segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Você amolou o seu machado hoje?

Havia um jovem lenhador que ficava impressionado com a eficácia e com a rapidez que um velho e experiente lenhador cortava e empilhava as madeiras que cortava.

Além de admirá-lo, o jovem desejava se tornar tão bom quanto o velho homem e quem sabe, até melhor que ele na arte de cortar madeiras.

Certo dia, o rapaz procurou o velho lenhador para aprender este ofício. Alguns dias depois, o jovem entendeu que havia aprendido tudo o que podia com o velho e que, pensando bem, o lenhador não era tão bom assim.

Arrogante, o jovem propôs um desafio ao velho lenhador: ganharia o prêmio quem cortasse mais madeiras. E o experiente lenhador aceitou o desafio: de um lado, o jovem incansável. Mantinha-se firme, cortando as suas árvores sem parar; do outro, o velho lenhador, desenvolvendo o seu trabalho, silencioso, tranquilo, firme e sem cansaço.

Num dado momento, o jovem olhou para trás para observar como estava o velho lenhador, e, surpreso, o viu sentado. O jovem sorriu e pensou: “Além de velho e cansado, está ficando tolo. Por acaso não sabe que estamos numa disputa? ”

Assim, o jovem prosseguiu cortando a lenha sem parar, sem descansar um minuto.

Ao final do tempo estabelecido, foi constatado que o velho havia cortado quase duas vezes mais árvores do que o jovem. Espantado e irritado, ele questionou:

- Velho, qual é o seu segredo para cortar tantas árvores? Além disto, parei para observá-lo e o vi sentado e tranquilo. No entanto eu não parei um minuto para descansar.

E o velho, sabiamente, respondeu:

- Todas as vezes em que você me viu sentado, eu não estava parado, descansando. Eu estava amolando o meu machado!

Bela reflexão...

Existem muitas coisas na vida que são indelegáveis. E uma delas é amolar o nosso machado. Este exercício é individual, particular, intransferível. Não deve ser delegado.

Delegamos coisas indelegáveis. E deixamos de delegar aquilo que deveríamos. E com o nosso machado não seria diferente: há muitos de nós delegando este amolar.

Amolar vem de (a + mola + ar) e seu significado literal é tornar algo afiado por meio de um aparelho, o amolador ou a mola, como dizem os espanhóis. O prefixo “a”, antes do termo “mola”, de ingênuo não tem nada. Ele vem do latim e indica uma ideia de aproximação, transformação, mudança de estado. Por isto acredito que esta é uma das muitas coisas que não se deve delegar na vida. Transformação e mudança de estado são trabalhos individuais, ninguém poderá fazê-los por nós.

Amolar o machado não é para qualquer um. É só para aqueles que já perceberam a relevância de se preparar, de pensar antes de agir, de se calar quando não se tem nada a dizer. De realmente se recolher para repensar a estratégia ou, até mesmo, se firmar nela.

Amolar o machado é para poucos. A maioria quer a ferramenta pronta para o uso. Sabe aquela embalagem que diz: “pronto para servir! ”. Pois é...

Estamos desprezando o tempo do preparo, queremos tudo pronto: o frango já vem temperado e a pizza está pré-assada. Estas praticidades ajudam? E como! Mas aceitar e usar as praticidades da vida não significam abrir mão de amolar o seu machado, de fazer o que precisa e de delegar o que você não precisa fazer.  Quando estamos nos referindo ao frango, nada há de errado. Mas quando falamos sobre transferir responsabilidades e delegar coisas e assuntos indelegáveis, a conversa muda de tom.

Não queremos mais o preparo. Ele foi desprezado por nós.

Amolar o machado significa se preparar para algo que talvez não aconteça. Você já pensou nisto? Você se preparou tanto para uma reunião, estudou, simulou perguntas. E quando o Diretor entrou na sala, disse para você que ele teria somente dez minutos para te ouvir. Ou quando você estuda tanto, perde horas de sono, se esforça e a prova é cancelada.

Tive um Diretor que sempre fazia isto: pedia uma série de coisas, informações, dados. Era um tempo considerável no preparo daquele material. Invariavelmente ele chegava atrasado à reunião, se desculpava, e nos dizia que precisaríamos “acelerar” a conversa. Ouvia-nos e ao mesmo tempo verificava seus e-mails no celular, agradecia e saia da reunião.

Que bom que o contato com ele não foi suficiente para me desestimular a amolar o meu machado durante a minha vida. Sempre existirão aqueles que incentivarão você a amolar o machado e aqueles que dirão que é pura perda de tempo. Cabe a você decidir o que fazer.

Amolar o machado é o tempo do preparo. É o tempo da espera. É o tempo do plantio. E por que este tempo do preparo não é valorizado?

Porque temos urgência em estarmos sempre no amanhã, em algum lugar que talvez não chegue. E se ele chegar, esta urgência que tivemos no presente não terá tido serventia.

Amolar o machado significa olhar e entender o cenário no qual se está inserido. E mais: ver se é naquele cenário que você quer estar e se ele faz sentido para você.

Significa ausência de pressa quando a vida te pede calma e disciplina. Significa fazer o que é importante, e não aquilo que é urgente. Aquele Diretor sempre chegava atrasado porque estava sempre fazendo o que era urgente, e não o que era importante. Mas quem tinha coragem de dizer isto a ele?

Amolar o machado significa se recolher num mundo em que todos se mostram. Se você não aparece, tem alguma coisa de errado com você.

Estar em evidência. Quando estamos em evidência não há tempo para amolar o machado. Isto já deverá estar pronto. Quando a visita chega você começa a preparar o almoço ou você inicia bem antes de ela chegar? Pois é, há o tempo de amolar o machado e o tempo para usá-lo.

É preciso valorizar a ferramenta, valorizar este machado. Mas os arrogantes não sabem disto porque acreditam que parar para amolar uma ferramenta é coisa para os fracos.

O arrogante acredita que ele pode pagar alguém para amolar a sua ferramenta. “Quanto você quer para fazer isto para mim? ” Ou eles acreditam que não precisam disto.

Amolar o machado é essencial se soubermos aonde queremos chegar. É estar preparado para quando a oportunidade surgir. É recuar alguns passos mesmo quando, aparentemente, o outro estiver em evidência.

Precisamos nos reinventar e manter o que conquistamos. Isto somente é possível com ferramentas amoladas.

A pressa, a ansiedade, a necessidade de sempre estarmos ocupados, a necessidade de nos sentirmos necessários. Tudo isto se origina da ausência de amolar o machado, da ausência de ferramentas para a vida. Da ausência de se saber quem é.

Estar desocupado talvez seja essencial para nos ocuparmos do que realmente precisa: o silêncio, a ordem, a construção, a utilização das ferramentas certas.

Somos ansiosos porque todo mundo já terminou de almoçar e nós ainda estamos mastigando. E no auge da culpa, dizemos: “já estamos terminando”.

São aquelas empresas que vivem fazendo a reunião da reunião para tentarem resolver problemas insolúveis porque elas nunca param para amolar os seus machados.

Se você não parar para entender a sua ferramenta, de nada adiantará querer resolver o problema. Por isso muitas Empresas têm reuniões intermináveis sobre assuntos insolúveis porque os responsáveis não sabem amolar suas ferramentas.

E depois eles contratam uma Consultoria e delegam a solução do problema para eles. E esta mesma Consultoria, após receber os seus milhões, chegará com uma solução que a Empresa já poderia ter percebido e praticado há tempos. Coisas que acontecem com quem não amola os machados.  Mas possuem dinheiro para delegarem esta tarefa indelegável.

As pessoas que não amolam os seus machados vivem apagando incêndios porque não enxergam aonde o fogo começou. E por incrível que pareça, o fogo sempre começa no momento em que elas não quiseram amolar os seus machados ou os desprezaram. Ou estavam muito ocupadas em alguma reunião desnecessária, e, portanto, não sentiram o cheiro da fumaça vindo de pertinho, bem de pertinho.

São aquelas empresas míopes que lançam produtos sem se preocuparem, de verdade, com o real significado deles.

São aquelas empresas que, mesmo sabendo que há problemas, lançam o produto e dizem: “a gente conserta lá na frente”. Lançam apenas para satisfazer a sua necessidade de brilhar. Um brilho opaco, bem opaco. Mas eles não sabem disto porque não amolaram os seus machados.

Trabalhei numa Empresa que tinha muitos falsos Líderes que diziam: “esse negócio de cuidar de pessoas dá muito trabalho. Precisa, mesmo, dar feedback? Isto toma muito o meu tempo. ”

Comentários típicos dos despreparados, dos desajustados, dos incapazes. De quem não amola as suas ferramentas.

Amolar machados não dá visibilidade, mas dá sustentabilidade, algo que só quem amola os seus machados com frequência sabe do valor.

É aquele Trainee que mal se formou e já quer ser Gerente. Não discuto o conhecimento técnico. Isto é com cada um. Mas a atitude de buscar somente isto na vida contraria todos os preceitos do verdadeiro Líder, da verdadeira Liderança, que é servir e não ser servido. O verdadeiro Líder é escolhido pelo time e não o contrário.

Tenho um sobrinho de 06 anos. Chama-se Felipe. Outro dia ele me mostrou o feijão no potinho que havia plantado. Mas um segundo após me mostrá-lo, disse: “mas é chato, tia, demora muito para crescer. Tem que ficar esperando. Não acontece nada. É chato. ”

Ele ainda é muito pequeno para entender o tempo do preparo, o tempo de amolar o machado. Mas será um aprendizado essencial se ele não quiser se aborrecer ao ficar esperando o feijão crescer. Custo a acreditar que esta geração levou os mesmos nove meses para nascer.

Não sei como ainda não inventaram um aplicativo que apresse o nascimento. Porque o nascer de nove meses está ficando ultrapassado. Será peça de museu. A mãe dirá para o filho: “antigamente as pessoas nasciam após nove meses”. E o filho dirá: “sério? Nossa”.

Uma mãe disse: “não sei o que vou fazer com eles em casa, em férias. Preciso arrumar coisas para eles fazerem. ” Por que esta mãe não ensina a amolar os machados? Mas não sei se ensinaram para ela.

Resultados. Curto Prazo. Longo Prazo.

Amolar o machado não agrega valor no mundo fast. “Vendemos fácil o que não tem preço”, já disse o poeta.

O machado amolado te ajudará a construir pontes, a quebrar muros, a encurtar distâncias, a pular abismos, a desbravar novas terras. A encontrar abrigos no momento das tempestades.

Achar que é perda de tempo amolar o machado é criar um rótulo de arrogante para si mesmo. Achar que passará pela vida sem paradas é viver iludido, é apenas passar pela vida, mas não é vivê-la. Quando nos curvamos para amolar o nosso machado, a dignidade cresce dentro de nós, e é ela quem nos permitirá nos levantar após as quedas.

É preciso repensar este modelo construído por quem não amola seus machados. É imperativo fazê-lo se quisermos construir algo sustentável para nossas vidas.

E quando a vida te cobrar o machado amolado, espero que você não o tenha esquecido na loja de amolar, que um dia você levou. E quando se lembrou, ao ir buscá-lo, descobriu que o dono havia vendido a ferramenta para cobrir os custos.

Deixo aqui uma frase de Philip Dormer Stanhope, escritor inglês do século XVII, que diz:  “Quem tem pressa demonstra que aquilo que está a fazer é demasiado grande para si. ”

Acho que Philip disse isto justamente no momento em que amolava o seu machado. Sábio ele.

Que possamos amolar os nossos machados, sem pressa, para que sejamos dignos da nossa obra. E para que esta mesma obra não ultrapasse o nosso tamanho. Caso isto acontecer, perderemos o direito sobre ela.

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