domingo, 17 de abril de 2016

A insistência como excelência

vídeo tirado da internet

Rimos, ao assistirmos a este filme. Realmente é divertido e, no mínimo, inusitado, ver uma porquinha lutando bravamente por um pote de biscoitos! Rimos por causa do inusitado, do improvável, da situação atípica. Mas quando paramos para observarmos a mensagem da entrelinha, o riso cai, um pouco, para segundo plano.

É assim em nossas vidas. O humor faz parte, ainda bem. Se ele não existisse, muitos caminhos ficariam mais difíceis do que já são ou, até mesmo, impossível de trilhá-los. O humor favorece o caminhar, mesmo que a duras penas. Mas é preciso reconhecer a hora de o riso se aquietar. As reflexões precisam de silêncio. O pensar exige um esvaziamento de falas e de barulhos. É preciso aquietar a mente para ouvir o que, de verdade, importa.

Observando a porquinha, me lembro de um pensamento de Henry Ford que diz: “há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam. ”

Sábio ele. Ninguém fracassa. Mas muitos desistem. O fracasso é relativo. Ele só será, de verdade, um fracasso, se pararmos no meio do caminho, no meio do trajeto de nossas buscas, no meio do trajeto de nossas descobertas. Mas se seguirmos viagem, independentemente dos empecilhos, talvez não consigamos alcançar o nosso pote de biscoitos, mas certamente estaremos mais próximos dele do que muitos que ficaram no meio do caminho.

E a porquinha não desistiu. Isto a fez mais forte e mais confiante. Seus planos e estratégia foram estudados e executados, apesar dos divertidos exageros. E ao final, mesmo não tendo conseguido saborear os deliciosos biscoitos, pelo menos por enquanto, ela atingiu um patamar que poucos atingem: o patamar de saber que se é capaz. O patamar de saber que se pode ir, que o objetivo é possível de ser alcançado.

Porém, este patamar só é ocupado por aqueles que não desistem. O patamar do real, do possível, precisa ser construído. E o não desistir é o principal ingrediente. O caminho desenhado só existe quando pegamos caneta e papel para desenhá-lo. E nem me venha com o tablet nestas horas! Os riscados prontos e a frieza dele não podem substituir a destreza da mão que desenha o caminho que se quer.

Deixa o tablet para os arremates. Quando estamos na fase dos arremates, a obra já pode ser vista, mesmo inacabada. Aí sim o tablet deve ser usado. Aliás, o seu está carregado? Ele não funciona com o pensar. Ele funciona se for colocado na tomada, algo que fazemos de forma mecânica e sem pensar. Ah, puxa, está descarregado? Não tem problema. Basta colocá-lo na tomada. Assim que ele acusar “100%”, você poderá tirar a tomada. Que prático, não?

Ainda bem que nem sempre a praticidade resolve os nossos problemas. Imagine colocar os nossos cérebros nas tomadas? Nosso pensar no carregador? O difícil será se nos esquecermos de nossos carregadores em nossas casas. Mas isto foi só um devaneio...estamos longe disto...pelo menos até a semana que vem.

O plano desenhado pela porquinha põe em prática tudo o que os pensadores de universidades renomadas e influentes dizem e escrevem em seus rebuscados artigos.  A personagem do nosso vídeo talvez não tenha uma formação acadêmica de ponta, como se diz por aí, mas certamente ela tem o principal: a sede pela busca. A sede pela luta. A sede pelo inconformismo. A sede pela sabedoria. A sede pelo acreditar que se pode. Coisas que talvez estes renomados destas renomadas universidades não têm. Aliás desconfio de que muitos destes, espalhados pelo mundo das aparências, vivem uma espécie de excesso de adaptabilidade. Aquele que é excessivamente adaptado não questiona, não critica, não busca...desiste. Acha tudo normal. Afinal, ou a coisa não é com ele ou acha-se incapaz.

Acredito que isto seja algo em que se pensar.

Tenho verdadeiro horror quando ouço alguém dizer, principalmente em programas de televisão, que determinada pessoa é autoridade no assunto. Como assim, autoridade no assunto? Fulano de tal é autoridade em gestão de pessoas, Beltrano é autoridade em liderança, Sicrano é autoridade em desenvolvimento de projetos...

Autoridade em liderança? O fato de sermos estudiosos sobre Liderança não nos faz Líderes. O fato de sermos estudiosos sobre desenvolvimento de projetos não significa que todos os nossos projetos terão sucesso. Então, quem deu autoridade a eles de se intitularem “autoridades”? Quem, de verdade, conhece, não precisa do título de autoridade. O título não o representa, mas sim o espaço para fazer a vida do outro melhor, por meio do servir.

Fazendo uma leitura das etapas desenvolvidas e realizadas pela personagem, muitos livros rebuscados sobre métodos e ferramentas organizacionais são postos em xeque. Livros complexos que só servem para falarem mais do mesmo e para darem nomes distintos a coisas iguais. Somente desta forma, talvez, eles consigam participar de uma sociedade que vive ávida por fórmulas mágicas e métodos que só nos livros funcionam.

Ela realizou etapas e passos fundamentais na realidade de quem é um especialista em não desistir:

1) conhecia-se e sabia seus desejos e vontades. Conhecia o seu objetivo. Sabia aonde queria chegar. Tinha uma missão clara e assertiva;

2) seus passos, apesar de exagerados, foram compatíveis com o objetivo: foco x visão. Sabia onde estava e aonde queria chegar;

3) mapeou seus riscos e oportunidades. Como valia a pena, confiou e partiu para a ação;

4) teve foco o tempo todo e não teve medo de assumir riscos. O medo não a paralisou e sabia que o risco seria inerente ao processo;

5) não se culpou pelos erros e não ficou procurando culpados para as suas frustrações. Investiu seu tempo e sua energia na criação de estratégias para atingir o objetivo;

6) mapeou os seus stakeholders, ou seja, todos aqueles a quem poderia recorrer para ajudá-la, assim como aqueles que poderiam atrapalhá-la;

7) teve prontidão: não adiou para amanhã sua busca pelos biscoitos. A oportunidade surgiu hoje e ela estava pronta. Estar pronto é essencial para uma vida de excelência;

8) e fez o principal: não desistiu e não responsabilizou terceiros por sua suposta derrota. Isto a fez se diferenciar dos demais.

Penso que estes deveriam ser os comportamentos a serem analisados pelos Líderes, em todos os momentos de convivência com colaboradores e pares. Todos nós deveríamos ser reconhecidos por causa destes comportamentos, e não somente pela entrega. O não desistir deveria ser mais valorizado que a entrega. A entrega, em si, é pontual, perecível e até questionada. Mas o ato de não desistir é que faz de um indivíduo, seja colaborador ou não, um vencedor, uma pessoa que não se curva diante às dificuldades, diante aos nãos que a vida traz.

Isto sim deveria ser visto com mais cuidado numa avaliação, e não supervalorizar aquele que mais faz marketing de si. Lembrando que uma das funções do marketing é criar necessidades desnecessárias e nos fazer acreditar no ilusório, no supérfluo, no tangível, no perecível. Ou alguém já viu alguma propaganda nos induzindo a comprar um produto que nos transformará em éticos e responsáveis? Poderia ter, mas não sei se venderia...

Quem faz marketing de si é porque desistiu de si. Eu não preciso fazer propaganda de mim. Minha obra deverá ser a minha propaganda. Simples assim.

Claro que é importante saber a hora de parar, a hora de nos darmos por satisfeitos. Porém, não por acomodação e desistência, mais sim por excelência, por inteligência. Aquele que carrega a excelência dentro de si sabe o momento de parar. Mas não porque alguém pediu, mas porque ele assumiu o risco de parar. Sem culpas. Sem discursos. Sem demoras.

Desistir é uma forma de não existir. E existir significa “ex-sistere", ex (negação, fora, sair) e sistere (estar em pé, fora de). Ou seja, para existirmos, precisamos sair de nós para nos enxergarmos, para nos ver. Por isto, ter um espelho em casa pode ser um exercício revelador de percepção...

Somente podemos dizer que nos conhecemos quando nos distanciamos de nós. Somente desta forma poderemos nos enxergar e, assim, existirmos. Quando desistimos, deixamos de fazer este processo, de irmos para fora para nos ver, perdemos uma excelente oportunidade de nos conhecermos e de irmos mais longe.

Enfim, quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma frase que sempre ouvi durante a minha vida. Uma frase que sempre me acompanhou apesar de eu não saber o autor. A frase diz: “nunca permita que aqueles que não sabem ou não aprenderam sonhar te façam desistir dos teus sonhos”.

Sábio quem disse isto. E aliás, a palavra “sábio” vem de “sapiens”, que deriva de “sapere” (saborear, ter entendimento). E o que é a vida senão esta busca pelo não desistir e pelo compreender o que, ainda, nos é incompreensível? Aquele que entra, de verdade, em contato com as coisas se torna sábio porque saboreia, experimenta, vive. Aquele que não tem medo, que não desiste, se torna sábio.

Portanto, só aquele que sonha e não desiste, pode dizer que vive.

domingo, 10 de abril de 2016

O não saber é uma forma de saber

São tantas coisas para aprender, para conhecer, para saber.

Às vezes, a gente acha que sabe. E depois, logo ali, descobrimos que não sabemos. E o pior: descobrimos que não sabemos por meio de uma pessoa que talvez saiba menos do que a gente. Irônico, não? Mas é assim.

São tantas coisas para darmos conta, que não fazemos mais contas. Muitos as fazem de cabeça; mas outros ainda não sabem que podem fazê-las de cabeça. E outros estão tentando ainda entender como se faz uma conta, que dirá de cabeça...

Às vezes, a gente se perde na nossa conta. Conta de coisas contáveis e conta de coisas incontáveis. Coisas tangíveis e coisas intangíveis. E se esquecermos de contá-las? Com os tangíveis não corremos este risco. Porém com os intangíveis, estes sim merecem uma especial atenção. Passam despercebidos, quietos, inexpressivos. Talvez eles devessem estar contemplados em contas específicas. Desta forma, não nos esqueceríamos deles. Mas enfim, são tantas as contas para darmos conta, que esta acaba sendo só mais uma...

Será que teremos tempo para darmos conta de tudo? Talvez. O problema do talvez é que ele tenta ser amigo dos dois lados: do sim e do não. Ele deveria escolher um lado. Mas não. Fica ali e lá, aqui e acolá, à esquerda e à direita, só reforçando nossas dúvidas. Ele indica tendência e possibilidade, mas sem nos dar certeza alguma.

O talvez nos coloca como participantes de um jogo de xadrez: pensamos, estudamos a próxima jogada, observamos a jogada do outro, vamos em busca de uma nitidez de movimento de peças sem nos darmos conta da nossa estupidez. Nitidez de movimento? Que nitidez? O que sabemos sobre isto? A mesquinhez de nossos passos quando não nos damos conta de um vasto caminho que se mostra a nossa frente. A nitidez da jogada que buscamos somente será encontrada mediante erros cometidos por causa de nossa pequenez.

Nossos erros nos fazem grandes se tivermos a coragem de trilhá-los e de assumi-los.

Nossas dúvidas são somente caminhos de certezas não ouvidas.

Dúvidas são certezas analisadas.

Quando ouvimos as dúvidas elas mudam de lugar. Vão para o campo das certezas. Saem da pequenez. Mas é preciso ouvi-las.

Escuridão. Densidão. Só depois da escuridão é que o dia começa a clarear.

Da forma inconstante surge a forma. Mas é preciso acreditar nela, mesmo que, aparentemente, disforme. Quem falou que ela está fora do padrão?

Da ausência do que nunca foi dito surgem os silêncios que constroem. Mas é preciso ouvi-los.

Da aparente lucidez surge a escuridão que traz à tona o falso e o palco.

Este palco cujo piso foi inaugurado pelos vaidosos. E os outros? Os outros vivem. Eles não precisam do palco para se sentirem vivos.

O barulho que ocupa o lugar deixado pelo silêncio cansado.

O aposento que se aposentou porque deixou de existir.

O sol que chegou à noite porque se atrasou conversando com a lua.

A contradição absolutamente correta porque o mundo é desigual. Aliás, não o mundo, mas sim nós. Isto. Nós somos desiguais. Não o mundo.

Injustiça? Somente para quem convive com ela. Quem não convive, certamente nunca a conheceu, nem num dicionário.

Quem atravessou a rua perde grande parte da visão ou brinca de faz-de-contas. Assim fica mais fácil.

Da anestesia dos nossos tempos. Foi-se o tempo em que anestesiar era tomar uma injeção para não sentir dor. Estamos anestesiados frente à dor alheia porque também já não a sentimos em nós. São tantas dores que elas próprias se perdem dentro de nós. Quando as dores são muitas, anestesiar pode ser um forte aliado. Mas tomamos demais deste tal remédio, porque a dor, além de anestesiada está banalizada.

Hoje morreram muitos num conflito aqui, ontem uma pessoa morreu lá, anteontem foi lá não sei onde. E assim vamos. Para onde? Não sei. Mais uma coisa para nos darmos conta. Não sei se isto também está naquela conta lá de cima. Deveria. Mas não sei se está. De qualquer forma, se esquecermos de colocar o custo da anestesia também na nossa conta, alguém a enviará para nós. Estejamos certos.

Vivemos como se nunca fôssemos ser descobertos.

A hipocrisia que sustenta a alienação das mentes. Esta é outra conta que virá alta, bem alta.

Mentes que mentem.

Mentes que matam.

Mentes que mandam.

Mas quem se importa? Só os que têm mentes verdadeiras, mas que agora choram.

A sujeira que a luz traz, mas que precisa ser limpa.

O limpo aguarda a sua chance. Enquanto isto, ele vai se sujando. É uma pena. Mas se olharmos com olhos atentos, encontraremos partes ainda limpas. Mas é preciso apressar o passo.

Um peso e duas medidas. Ainda se usa este ditado? O desuso é atual.

Pesos desiguais, medidas também. Mas quem toma conta disto? Desculpe, a balança está no conserto...está quebrada há tempos...venceu o prazo. Ninguém foi pegá-la. E o dono vendeu a balança para pagar o conserto... é uma pena.

A fila é grande, mas a senha foi entregue. Poucas. Mas foram entregues. Já é um começo.

Não reclame: muitos nem senha conseguiram! Você teve sorte! Viu como valeu a pena dormir dois dias na fila e tomar chuva?

A paciência que não espera mais. Nem ela teve paciência.

O grito sufocado que liberta a voz que cala. Que de tão calada, nem se lembrava mais que podia falar. E falou. E falou. E falou.

Alguém nos ensina a gritar de novo, por favor?

Os pés caminham por direções tortas.

Alguém sabe o caminho?

Só os rios sabem o caminho. Mas quem os ouve com este silêncio desconcertante?

O silêncio angustia. Fale alguma coisa, por favor. Nem que seja para discordar do que digo. Ninguém vai notar. Que diferença isto faz? Ninguém quer saber a sua opinião mesmo. O que importa é parecer que falou, parecer que pensou, parecer que entendeu, parecer que dançou, parecer que viveu...

E quando você se der conta disto, será preciso recomeçar... E com as contas sobre os ombros.

O silêncio não nos representa. O falar sem parar sim.

Queremos as luzes da ribalta, o palco do palhaço, os aplausos do artista, os confetes do carnaval. Mas não a ribalta que apresenta, mas a que ostenta; não o palco do palhaço que chora a dor conhecida, mas o que ri sem sentido; não o aplauso sincero, mas o que corrói a alma e empobrece o encanto; não os confetes que brincam, mas os que mostram a nossa pobreza moral que de tão fraca se despedaçou na avenida.

Acendam as luzes! A dor tira as suas máscaras!

Por que a inteligência é obrigada a ceder o seu lugar à ignorância? Por que a educação não tem voz? Por que não queremos sair do anonimato da dor?

Nossos silêncios deveriam nos construir. Nossas lacunas deveriam ter seus espaços respeitados. Mas tudo está ocupado porque nossa conveniência condena a nossa expansão.

Nossos silêncios e nossas lacunas nos incomodam. Acabamos de tomar um remedinho para curar tudo isto. A medicalização daquilo que é natural tem sido o norte da nossa sociedade. Deveríamos sentir os nossos silêncios. Viver as nossas lacunas. Mas tomar um remédio é mais fácil, não é? Ainda mais com tantos médicos dispostos a nos ajudar com isto.

Somos seres com espinhos, muitos espinhos. Mas são eles que criam a espinha dorsal da vida de sentido, sem beatices. Mas os espinhos machucam. Isolamo-nos por conta deles.

A convivência que tem sido substituída pela conveniência. Alguém já acessou o whatsapp hoje?

O abandono de nossas ideias e de nossos ideais em nome da submissão, da anulação e da bajulação.

São tantas as contas...

Quero concluir este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço, que diz:

“Queremos ter certezas e não dúvidas, resultados e não experiências, mas nem mesmo percebemos que as certezas só podem surgir através das dúvidas e os resultados somente através das experiências. ”

Bela provocação. Num mundo impregnado pela cultura do fast, aceitar a dúvida e a experiência, o não saber e o caminhar, são, no mínimo, exercícios para um redescobrimento da vida e de seu real valor.