Acho que esta pergunta merece uma
reflexão individual. Individual porque, certamente, somos mais verdadeiros
quando não precisamos nos expor e falarmos sobre nós. Para o outro, eu
disfarço, muitas vezes, mas para o meu íntimo, isto não é possível. Então, é
nesta hora, que a reflexão se torna uma experiência transformadora.
Falar sobre o tempo é mais do que
falar sobre a questão física, ou seja, o passar das horas, dos minutos e dos
instantes: falar sobre o tempo significa falar sobre a nossa estada aqui, sobre
o ser, sobre a nossa permanência nas coisas. Em nós, também, por que não? Falar
sobre o sentido das coisas, falar sobre direção, sobre valores e muito mais.
Falamos muito que não temos
tempo, que está tudo corrido, que é tudo para ontem. Mas de onde vem tanta
pressa? E mais: por que tanta pressa? O que queremos mostrar? Ou melhor, o que
queremos aparentar?
Quem corre demais chega mais
rápido no final. E apreciar a caminhada não condiz com a correria. É uma
escolha. Ou corremos ou apreciamos. É possível fazermos as duas coisas? Sim, mas
com equilíbrio: se corrermos muito, esteja certo de que ouviremos bem mais cedo
o apito do juiz sinalizando “fim de jogo”; e se apreciarmos demais, ninguém vai
esperar e quem sabe um dia as coisas voltarão para os seus lugares. Enfim, é
uma escolha que não se aprende a fazer na escola. A propósito, se conseguirmos
ter, nas escolas, no mínimo, aulas, seria um bom começo. Mas isto é tema para
outro texto.
Penso que correr só é bom para os
corredores profissionais porque eles precisam desta aceleração, desta urgência.
Faz parte do trabalho deles. Mas é só. Basta. Quando a corrida acaba eles vão para
o pódio, recebem o símbolo da sua conquista, o troféu, e voltam para casa para
colocá-lo na estante e mostrá-lo aos amigos.
Penso que temos dificuldades de
apreciar o que verdadeiramente importa. Se não tivéssemos, não reclamaríamos
tanto da falta de tempo...
Quem tem tempo vive mais e melhor
e o que é mais importante: vive para si. E isto não é egoísmo: vivendo para si
você se tornará uma pessoa melhor para o outro. Quer exemplo melhor de
solidariedade?
Corremos tanto que quando temos
uma folga não sabemos o que fazer com ela. Por que não paramos para descansar e
simplesmente não fazer coisa alguma? Não, imagina. E a vergonha de dizer que
não estamos fazendo nada? Dizer que estamos descansando é vergonhoso.
Corremos muito talvez por
assumirmos coisas que não precisaríamos e não deveríamos fazer. Olhando
atentamente para as nossas agendas, certamente estamos:
- fazendo coisas que poderíamos
ter delegado, se acreditássemos mais nas pessoas e permitíssemos que elas nos
ajudassem;
- negociando mais quarenta
“minutinhos” com o relógio e depois ficarmos mal-humorados porque estamos
atrasados;
- participando de todos os
convites que nos fazem só para “não ficarmos de fora” e mostrarmos uma
sociabilidade que não temos, que não queremos ter, que não serve para coisa
alguma e que nunca teremos;
- abrindo mão de nossos valores,
objetivos e sonhos porque alguém disse que isto não é para a gente. Quem sabe
quando nos aposentar?
Perceberam o gerúndio? Fazendo,
negociando, participando, abrindo e tantos outros que poderíamos colocar aqui.
Mas acho que estes já dão o tom da nossa conversa.
O gerúndio fornece um
distanciamento entre a ação e a intenção. Quero fazer, mas entre o querer e o
fazer há uma loooonga distância. E é este o poder do gerúndio. Quando alguém
conversar com você e usar muito o gerúndio, tome cuidado. Mesmo que seja
inconsciente, esta pessoa está tentando escapar do compromisso. O gerúndio te
isenta do compromisso com a ação. Estarei, estarei, estarei, estarei. Nunca
terei a firmeza da ação. Um dia eu faço.
Só que este dia pode nunca chegar
e aí você poderá se lembrar da pergunta: Se
você não tem tempo para si, para quem está vivendo?
O fantasma da procrastinação é
constante em nossas vidas. E a ausência do saber quando ouviremos o apito de
“fim de jogo” não nos é claro. Frank Sinatra dizia: “viva como se hoje fosse o
último dia. Um dia você estará certo. ” Então a hora é agora, e se a gente não
souber que hora é “este agora”, que a gente faça esta hora, construa esta hora
como diz a música.
“Se não houver vento, reme”. Não
seja bom em arrumar desculpas. Vá.
A procrastinação é ruim porque
ela esconde medos, obstruções de nossa personalidade, coisas cavernosas,
escondidas. E isto nos impede de vivermos para nós. Como estou vivendo para o
outro, os meus fantasmas ficam escondidos. E quando eles teimarem em aparecer
darei o meu jeito de escondê-los ou de disfarçá-los com uma irritaçãozinha aqui, um mal humorzinho lá, uma invejazinha básica lá do outro lado, uma puxadinha básica de
tapete, enfim a criatividade está aí para nos dar uma mãozinha nisto. Não há
com o que se preocupar.
Precisamos nos analisar com
crueza, sem os aparatos que nos cercam e nos apoiam. Somente desta forma, eu
acredito, poderemos saber quem realmente somos. E esta análise crua nos ajuda a
responder a pergunta que está no título.
Aliás o título de um texto é o
que dá tom a ele. Então, fiz do título deste texto uma pergunta exatamente para
que esta pergunta seja o tom da vida, da sua vida e te faça esta provocação
diariamente: Se você não tem tempo para
si, para quem está vivendo?
Vivemos numa sociedade que é
ávida por devassar a intimidade dos outros. Por isto não temos tempo e também
para isto estamos destinando o nosso tempo, muitas vezes. Viver para si é
acessar a sua intimidade e conhecê-la para depois tentar entender o outro.
Entender o outro não é ter curiosidade pela vida alheia.
Você precisa ir para o universo
do outro para conhecê-lo e entendê-lo. Só consigo fazer isto quando conheço e
aceito o meu universo. E isto é viver para mim.
Vivemos num mundo de excessos.
Isto cria em nós uma sensação de “não ser”, o que é extremamente desfavorável
para nós. ‘Quando eu tiver aposentado’, ‘quando eu tiver aquele carro’, ‘quando
eu tiver aquela casa’, ‘quando eu tiver... ‘. Como eu ainda não tenho tudo
isto, eu definitivamente “não sou”, e aí vem aquela sensação de falta de
pertencimento que vulgarmente dizem “crise existencial”. E para sair deste
estado, faço uma selfie do meu melhor
lado e perfil, coloco nas redes sociais com um belo sorriso, e a mágica da
mentira se faz.
Nunca nos fotografamos tanto, mas
também nunca se vendeu tanto antidepressivo no mundo. E veja que o Brasil
engorda bem esta fila. Por que será? Será que é porque não estamos vivendo para
nós? Olha que este pode ser um caminho...
A selfie é uma ferramenta de se autoafirmar, de se mostrar relevante
para este mundo digital. As pessoas têm medo de serem esquecidas neste mundo de
trás das câmeras. Mas como isto é possível se elas já se esqueceram delas há
tempos, vivendo apenas para o outro?
Os excessos nos paralisam. Você
já entrou em algum lugar entulhado de coisas e se viu sem a mínima
possibilidade de se mexer? Pois é, ainda bem que a gente AINDA não encontrou
uma forma de se enxergar por dentro e ver todos os nossos pensamentos,
angústias, ansiedades, medos...haja entulho. Quem sabe o próximo aplicativo da
semana que vem dará conta disto? Entulho = paralisia. Está aí uma coisa para
pensar...
Viver para si não é isto. É estar
em sintonia com você, estar verdadeiramente aonde se quer estar. E se ainda não
estiver, se esforçar para buscar. Só o esforço já te fará um vencedor. Mesmo
que você não ganhe medalhas no pódio. O problema não está em querer ser
premiado, em buscar isto até para que não haja comodismo. O problema está em
ficar o tempo todo falando que é o melhor e só buscar isto na vida.
Estamos perdendo a noção do que
de fato é importante na vida. Por isto vivemos para o outro e não para nós.
Perdemos a noção do que é importante porque tudo virou urgente, então o
importante pode esperar.
Estamos sete dias da semana, 24
horas por dia à disposição e o pior: exigimos isto do outro, que nos deem
respostas imediatas. Como assim demorar meia hora para me responder? É insuportável
ser alcançada a qualquer momento.
A pessoa humilde trabalha mais
que a orgulhosa, por isto ela tem mais tempo. Uma pessoa orgulhosa está sempre
“muito ocupada” para fazer o que é necessário. Ela dá desculpas e não dá conta
de suas obrigações e pendências. Uma pessoa humilde se compromete, realiza e
tem tempo.
A pressa dos outros, em querer
respostas para ontem, nos faz parecer que estamos sempre devendo. Faz-nos
sentir culpa o dia todo por termos vários e-mails
em nossa caixa. A pressa e a urgência são do outro, não deveriam ser nossas.
Dizer não para os outros é dizer sim para nós. O que é realmente importante
para você?
Viver para si é criar bastidores
que te acolhem para compensar o que os excessos tiraram ou os chatos de
plantão. Nossa, como estes te sugam! Haja bastidor para dar suporte! Se ainda
não estamos aonde queremos estar, que este bastidor seja o nosso refúgio,
intransponível para o que vem de fora. Isto é viver para você. E aí fortalecido,
você poderá sair deste bastidor pronto para estar inteiro para o outro, para o
mundo.
Viver para o outro sem ter,
primeiramente, compromisso com você é abrir mão dos seus sonhos, de sua
essência, de quem você é. Não viver para si é não viver para o outro. Já
percebeu que quando você não está bem, nada sai direito? Você não consegue
estar inteiro em nada? E aí diz a frase famosa: “hoje eu não estou sendo uma
boa companhia. ” Por que? Porque é a sensação de ausência do viver para si.
Quando eu não vivo para mim tudo está fora do lugar. Então como poderia te
ajudar se nem a mim consigo? Outra reflexão para se fazer.
Viver para si é não perder a
esperança. Quando perdemos as esperanças vamos nos tornando insensíveis, frios
e adoecemos.
Viver para si significa ter
consciência de seus medos, de seus fantasmas e carregá-los. Isto é muito
importante. Este trabalho é seu e não do outro. Você precisa carregá-los. Em
nossa sociedade, é muito comum colocarmos, discretamente, nossos medos e
fantasmas no colo do outro. Sabe aquela correspondência sem remetente que você
encontra na sua porta? Pois é, quem já não recebeu este tipo de encomenda e
quem já não a enviou também? Quando a enviamos, achamos que ela é tão leve! “O
outro consegue carregar”, dizemos. Mas quando a recebemos, nossa como pesa!
Os medos e os fantasmas precisam
ser carregados por quem os criou e se precisar, ele deverá ir lá no fundo
resgatá-los, no nosso fundo bem sombrio. Lá é bem escuro, não há luminosidade uma
vez que a gente quer escondê-los, então não há motivo para ter luz. Por um
lado, é bom em tempos de bandeiras vermelhas...
O que é o fantasma? O fantasma é
uma representação de uma forma de sofrer. Quem é o fantasma? É aquele que vem
para te atormentar, para te cobrar. É aquela sensação de que existe algo para
ser feito, mas que ficou para trás. E aquilo fica te atormentando. E não é o
que acontece quando não vivemos inteiramente para nós? Então fica a pergunta: Se você não tem tempo para si, para quem
está vivendo?
Então a gente precisa ir lá
embaixo, bem no fundo, não dá para ficar na superfície, no jeitinho. No
jeitinho você não vai resolver, porque aquilo vai desaguar num outro lugar e
provavelmente em lugares errados. Então vá lá, pegue uma escada e desça,
recolha o que há lá, faça o que precisa fazer, se arrebente, se necessário, mas
volte e volte renovado. Resolva. Não perca tempo em fazer concessões. A gente
se desgasta muito nisto.
Este é um dos caminhos que vejo
para que “viver para si” e consequentemente “para o outro”, seja possível.
Viver para você não significa se
ausentar dos compromissos diários, cuidar do outro e de tudo o que compõe a
nossa vida, estar alheio ao mundo. Pelo contrário: viver para você significa
estar disponível para o outro, enxergar o outro e ver nele um igual a você. Significa
ser livre e ser livre significa que todos os seus fantasmas continuarão a
existir, afinal somos humanos, mas eles perderão a força de nos aterrorizar. E
assim, poderemos viver para nós sem o medo de darmos uma passadinha no sótão ou
no porão de nossas vidas. É muito importante deixarmos espaços em nossas
agendas para fazermos aquela faxina no porão e no sótão de nossas vidas. Mas e
o tempo pra isto? Brincadeira...
Quando você não vive para você os
fantasmas tomam conta.
Só vamos conseguir viver para nós
quando perdermos os recursos das nossas simulações, quando eliminarmos a
censura de nossas vidas e nos propusermos a nos enxergar como verdadeiramente
somos.
Quero concluir este texto com uma
provocação de Franz Kafka, que diz:
“Tu és a tua própria lição de
casa”.
Portanto, sendo você a tua lição,
sendo você responsável por você, te pergunto:
Se você não tem tempo para si, para quem está vivendo?
Está aí uma frase que desencadeia
um caminhar. Um caminhar longo, porém necessário e que, certamente, terá uma
vista linda se nos permitirmos apreciá-la e saboreá-la.
Boa caminhada!