terça-feira, 7 de março de 2017

O Mas que constrói

Há uma música escrita por Guilherme Arantes e interpretada por Elis Regina, Aprendendo a Jogar, que diz:

“Vivendo e aprendendo a jogar
Vivendo e aprendendo a jogar
Nem sempre ganhando
Nem sempre perdendo
Mas aprendendo a jogar...”

Esta música somos nós. Vivemos e aprendemos o tempo todo. Ora ganhamos, ora perdemos. E o gerúndio, presente no vivendo e no aprendendo, vem nos mostrar que o processo da vida é contínuo e que está sempre em construção. Portanto, o caminhar é uma certeza. E assim sendo, enxergar e identificar os aprendizados deste caminhar para que eles facilitem os nossos próximos passos é, no mínimo, fundamental para nós. E este é o papel dos aprendizados: nos recolocar na rota, nos fazer enxergar as placas do caminho que, com pressa, passamos sem observá-las. Talvez nos falte descobrir isto. Por isso ainda estamos vivendo e aprendendo...

Esta música é um migrar em nós mesmos. A migração em nós é imprescindível se quisermos aprender a jogar. Não há como aprender sem conhecer e navegar em nós.

A nossa escolha não está no viver e no aprender. Mas como realizar este viver e este aprender.

Vivendo e aprendendo a jogar é uma condição imposta pela vida. Não há como fugirmos disto. Mesmo que ficássemos parados diante à vida, ainda assim, estaríamos vivendo e aprendendo.

Nem sempre ganhando nem sempre perdendo é uma consequência da nossa condição de viver e de aprender. Também não há como fugirmos desta realidade. Quando ganhamos é porque agimos de acordo com a vida; quando perdemos, é porque agimos contra a vida. Simples assim. O difícil é colocarmos isto em prática.

Mas aprendendo a jogar é a nossa escolha neste nosso caminhar chamado Vida. Quando aceitamos a condição da vida, que é viver e aprender, assumimos as consequências desta condição, que são nem sempre ganhando e nem sempre perdendo, conquistamos o direito de escolher, que é aprender a jogar. E a partir deste momento nos tornamos autônomos e livres.

Autônomos para que as influências externas não nos atinjam. Autônomos para sermos os criadores da nossa trajetória. Autônomos para agirmos e não somente reagirmos.

Livres para não nos colocarmos em prisões impostas e criadas por nós. Livres para estarmos e sermos felizes mesmo que não estejamos no palco. Livres para desejarmos desejar a liberdade.

Quando aprendemos a jogar, de verdade, é porque, com ou sem a bola, sabemos o que fazer. Aprendemos a jogar mesmo sem bola. E é preciso valorizarmos isto.

A conquista do aprender a jogar, que é uma metáfora de aprender a viver, somente se dará no momento em que valorizarmos e dermos vozes às nossas gavetas e aos nossos bastidores. Eles representam a essência que há em nós. Mas os escondemos porque não dão ibope e porque temos a tendência de escondermos as bases de nossa formação. Afinal, quem vai querer saber o que vão nas nossas gavetas? O que há em nossos bastidores?

As nossas gavetas e os nossos bastidores nos constroem. Eles estão cheios de Mas.

O mas de “mas aprendendo a jogar” é o momento no qual reconhecemos a nossa imagem nos nossos bastidores. Quando chegamos neste momento, mas aprendendo a jogar, a vida terá valido a pena. As máscaras não nos servirão mais, e o servir será um desejo nosso, e não uma imposição da vida.

Somos cobrados, pela vida, a aprendermos a jogar. Mesmo que ela não permita ensaios, como disse Chaplin, ainda assim ela nos oferece oportunidades e chances de acertarmos e de começarmos de novo, mesmo que seja de forma mais acelerada porque o tempo terá passado. Como se fosse um “Genius”...

imagem tirada da internet

Erramos, percebemos. Saímos do tom. Desafinamos. Este é o aprendizado. E aí recomeçamos e buscamos ouvir a música que toca no “Genius” com mais atenção para não desafinarmos novamente. Este é o aprendizado. Este é o aprender. Este é o viver. Este é o convite que, dependendo de nossas respostas, se tornará uma convocação.

A música do “Genius” toca novamente. Mais atentos, seguimos e acertamos. Pegamos o jeito porque vivemos e aprendemos. Ganhamos e perdemos muitas vezes. Recomeçamos. Aprendemos, de verdade.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Guimarães Rosa, que diz:

“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.

Uma travessia bela e recompensadora. Somente ela, acredito, nos levará a aprender a jogar, ou melhor, a viver. E nesta hora, seremos livres e autônomos para verdadeiramente ouvirmos a música que toca, na vida ou no “Genius”. E o melhor: seremos capazes de entendermos a letra e o que ela, o tempo todo, quis nos dizer, mas que, por ineficiência de nossos sentidos, não fomos capazes de entender.

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