplificar é favorecer o acesso, a participação, o grupo, o avanço.

Ser simples significa descortinar, mostrar. Descortinar significa deixar mais pessoas entrarem na sua conversa, e não somente aqueles que fizeram um curso na faculdade de primeira linha, e que, portanto, têm visibilidade na sociedade dos vaidosos.

Ser simples é o contrário de ser complicado, que é aquele que adora uma extravagância e que faz questão de dizer coisas que as pessoas não entendem. Foi uma das maneiras que ele encontrou, na vida, de se sentir importante e melhor do que o outro.

Aquele que é simples favorece o que tem valor e significado; aquele que é complicado favorece os números, a quantidade, a propaganda, o cargo, a primeira página.

Confundimos, ainda, ser simples com ser simplista. Ser simples, como dizia Leonardo da Vinci, é “o último grau de sofisticação”, ou seja, um lugar aonde poucos vão chegar. Ser simplista é menosprezar o fundamental, o imprescindível para que todos o compreendam.

Ir direto ao ponto, sem voltas e sem rodeios, é uma construção. Não conseguiremos isto da noite para o dia. É um processo. Não dar voltas e descomplicar as coisas, o nosso trabalho e tudo o que nos cerca são pontos fundamentais se queremos ser eficientes.

Complicamos, também, porque achamos que isto nos fará ser mais respeitados. Mas o respeito nasce da admiração que se tem. E só admiramos a quem respeitamos.

Simplificar é um convite para rever etapas desnecessárias e, assim, se ter mais tempo para o que realmente importa. É destituir-se da vaidade de que somente os complicados e os muito complicados enxergam valor.

Simplificar é não ocupar o tempo do outro com as nossas prioridades, com as nossas complicações, com as nossas vaidades. Simplificar é sentir um profundo alívio ao dizer: “não sei”.

Dizer “Eu não sei” é libertador. E perigoso, também. Porque esta liberdade de dizer que não sabe fará de nós, muitas vezes, solitários no caminho. Por isto devemos escolher o nosso caminho sem olharmos para trás. E como diz a música: “não fique procurando o que perder”.

Ser simples é diminuir as etapas para se ter qualidade nas que ficarem. É preocupar-se com a qualidade e não com a quantidade. Se somente a quantidade brilhar os nossos olhos, estejamos certos de que a qualidade de tudo o que fizermos estará comprometida.

A quantidade, portanto, altera a qualidade.

Ser simples é ser eficiente. É fazer a reunião quando realmente ela for necessária, e não porque a prolixidade e a ineficiência são nossas parceiras.

Marcamos uma reunião para falarmos sobre outra reunião. Quem nunca fez isto, pode, por favor, atirar a primeira pedra?

Ser simples é ter uma linguagem cujo significado todos entendam. E ter uma linguagem simples não é falar errado, não é utilizar termos vulgares e populares. Mas sim, dizer o que precisa ser dito, é ser acessível a todos e não somente àqueles de interesses pessoais. Falar difícil e complicado cria uma barreira e afasta o outro.

Ser simples e, consequentemente, ter uma vida simples e eficiente implica uma mudança. E mudar requer uma capacidade de compreensão, de desejo de transformação e de desenvolvimento. Implica uma mudança na postura do pensamento.

A vida não é para ser vivida linearmente, alguém já disse isto.

O sucinto escorrega na falta; o prolixo no excesso.

Por que, então, complicamos? Vários são os motivos: desconhecimento, medo, vaidade, procrastinação, prolixidade, burocracia, falta de humildade, etc. Portanto, encontrar a causa do problema fará toda a diferença em nossa vida. Parece óbvio, mas não fazemos.

Por onde começar, então? Questionando-nos e buscando conhecimento. Quem não se conhece vive à deriva e viver à deriva é um convite a complicações. Precisamos ter foco e nos perguntar:  “Por que complicamos? Por que não conseguimos decidir? ”

O diálogo conosco nos levará para uma conscientização do nosso erro, das nossas negações. Porém, será preciso aceitá-los. Aceitar que complicamos as coisas ajudará bastante para iniciarmos o nosso processo de mudança. Portanto, o dialogar conosco é crucial. Precisamos nos ouvir e conversar com pessoas da nossa confiança. Aceitar opiniões diferentes. E lembrar-nos de que o diferente não é errado. É só diferente. Simples assim.

Precisamos saber qual é o nosso diferencial. Isto nos ajudará a seguir nos momentos da travessia, da mudança. O nosso diferencial não nos deixará desistir.

Para encerrar o texto, mas não a reflexão, deixo aqui uma frase do próprio Sherlock, que diz:

“O mais importante da vida não é a situação em que estamos, mas a direção para a qual nos movemos. ”

Portanto, se quisermos nos mover para a direção correta, certamente a simplicidade deverá fazer parte do nosso caminho.

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