imagem tirada da internet
Panelas são utensílios domésticos
bem antigos. Sua função mais nobre é o ato de transformar, de alimentar. Elas
podem ser de cerâmica, pressão, alumínio, vidro, ferro, barro, cobre e outros
tipos. São instrumentos de protesto também, é verdade, mas este não é o seu papel.
Pelo menos não deveria ser.
Independentemente do tipo, panelas ajudam a transformar. Ajudam a criar
outro estado. Ajudam a mudar a forma. Elas são o
meio para algo. Elas são a ponte.
Elas são a ferramenta que, nas mãos
certas, produzem maravilhas.
Ouvi a expressão “cuide das
panelas que estão no fogo” de um comentarista esportivo. Em uma determinada
partida, o locutor disse esta frase referindo-se a um jogador que, apesar de não fazer muitos gols, cuidava
muito bem das panelas que estavam no fogo. Disse, ainda, que se tratava de um
jogador atento aos lances do jogo, dava assistências, tinha foco e visão privilegiados
sobre a partida. E completou: “pois é, ele cuida das panelas que estão no fogo.
Não deixa as panelas queimarem. ”
Fiquei com esta expressão na
cabeça e resolvi pegá-la emprestada para escrever este texto.
Diversas são as leituras que
podemos fazer sobre esta expressão. Todas estarão certas. Quando tratamos da
subjetividade da vida, todas as leituras que fazemos têm o seu sentido, a sua
lógica. E, portanto, não podem ser contestadas.
Cuidar das panelas que estão no
fogo significa não perder a construção de vista. Quando deixamos que a vida
cuide daquilo que é o nosso papel, sentimos aquele cheiro desagradável de
panela queimando no fogo. Corremos para a cozinha, na esperança de salvarmos o
alimento, e desligamos o fogo. Tarde demais. A comida queimou e a panela, se dermos
sorte, poderá ser salva.
E por que isto aconteceu? Porque
perdemos o foco e a atenção. Duas raridades atualmente. Perdemos o foco e a
atenção, muitas vezes, sobre algo importante. Porque para aquilo que não
importa, muitas vezes dedicamos foco e atenção. Estranhezas de nossos tempos que
só cabe a nós resolvê-las.
Estar atento às panelas que estão
no fogo significa, também, abrir mão de uma suposta vaidade pessoal porque,
certamente, aquele que cuida das panelas no fogo não será o que vai saborear a
refeição. E estar disposto a esta grandeza de espírito é um lugar que não sei se
já está habitado por alguém.
Cuidar das nossas panelas e não
permitir que elas se queimem é fazer as coisas com propósito e sentido. Saber o
que importa e a essência. É saber que a responsabilidade de cuidar delas será
sempre nossa, correndo o risco de nunca sermos reconhecidos e valorizados por
isto.
Quando cuidamos bem de nossas
panelas e temos atenção a todas as etapas necessárias fazemos, da vida do outro,
uma vida com mais facilidades e com menos interrupções. A vida do outro, por
causa do nosso cuidar, se torna mais fácil de ser vivida. Podemos apostar que
sim. Mas nem sempre a nossa vida será mais fácil por causa disto. É a arte da
renúncia. E, novamente, isto não é para
todos.
A renúncia somente existe no
vocabulário daquele que já entendeu que servir é muito melhor que ser servido. Aqueles
que já começaram a cuidar das suas panelas iniciaram o seu processo de
renúncia. O seu processo de servir.
Se você está na condição de servir
é porque já tem suas necessidades atendidas, ou próximo disto. É, portanto, uma
pessoa mais livre. Não necessita ser servido.
Servir é um ato de superioridade. Só os despojados de inutilidades
enxergam o valor disto.
Renunciar a vaidade de fazer o
gol em prol de um passe para aquele que melhor está posicionado.
Renunciar o gosto de ter sempre
razão para lembrar que a razão do outro também existe.
Renunciar a obsessão pelo acerto,
uma vez que isto nos induz ao erro.
Renunciar é o início da
verdadeira felicidade. Aquele que renuncia tem menos necessidades. Por isto é
muito mais feliz.
Quem não descuida das panelas tem
uma atenção que altera, coopera e
transforma.
Enfim. As panelas são nossas. A
cada um a responsabilidade de cuidar do que nos cabe. É preciso assumir nossas
panelas para que sejamos merecedores do seu alimento.
Tempo, esforço e dedicação. Três
atributos seguidos por quem iniciou o caminho. E coragem para expor o resultado
do nosso cuidar, que é o que não dá para não fazer.
Cuidar das panelas é não permitir que as nossas verdadeiras questões de
distanciem de nós.
Que a gente sempre consiga
equilibrar os gols realizados na vida com o cuidar de nossas panelas. Os gols
virão, certamente. Mas terão mais sabor se forem construídos em estradas que
permitiram o uso e o cuidar de panelas.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com uma frase de Confúcio, pensador Chinês, que diz:
“O operário que quer fazer o seu trabalho bem deve começar por afiar os
seus instrumentos. ”
Pois é, e que melhor instrumento
para este começar que não nossas panelas? Mas é preciso atenção para que elas
não se queimem durante a nossa trajetória.