imagem tirada da internet
Na semana passada, numa competição de esgrima, uma
atleta brasileira lutava com uma francesa, nas Olimpíadas do Rio.
Durante a luta, ouve-se uma vaia do público: “Fura ela”.
Em outras lutas também foram ouvidas vaias como “aqui é favela”, “se não der
com a espada, vai com a faca mesmo”.
Vaiar, no sentido geral, é dizer, por meio de um
barulho ensurdecedor, que não gostamos de alguma coisa, pessoa, atitude. Que
não concordamos com determinadas situações.
Uma forma de protesto. Uma forma de expressão. Um traço
cultural.
No lugar de vaias, nossa forma de protestar poderia ser
a argumentação, o propósito e o ideal. Sem gritarias. Sem barulhos. Mas sim com
silêncio, foco e determinação. Porém, ainda precisamos das vaias como
representantes de nossos discursos, de nossos enunciados. O barulho ainda faz
parte para que possamos ser ouvidos.
Quando trazemos o assunto para o esporte, a vaia toma
proporções exageradas. Bem exageradas. Toma outro rumo de conversa. Saímos do
escopo somente da expressão e do protesto. Tratamos o adversário como inimigo.
Não somos capazes, pelo menos não temos sido, de simplesmente torcer por nossos
atletas e respeitar o outro que disputa a mesma competição. Não somos capazes
de valorizar este momento e o talento alheio.
Quando colocamos a nossa atenção no melhor do outro,
sem querer destruí-lo, uma excelente oportunidade de melhorar as nossas marcas
pessoais surge em nossas experiências.
Se o adversário não existisse, qual o sentido da
competição? Ainda não somos uma sociedade de
cooperação, mas sim de competição. Portanto, ela ainda faz sentido desde
que pautada na ética e no respeito. E respeitar o adversário é dar o melhor de
nós, seja como competidores ou como expectadores.
Como competidores, estamos dando o nosso melhor. É
visível. Porém, como expectadores, nem sempre. Muitos aplaudem e respeitam o
trabalho do adversário. Mas, infelizmente, outros não. A falta de educação, em
todos os níveis, ainda é fortemente presente na nossa sociedade. E no caso, agora,
nas arquibancadas dos estádios.
Há limite entre o que pode ser dito x saber a hora de
se calar? Há diferença entre torcida x vandalismo? Há diferença entre querer
ganhar x desejar o mal do outro? Certamente sabemos todas estas respostas.
Ninguém precisa nos dizer o que fazer. Resta-nos fazer.
Vaiar é algo antigo. Muito antigo. Não é criação nossa.
A questão toda é o equilíbrio. Palavra presente no
discurso e ausente na atitude. E isto ainda nos falta e muito: equilíbrio.
Saber a hora de se colocar, de falar e, principalmente, de se calar é uma arte.
A placa com a inscrição “Silêncio” queimou, numa das competições, devido a
tantos acionamentos da comissão organizadora. E mesmo assim, não fizemos
silêncio.
Não queremos ser monges nas arquibancadas, sem
absolutamente querer ofendê-los. Pelo contrário. Uma vaia saudável, se é que
podemos chamá-la assim, faz parte da brincadeira. No entanto, desejar que uma
de nossas nadadoras se afogasse, que o
adversário de Arthur Zanetti caísse e desejos que a esgrimista brasileira
furasse a adversária são o reflexo do que nos falta. E nos falta muito e de
tudo.
Somos um povo que busca dar certo. Buscamos o acerto. Somos
lutadores e desbravadores. Somos um povo que faz do riso uma ferramenta de
vida. Somos um povo que não teme a reinvenção de si mesmo. Mas precisamos
honrar nossas conquistas. Porém não é desta forma que conseguiremos. Um jornal
americano só faltou nos chamar de selvagens. O restante ele fez. Sabemos que
eles também têm os problemas deles, mas queremos saber dos nossos problemas
que, a propósito, são muitos.
Precisamos aprender a nos calar quando a vida pede ou,
no caso, quando o jogo pede. É respeitoso. É amável. É educado. É preciso.
Querer que a atleta fure os olhos da adversária me
remete àqueles tempos dos gladiadores dos filmes romanos. Aqueles homens, no
meio das arenas, tinham, como única opção, matarem os seus opositores. Caso
contrário, eles morreriam. Um somente podia sair vivo.
O que mudou de lá para cá? Talvez as cadeiras das novas
arenas. As de antigamente eram de concreto, nada confortáveis. As de hoje são
mais confortáveis. Infelizmente, o sentimento de querer que o outro se
machuque, se prejudique ainda é presente na nossa sociedade. Não há como negar
isto. Muitos, felizmente, já mudaram de patamar. Mas é preciso mais.
Uma sociedade de competição cria estas realidades. E
isto não é só aqui.
Torcer para ganhar é legítimo e verdadeiro. Mas desejar
o mal do outro é desejar o nosso próprio mal. Cada um dá apenas o que tem. Vaiar de forma desrespeitosa e dizer
absurdos aos adversários não caracteriza
empolgação, torcida.
Torcer está em outro patamar.
Querer furar os olhos do outro significa a degradação
do humano. São pequenos infelizes em busca de um pouco de sonho. Apesar de não
saberem disto. São pessoas que não sabem viver, que dirá torcer e respeitar o
adversário. São pessoas que não possuem conhecimento de vida, que dirá
esportivo. Há que se ter limite e equilíbrio. A vida pede isto de todos nós.
São pessoas que não sabem o significado de existência:
que é sair de você para, de verdade, poder se enxergar e, neste momento, passar
a existir. Quem deseja que o outro morra, como aquilo que foi dito, é porque
este alguém já morreu. Morreu em suas esperanças, em suas lutas. Só desejamos o
mal para o outro quando a maldade predomina em nós. Se fosse a felicidade que
predominasse em nós, não diríamos tudo aquilo.
Quem está no centro das atenções não é aquele que vaia.
E isto é motivo de inveja, muitas vezes. Mesmo não ganhando “medalhas”, como é
bom realizar coisas e fazer o que se gosta. E estes atletas, por exemplo,
realizam coisas e fazem o que gostam. Mas os que vaiam maldosamente não
realizam coisas e não fazem o que gostam. Não são felizes. Por isto a
felicidade do outro incomoda. O talento alheio é incômodo. O lugar que aquele
que realiza ocupa jamais será ocupado por aquele que não realiza. Por isto ele
vaia, xinga.
É muito mais fácil tentar desestabilizar o outro do que
se espelhar nele. E isto tudo vai muito além do esporte.
Vaiar maldosamente o outro é
colocar luzes na mediocridade trazida no coração. É não aceitar que há opiniões
e posturas diferentes, assim como pessoas melhores que merecerão a medalha de
ouro, seja nas Olimpíadas, seja na vida. Ou mesmo que as medalhas não venham, o
esforço e o trabalho farão daquela pessoa alguém melhor. Na agenda desta pessoa
não há espaço para a vaia, não deste tipo.
Vejo uma família de japoneses,
numa das arenas. Todos enrolados em suas bandeiras. No centro da arena, um
brasileiro e um japonês disputando algo. Em poucos minutos, o brasileiro faz o
ponto. E a câmera focaliza aquela família. O que eles faziam? Aplaudiam os brasileiros.
Em um outro momento, num estádio
de futebol, outra família de japoneses assistindo a uma partida. Após o término
do jogo, a família se levanta, deposita o lixo deles numa sacolinha própria e
leva embora. E como se isso não fosse o suficiente, um deles retira uma flanela
do bolso e limpa os bancos que haviam se sentado durante a partida. Para quê?
Para os próximos a se sentarem lá encontrarem lugares limpos para serem usados.
Confesso que ao ver esta cena
fiquei envergonhada. Mas depois refleti: se eles podem ter este nível de
respeito e de educação, nós também podemos. Tudo é uma questão de escolha.
Não temos vocação para a
santidade e, portanto, não há necessidade de disputarmos lugares com os santos.
Estamos longe disto tanto na vida como nos jogos. Mas a educação e o respeito
deveriam ser as nossas primeiras escolhas.
Aqueles japoneses descobriram
isto há tempos. Mas nós ainda estamos falando sobre a nossa recente velha
conhecida: a educação. E a falta que ela nos faz...