terça-feira, 6 de dezembro de 2016

E...E...E...Vamo, Vamo, Chape

É com muita tristeza que escrevo este texto. De verdade, não queria fazê-lo. Não sobre isto. Não sobre este tema. Mas foi a forma simples que encontrei para homenagear os que se foram na última semana, o dia em que todos acordamos com aquela triste notícia.

imagem tirada da internet

Em situações como esta, o velho ditado “Deus dá o frio conforme o cobertor” é posto em xeque. Nossa fé é testada. Nossa força é chamada. Nossa coragem se desencoraja frente à crueldade como tudo aconteceu. Nossos medos se agigantam e ficamos pequenos, muito pequenos. Tomamos pé de nossa pequenez e talvez, nesta hora, caibamos naquele cobertor do ditado. Em momentos assim, o chão é algo que não se encontra e as referências, urgências e pendências perdem o sentido.

O silêncio é a única necessidade. Ele ameniza o cansaço. As palavras ocupam espaço demais nesta hora. O recolhimento é o esconderijo ideal.

Nestas horas costumo ficar de mal com Deus. Fiquei algumas vezes de mal dele durante a minha vida. É como se ele não tivesse cumprido a promessa que nos fez de que seríamos todos felizes. E nas minhas conversas com ele, costumo cobrar isto. Na maior parte das vezes, ele silencia. Acho que esperando que eu recobre minha lucidez. Ele espera. Sempre espera.

E logo a frente, peço desculpas a ele, e fazemos as pazes. Preciso dele e do entendimento que somente ele poderá trazer. A isto chamamos fé. A fé não se explica, se sente. E num momento como este, para aquele que tem fé, a caminhada fica menos dolorosa.

A fé nos faz acreditar naquilo que não encontramos explicação lógica. E o que aconteceu foi um exemplo clássico. Como explicar o que aconteceu? Não há como explicar.

Não há como ficar indiferente. Aquele que não se emocionou e não se sensibilizou com o que ocorreu deve se perguntar o que faz no mundo. Uma pergunta importante para se fazer. E aquele que tenta pegar carona nesta tragédia para resolver incompetências pessoais, o título de ser humano não é merecido. Deveria se recolher ao lugar de insignificante.

As homenagens feitas a todos aqueles que se foram (jogadores, profissionais do clube e jornalistas) foram dignas e justas.

Aquele grito “E...E...E...! Vamo, Vamo, Chape! ” ficará marcado em nossas memórias. O grito era, nas arquibancadas da Arena Condá, em Chapecó, e no estádio Atanasio Girardot, na Colômbia, uma triste tentativa de manter viva a esperança no amanhã, além da gratidão expressa na palavra Heróis, estampada nos telões. E na contagem regressiva, o grito de “é campeão” também se misturava à dor de todos.

Um título mais que merecido: serão sempre lembrados como Heróis.

Em seu Hino, a Chapecoense traz na letra: “...são tantos títulos outrora conquistados com bravura, muita raça e fervor. Leva consigo o coração de uma cidade...”.

E será nesta bravura, raça e fervor que ela precisará se apoiar para se reerguer. E este reerguer começou no choro inconsolável dos meninos da base, que a partir de agora carregam a missão de levantarem o time e o colocarem, novamente, numa posição de destaque.

Muito triste. Uma perda irreparável.

O Brasil parou. O mundo se comoveu. E todos prestaram as suas homenagens. Todos unidos num só coro: “Força, Chape! ”. A beleza deste coro seria ainda maior se não fosse pelo motivo que a causou. A união de forças que se deu foi uma demonstração de que ainda temos a bondade e o amor dentro de nós. Infelizmente ainda temos a dificuldade de expressar tal sentimento de bondade e de amor fora das tragédias. Mas ainda há chance. Mas ainda há esperança. Mas ainda há motivos.

A união e a solidariedade vistas foram emocionantes.

Ainda somos capazes de amar. Mesmo que seja num momento ímpar e de dor. Ainda assim somos capazes.

A dor nos causa uma sensação como se estivéssemos anestesiados. O problema é que o efeito da anestesia, ao passar, nos colocará, novamente, nos pódios criados por nós para servirem as nossas vaidades.

A dor nos anestesia. Faz-nos baixar a guarda, baixar as nossas armas e nos colocar ao lado do outro e não acima dele. A dor do outro nos comove porque sentimos dor também. Frente àquilo, não há o que fazer. Somos impotentes, frágeis, pequenos. Somos humanos.

Por que precisamos de uma tragédia como esta para expressarmos amor, caridade e solidariedade?

Por que na hora da dor temos tempo de estarmos juntos?

Por que na hora da dor abraçamos quem nos é desconhecido? Mas não sabemos sequer o nome do nosso vizinho?

Por que na hora da dor acolhemos o nosso adversário?

Por que num momento de dor nos unimos? Por que neste momento não temos cor, raça e religião? Por que num momento de dor abrimos mão de nossos compromissos imprescindíveis? Mas ao passar este momento, voltamos para os nossos compromissos adiáveis, cuja presença é fundamental.

A morte traz reflexões que a alegria busca esconder. Por que precisam nos lembrar, por meio de tristes acontecimentos, que a união e a fraternidade são, de fato, fundamentais? Por que a tristeza aproxima e a alegria afasta, muitas vezes? No mínimo, irônico.

São muitas as perguntas. E poucas as respostas. E precisamos nos acostumar com o fato de que nem sempre teremos acesso às respostas de que gostaríamos. Ainda ficaremos por muito tempo sentindo o incômodo de termos perguntas sem respostas.

O Atletico Nacional propôs que o título fosse dado ao time da Chapecoense. Que linda atitude.

Uma atitude de campeões e de pessoas que já entenderam o verdadeiro sentido da vida.

O mundo precisa de mais atitudes como esta. Pessoas que agem desta forma, certamente, já encontraram muitas respostas para as suas perguntas.

O tempo vai passar. A dor daquelas pessoas que perderam seus amigos e parentes se transformará em saudade. Uma saudade sofrida e inesquecível.

Um choque para todos nós. Um duro aprendizado. Um golpe violento. A vida tem seus dias felizes e seus dias tristes.

Ela também fica de mau humor.

A morte tem o poder de nos calar e de nos colocar no nosso lugar. Ela não deixa dúvidas sobre o que fazer: por isto expressamos todos aqueles sentimentos de compaixão, de amor, de fé e de solidariedade. Neste momento, sabemos exatamente o que precisa ser feito. Parece um choque de realidade.

O silêncio que ela provoca rompe padrões estabelecidos. Não há regras. As máscaras caem.

Aquela mesma fé que tenho me faz crer que a vida continua. O jogo foi interrompido apenas por um tempo. Mas logo ele retomará. Não demora e eles colocarão novamente suas camisas verdes e voltarão ao campo. É só uma questão de tempo. Foi só uma parada técnica, num dia de muito sol, para um copo de água.

A trajetória destas pessoas e deste time não merece o vice-campeonato. Por isto o grito de “é campeão “ foi cantado justamente.

Parabéns a todos! Vocês todos são campeões! E sempre serão lembrados como Heróis.

Heróis de um tempo, de uma época, de um povo.

#somostodoschapecoense

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma frase de Jean de La Fontaine, poeta e fabulista do século XVII, que diz:

“Nas asas do tempo, a tristeza voa”.

Uma frase curta, mas que expressa muito do que sentimos na última semana e que, certamente, ficará em nossas memórias.

E...E...E...! Vamo, Vamo, Chape!