Mario Quintana. Um poeta singular
e de uma sensibilidade inigualável. Em uma das passagens de sua vida, estando
ele em dificuldades financeiras, foi morar num pequeno quarto de hotel cedido
por um amigo. Disse Quintana a uma pessoa que achou o quarto muito pequeno: "Eu moro em mim mesmo. Não faz mal
que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as
minhas coisas".
Uma pessoa que diz isto só
poderia ser poeta, mesmo. Um poeta com alma. Assim era Mario Quintana. Uma
pessoa que tinha autoridade para falar sobre sonhos. Disto ele entendia.
Olhando a imagem dele, penso que
Mario Quintana devia ser uma destas pessoas deliciosas de se estar perto. Aquele
dia em que você pega um café, senta-se no sofá e bate um papo tranquilo sobre coisas
importantes. Coisas que a pressa e a urgência se envergonhariam de falar ou não
achariam apropriado.
Mario Quintana, no texto acima,
faz uma provocação. E esta foi apenas uma das muitas que ele fez. E quão atual
ela é! Escritores de primeira grandeza são assim: escrevem coisas atemporais.
Elas não cabem no tempo, estão acima dele.
Fiquei pensando na palavra
abandono e seu pesado significado. O que poderia ser pior que o abandono? Ah,
sim, tem algo pior...a indiferença. Mario Quintana tinha toda razão. O abandono
cria mato, mas a indiferença cria abismos. O mato eu corto. Mas e o abismo?
Certamente eu não teria pernas para ultrapassá-lo.
Estava no metrô um dia destes, e uma criança de seus 06 anos entrou com o seu pai. Sentaram-se um ao lado do outro. Mas esta proximidade era apenas física. Logo eu saberia disto. O menino com um tablet nas pequenas mãos. Aliás, o tablet era maior que suas mãos. Mas isto é só um detalhe. E o pai com outro tablet. Este sim, cabia em suas mãos. Estava perfeito para alguém que talvez tivesse deixado de sonhar há bastante tempo. A única diferença era que no tablet do menino havia um joguinho e no tablet do pai, um filme qualquer passando.
O vagão estava vazio, ainda bem. Assim pude acompanhar de perto aquela cena. Ambos com os seus olhos grudados na tela. O mundo ao redor deles simplesmente não existia. Não havia interação senão com a tela, principalmente o pai. Por que, então, o filho olharia para outro lugar? O exemplo, muitas vezes, fala mais que palavras.
O diálogo que se segue foi o que presenciei.
- Pai, o menino chama.
- Hum...o pai responde. (A economia de palavras me chamou a atenção. Para falar “oi, meu filho”, levaria mais tempo do que dizer simplesmente “hum”...).
- Pai, o menino chamou novamente.
- Fala, o que é? O Pai responde sem olhar para o menino, continuando a olhar para a tela do seu computador.
- Olha, aqui, Pai, olha o que eu consegui! O menino com suas pequenas mãos estendia o tal do tablet para o seu pai ver algo que ele tinha conseguido.
Mas o Pai, em sua indiferença adquirida ao longo da vida e ao longo dos seus sonhos esquecidos, desta vez olhando rapidamente para a tela do menino, disse:
- Ah, tá. Legal. Mas não me atrapalha aqui...E voltou o seu olhar para a sua própria tela.
O menino, então, recolheu o seu tablet, desligou o aparelho e o repousou em seu colo, também bem pequeno para isto. Deu um leve suspiro, se abraçou naquele apoio que há no metrô (aonde as pessoas se seguram) e encostou a sua cabeça lá. Neste momento, o menino, agora sem mais a distração do tablet, ficou com o seu olhar vago e disperso e deu de cara com o meu olhar pra ele. Um olhar que ele, em sua pouca idade, não conseguiria entender. Ficamos nos olhando por alguns segundos. Havia tantas coisas a dizer mas o momento era de silêncio...
Queria dizer três coisas a ele: nunca permita que alguém o faça desistir de seus sonhos, apenas você tem este direito; sempre se orgulhe de suas conquistas e seja surdo para a indiferença das pessoas. Mas não pude falar nada.
E o pai? Ah, sim, claro, ainda assistia ao seu filme.
Não sei o gênero do filme que aquele pai assistia. Mas para mim, o gênero era de terror. Pelo menos foi o que presenciei naqueles segundos. Um terror silencioso que só o tempo saberia as consequências para aquele pequeno sonhador.
Culpar aquele pai seria inútil. Ele desaprendeu a arte de sonhar com alguém, também.
Mario Quintana tinha toda razão. A indiferença daquele pai, com aquele “Hum...”, era cruel.
Buscamos o tempo todo aprovação, queremos ser aceitos, amados, incluídos. Que dirá as crianças! Quando as crianças fazem as coisas elas sempre buscam o olhar de aprovação dos Pais, que são sua primeira fonte de autoestima.
O tablet não tem culpa. Aliás ele é maravilhoso...quando se sabe usá-lo. Mas ele também sabe ser bem cruel nas mãos de quem desaprendeu a sonhar, de quem acha que sonhar é piegas. Alguém um dia disse que sonhar era piegas, meio fora de moda. Penso que fora de moda é quem pensa assim.
É preciso sonhar.
Sonhar nos ajuda a colorir o mundo, a ir até um lugar mais agradável e voltar com mais força, vitalidade e vontade. Deixar de sonhar é começar a morrer. E a indiferença é esta morte lenta, imperceptível porque estamos muito ocupados pra isto. Já dizia o coelho branco de Alice no País das Maravilhas: “estou atrasado, estou atrasado, estou atrasado”! De posse daquele imenso relógio que o apressava insistentemente. O tamanho do tablet do menino, em suas mãos, me lembrava o relógio do coelho branco, de Alice. E estar atrasado é uma forma de estarmos indiferentes ao que realmente importa.
Fingimos, muitas vezes, não ver os nossos sonhos porque eles dão trabalho. Sonhar não se compra no supermercado, se constrói. E a construção leva tempo, o supermercado a gente faz mais rápido, principalmente se for um supermercado pequeno. Em dias de chuva, é preciso parar a construção e esperar, aguardar pacientemente até que a chuva dê uma trégua. Mas se está chovendo eu consigo fazer o meu supermercado bem confortavelmente, lá dentro, no coberto e no quentinho. E ainda se eu der sorte, haverá uma degustação de vinho com queijo no mercado para eu me distrair enquanto faço as compras. Dizer “Hum...” é muito mais rápido do que construir e se interessar por algo. Queremos o produto, não queremos construí-lo. Queremos as respostas, não queremos as perguntas. Queremos o fast food, não queremos cozinhar. Queremos resultados, não queremos e nem valorizamos o esforço. Queremos o destino, não queremos a estrada. Queremos estar, e não ser. Então por que vamos querer sonhar? Deixa isto para os poetas, já disse alguém...
E como vamos aprendendo a doce arte da indiferença no dia a dia! Não sonhamos mais, e também não deixamos que o outro sonhe. Se eu não sonho por que você vai sonhar? Não falam que precisamos ser solidários? Então, está aí a grande chance...
Estamos perdendo a nossa capacidade de sonhar exatamente por causa da indiferença, do embrutecimento das nossas emoções.
Quando sonhamos, nossos sonhos ganham uma personalidade, uma forma, uma imagem, asas. E o que a gente faz? Abandonamos ou os deixamos lá, em alguma gaveta que demoraremos a abrir. Temos o direito de desistir deles? Sim, claro, mas só a gente, não o outro. Aliás deixar alguns sonhos para trás faz parte da vida. Não podemos ter a expectativa de achar que vamos realizar todos. É preciso maturidade para deixar alguns irem embora para outros chegarem. Mas somente nós temos este direito. Abrir mão de alguns sonhos faz parte do processo de amadurecimento e de crescimento, mas abandonar a arte de sonhar e ser indiferente a ele, jamais. Isto seria um crime.
Queremos realizar os nossos sonhos. Isto nos move. Isto nos sustenta. Mas teimamos em permitir que o outro sonhe por nós ou nos diga quais sonhos devemos ter ou se devemos ter sonhos. Cansamos de abrir concessões para que os outros digam quais sonhos deveremos sonhar. Não. Eu sei o sonho que eu quero sonhar e quero realizar. Não o outro.
José Saramago, escritor português, disse que “Todo homem é uma ilha” referindo-se ao autoconhecimento, necessário a todos nós. E eu arrisco em dizer que os nossos sonhos também são estas “ilhas”, até que sejam resgatados por nós e concretizados.
Matar sonhos às vezes é necessário, é a arte do desapego. É um exercício diário. Mas nunca a arte de sonhar. A natureza do sonho é encontrar alguém que o realize, que faça esta ponte. Ele precisa de você, de todos nós.
As distrações diárias brigam entre si para tomarem a nossa atenção. E os nossos sonhos ficam à espreita, apenas a nossa espera. Mas como as distrações são muitas...talvez os sonhos ainda tenham de esperar bastante para serem encontrados e quem sabe, um dia, realizados.
Ouço muito a frase: “devemos pensar em deixar um mundo melhor para os nossos filhos”. Mas será que também não devemos pensar em deixar filhos melhores para o mundo? Querer um mundo melhor para se viver implica, obrigatoriamente, ser uma pessoa melhor porque eu não posso querer um mundo melhor se eu não for uma pessoa melhor. E ser uma pessoa melhor passa pela arte de sonhar e por deixar o outro sonhar, também.
Deixar um mundo com pessoas melhores é deixar um mundo com capacidade de sonhar que é o primeiro passo para a realização. Queremos protagonistas, gente de ação, somos cobrados por isto o tempo todo. Mas uma das primeiras coisas que a gente faz, na convivência com o outro, é matar o sonho dele e dizer aquela frase célebre: “eu não te disse?” Matamos o sonho do outro porque deixamos de acreditar nele há tempos. É uma maldade, mas matamos o sonho dos outros, sim. Como diz a música: “...e a ferrugem no sorriso, só acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção...”. E o que fazemos quando sonhamos? Procuramos abrigo e proteção. Alguém que nos ouça, que não nos seja indiferente.
O perigo de matar o sonho de alguém é que este alguém pode acreditar. Quando somos indiferentes a alguém ou quando sofremos uma indiferença, nos questionamos se devemos continuar, se o caminho vale a pena. E em meio a estes questionamentos, paramos e vamos engordando a fileira dos indiferentes. Vamos dando voz a isto. Não quero mais do que o mundo possa me dar, apenas o direito de sonhar.
Não é só de taxa Selic e de operação lava-jato que vivemos. Felizmente. Sonhar me faz acreditar que um dia sairemos da inércia que nos levou à operação lava-jato, por exemplo. E a taxa Selic com isto? Bem, a taxa Selic, coitada, fica ali só acompanhando os fatos. E é obrigada a subir de patamar por causa do nosso abandono e da nossa indiferença. Ela é uma arma na mão dos desavisados.
Se o que presenciei foi abandono ou indiferença, quem sou eu para julgar. Mas de uma coisa estou absolutamente certa: Mario Quintana tinha toda a razão. Aliás, mesmo à distância, acho que ele escreveu este texto para este pai e para este filho que, simbolicamente, representam boa parte de todos nós em algum momento de nossas vidas.
Estava no metrô um dia destes, e uma criança de seus 06 anos entrou com o seu pai. Sentaram-se um ao lado do outro. Mas esta proximidade era apenas física. Logo eu saberia disto. O menino com um tablet nas pequenas mãos. Aliás, o tablet era maior que suas mãos. Mas isto é só um detalhe. E o pai com outro tablet. Este sim, cabia em suas mãos. Estava perfeito para alguém que talvez tivesse deixado de sonhar há bastante tempo. A única diferença era que no tablet do menino havia um joguinho e no tablet do pai, um filme qualquer passando.
O vagão estava vazio, ainda bem. Assim pude acompanhar de perto aquela cena. Ambos com os seus olhos grudados na tela. O mundo ao redor deles simplesmente não existia. Não havia interação senão com a tela, principalmente o pai. Por que, então, o filho olharia para outro lugar? O exemplo, muitas vezes, fala mais que palavras.
O diálogo que se segue foi o que presenciei.
- Pai, o menino chama.
- Hum...o pai responde. (A economia de palavras me chamou a atenção. Para falar “oi, meu filho”, levaria mais tempo do que dizer simplesmente “hum”...).
- Pai, o menino chamou novamente.
- Fala, o que é? O Pai responde sem olhar para o menino, continuando a olhar para a tela do seu computador.
- Olha, aqui, Pai, olha o que eu consegui! O menino com suas pequenas mãos estendia o tal do tablet para o seu pai ver algo que ele tinha conseguido.
Mas o Pai, em sua indiferença adquirida ao longo da vida e ao longo dos seus sonhos esquecidos, desta vez olhando rapidamente para a tela do menino, disse:
- Ah, tá. Legal. Mas não me atrapalha aqui...E voltou o seu olhar para a sua própria tela.
O menino, então, recolheu o seu tablet, desligou o aparelho e o repousou em seu colo, também bem pequeno para isto. Deu um leve suspiro, se abraçou naquele apoio que há no metrô (aonde as pessoas se seguram) e encostou a sua cabeça lá. Neste momento, o menino, agora sem mais a distração do tablet, ficou com o seu olhar vago e disperso e deu de cara com o meu olhar pra ele. Um olhar que ele, em sua pouca idade, não conseguiria entender. Ficamos nos olhando por alguns segundos. Havia tantas coisas a dizer mas o momento era de silêncio...
Queria dizer três coisas a ele: nunca permita que alguém o faça desistir de seus sonhos, apenas você tem este direito; sempre se orgulhe de suas conquistas e seja surdo para a indiferença das pessoas. Mas não pude falar nada.
E o pai? Ah, sim, claro, ainda assistia ao seu filme.
Não sei o gênero do filme que aquele pai assistia. Mas para mim, o gênero era de terror. Pelo menos foi o que presenciei naqueles segundos. Um terror silencioso que só o tempo saberia as consequências para aquele pequeno sonhador.
Culpar aquele pai seria inútil. Ele desaprendeu a arte de sonhar com alguém, também.
Mario Quintana tinha toda razão. A indiferença daquele pai, com aquele “Hum...”, era cruel.
Buscamos o tempo todo aprovação, queremos ser aceitos, amados, incluídos. Que dirá as crianças! Quando as crianças fazem as coisas elas sempre buscam o olhar de aprovação dos Pais, que são sua primeira fonte de autoestima.
O tablet não tem culpa. Aliás ele é maravilhoso...quando se sabe usá-lo. Mas ele também sabe ser bem cruel nas mãos de quem desaprendeu a sonhar, de quem acha que sonhar é piegas. Alguém um dia disse que sonhar era piegas, meio fora de moda. Penso que fora de moda é quem pensa assim.
É preciso sonhar.
Sonhar nos ajuda a colorir o mundo, a ir até um lugar mais agradável e voltar com mais força, vitalidade e vontade. Deixar de sonhar é começar a morrer. E a indiferença é esta morte lenta, imperceptível porque estamos muito ocupados pra isto. Já dizia o coelho branco de Alice no País das Maravilhas: “estou atrasado, estou atrasado, estou atrasado”! De posse daquele imenso relógio que o apressava insistentemente. O tamanho do tablet do menino, em suas mãos, me lembrava o relógio do coelho branco, de Alice. E estar atrasado é uma forma de estarmos indiferentes ao que realmente importa.
Fingimos, muitas vezes, não ver os nossos sonhos porque eles dão trabalho. Sonhar não se compra no supermercado, se constrói. E a construção leva tempo, o supermercado a gente faz mais rápido, principalmente se for um supermercado pequeno. Em dias de chuva, é preciso parar a construção e esperar, aguardar pacientemente até que a chuva dê uma trégua. Mas se está chovendo eu consigo fazer o meu supermercado bem confortavelmente, lá dentro, no coberto e no quentinho. E ainda se eu der sorte, haverá uma degustação de vinho com queijo no mercado para eu me distrair enquanto faço as compras. Dizer “Hum...” é muito mais rápido do que construir e se interessar por algo. Queremos o produto, não queremos construí-lo. Queremos as respostas, não queremos as perguntas. Queremos o fast food, não queremos cozinhar. Queremos resultados, não queremos e nem valorizamos o esforço. Queremos o destino, não queremos a estrada. Queremos estar, e não ser. Então por que vamos querer sonhar? Deixa isto para os poetas, já disse alguém...
E como vamos aprendendo a doce arte da indiferença no dia a dia! Não sonhamos mais, e também não deixamos que o outro sonhe. Se eu não sonho por que você vai sonhar? Não falam que precisamos ser solidários? Então, está aí a grande chance...
Estamos perdendo a nossa capacidade de sonhar exatamente por causa da indiferença, do embrutecimento das nossas emoções.
Quando sonhamos, nossos sonhos ganham uma personalidade, uma forma, uma imagem, asas. E o que a gente faz? Abandonamos ou os deixamos lá, em alguma gaveta que demoraremos a abrir. Temos o direito de desistir deles? Sim, claro, mas só a gente, não o outro. Aliás deixar alguns sonhos para trás faz parte da vida. Não podemos ter a expectativa de achar que vamos realizar todos. É preciso maturidade para deixar alguns irem embora para outros chegarem. Mas somente nós temos este direito. Abrir mão de alguns sonhos faz parte do processo de amadurecimento e de crescimento, mas abandonar a arte de sonhar e ser indiferente a ele, jamais. Isto seria um crime.
Queremos realizar os nossos sonhos. Isto nos move. Isto nos sustenta. Mas teimamos em permitir que o outro sonhe por nós ou nos diga quais sonhos devemos ter ou se devemos ter sonhos. Cansamos de abrir concessões para que os outros digam quais sonhos deveremos sonhar. Não. Eu sei o sonho que eu quero sonhar e quero realizar. Não o outro.
José Saramago, escritor português, disse que “Todo homem é uma ilha” referindo-se ao autoconhecimento, necessário a todos nós. E eu arrisco em dizer que os nossos sonhos também são estas “ilhas”, até que sejam resgatados por nós e concretizados.
Matar sonhos às vezes é necessário, é a arte do desapego. É um exercício diário. Mas nunca a arte de sonhar. A natureza do sonho é encontrar alguém que o realize, que faça esta ponte. Ele precisa de você, de todos nós.
As distrações diárias brigam entre si para tomarem a nossa atenção. E os nossos sonhos ficam à espreita, apenas a nossa espera. Mas como as distrações são muitas...talvez os sonhos ainda tenham de esperar bastante para serem encontrados e quem sabe, um dia, realizados.
Ouço muito a frase: “devemos pensar em deixar um mundo melhor para os nossos filhos”. Mas será que também não devemos pensar em deixar filhos melhores para o mundo? Querer um mundo melhor para se viver implica, obrigatoriamente, ser uma pessoa melhor porque eu não posso querer um mundo melhor se eu não for uma pessoa melhor. E ser uma pessoa melhor passa pela arte de sonhar e por deixar o outro sonhar, também.
Deixar um mundo com pessoas melhores é deixar um mundo com capacidade de sonhar que é o primeiro passo para a realização. Queremos protagonistas, gente de ação, somos cobrados por isto o tempo todo. Mas uma das primeiras coisas que a gente faz, na convivência com o outro, é matar o sonho dele e dizer aquela frase célebre: “eu não te disse?” Matamos o sonho do outro porque deixamos de acreditar nele há tempos. É uma maldade, mas matamos o sonho dos outros, sim. Como diz a música: “...e a ferrugem no sorriso, só acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção...”. E o que fazemos quando sonhamos? Procuramos abrigo e proteção. Alguém que nos ouça, que não nos seja indiferente.
O perigo de matar o sonho de alguém é que este alguém pode acreditar. Quando somos indiferentes a alguém ou quando sofremos uma indiferença, nos questionamos se devemos continuar, se o caminho vale a pena. E em meio a estes questionamentos, paramos e vamos engordando a fileira dos indiferentes. Vamos dando voz a isto. Não quero mais do que o mundo possa me dar, apenas o direito de sonhar.
Não é só de taxa Selic e de operação lava-jato que vivemos. Felizmente. Sonhar me faz acreditar que um dia sairemos da inércia que nos levou à operação lava-jato, por exemplo. E a taxa Selic com isto? Bem, a taxa Selic, coitada, fica ali só acompanhando os fatos. E é obrigada a subir de patamar por causa do nosso abandono e da nossa indiferença. Ela é uma arma na mão dos desavisados.
Se o que presenciei foi abandono ou indiferença, quem sou eu para julgar. Mas de uma coisa estou absolutamente certa: Mario Quintana tinha toda a razão. Aliás, mesmo à distância, acho que ele escreveu este texto para este pai e para este filho que, simbolicamente, representam boa parte de todos nós em algum momento de nossas vidas.