É com muita tristeza que escrevo
este texto. De verdade, não queria fazê-lo. Não sobre isto. Não sobre este
tema. Mas foi a forma simples que encontrei para homenagear os que se foram na
última semana, o dia em que todos acordamos com aquela triste notícia.
imagem tirada da internet
Em situações como esta, o velho
ditado “Deus dá o frio conforme o cobertor” é posto em xeque. Nossa fé é
testada. Nossa força é chamada. Nossa coragem se desencoraja frente à crueldade
como tudo aconteceu. Nossos medos se agigantam e ficamos pequenos, muito
pequenos. Tomamos pé de nossa pequenez e talvez, nesta hora, caibamos naquele cobertor
do ditado. Em momentos assim, o chão é algo que não se encontra e as
referências, urgências e pendências perdem o sentido.
O silêncio é a única necessidade.
Ele ameniza o cansaço. As palavras ocupam espaço demais nesta hora. O recolhimento
é o esconderijo ideal.
Nestas horas costumo ficar de mal
com Deus. Fiquei algumas vezes de mal dele durante a minha vida. É como se ele
não tivesse cumprido a promessa que nos fez de que seríamos todos felizes. E
nas minhas conversas com ele, costumo cobrar isto. Na maior parte das vezes,
ele silencia. Acho que esperando que eu recobre minha lucidez. Ele espera.
Sempre espera.
E logo a frente, peço desculpas a
ele, e fazemos as pazes. Preciso dele e do entendimento que somente ele poderá
trazer. A isto chamamos fé. A fé não se explica, se sente. E num momento como
este, para aquele que tem fé, a caminhada fica menos dolorosa.
A fé nos faz acreditar naquilo
que não encontramos explicação lógica. E o que aconteceu foi um exemplo
clássico. Como explicar o que aconteceu? Não há como explicar.
Não há como ficar indiferente.
Aquele que não se emocionou e não se sensibilizou com o que ocorreu deve se
perguntar o que faz no mundo. Uma pergunta importante para se fazer. E aquele
que tenta pegar carona nesta tragédia para resolver incompetências pessoais, o
título de ser humano não é merecido. Deveria se recolher ao lugar de
insignificante.
As homenagens feitas a todos
aqueles que se foram (jogadores, profissionais do clube e jornalistas) foram
dignas e justas.
Aquele grito “E...E...E...! Vamo,
Vamo, Chape! ” ficará marcado em nossas memórias. O grito era, nas
arquibancadas da Arena Condá, em Chapecó, e no estádio Atanasio Girardot, na Colômbia,
uma triste tentativa de manter viva a esperança no amanhã, além da gratidão
expressa na palavra Heróis, estampada nos telões. E na contagem regressiva, o
grito de “é campeão” também se misturava à dor de todos.
Um título mais que merecido: serão
sempre lembrados como Heróis.
Em seu Hino, a Chapecoense traz na
letra: “...são tantos títulos outrora conquistados com bravura, muita raça e
fervor. Leva consigo o coração de uma cidade...”.
E será nesta bravura, raça e fervor
que ela precisará se apoiar para se reerguer. E este reerguer começou no choro
inconsolável dos meninos da base, que a partir de agora carregam a missão de
levantarem o time e o colocarem, novamente, numa posição de destaque.
Muito triste. Uma perda
irreparável.
O Brasil parou. O mundo se
comoveu. E todos prestaram as suas homenagens. Todos unidos num só coro:
“Força, Chape! ”. A beleza deste coro seria ainda maior se não fosse pelo
motivo que a causou. A união de forças que se deu foi uma demonstração de que
ainda temos a bondade e o amor dentro de nós. Infelizmente ainda temos a
dificuldade de expressar tal sentimento de bondade e de amor fora das
tragédias. Mas ainda há chance. Mas ainda há esperança. Mas ainda há motivos.
A união e a solidariedade vistas
foram emocionantes.
Ainda somos capazes de amar. Mesmo que seja num momento ímpar e de dor.
Ainda assim somos capazes.
A dor nos causa uma sensação como
se estivéssemos anestesiados. O problema é que o efeito da anestesia, ao
passar, nos colocará, novamente, nos pódios criados por nós para servirem as
nossas vaidades.
A dor nos anestesia. Faz-nos
baixar a guarda, baixar as nossas armas e nos colocar ao lado do outro e não
acima dele. A dor do outro nos comove porque sentimos dor também. Frente
àquilo, não há o que fazer. Somos impotentes, frágeis, pequenos. Somos humanos.
Por que precisamos de uma tragédia como esta para expressarmos amor,
caridade e solidariedade?
Por que na hora da dor temos
tempo de estarmos juntos?
Por que na hora da dor abraçamos
quem nos é desconhecido? Mas não sabemos sequer o nome do nosso vizinho?
Por que na hora da dor acolhemos
o nosso adversário?
Por que num momento de dor nos
unimos? Por que neste momento não temos cor, raça e religião? Por que num
momento de dor abrimos mão de nossos compromissos imprescindíveis? Mas ao passar
este momento, voltamos para os nossos compromissos adiáveis, cuja presença é fundamental.
A morte traz reflexões que a
alegria busca esconder. Por que precisam nos lembrar, por meio de tristes
acontecimentos, que a união e a fraternidade são, de fato, fundamentais? Por
que a tristeza aproxima e a alegria afasta, muitas vezes? No mínimo, irônico.
São muitas as perguntas. E poucas
as respostas. E precisamos nos acostumar com o fato de que nem sempre teremos
acesso às respostas de que gostaríamos. Ainda ficaremos por muito tempo sentindo
o incômodo de termos perguntas sem respostas.
O Atletico Nacional propôs que o
título fosse dado ao time da Chapecoense. Que linda atitude.
Uma atitude de campeões e de pessoas que já entenderam o verdadeiro
sentido da vida.
O mundo precisa de mais atitudes
como esta. Pessoas que agem desta forma, certamente, já encontraram muitas respostas
para as suas perguntas.
O tempo vai passar. A dor
daquelas pessoas que perderam seus amigos e parentes se transformará em
saudade. Uma saudade sofrida e inesquecível.
Um choque para todos nós. Um duro
aprendizado. Um golpe violento. A vida tem seus dias felizes e seus dias
tristes.
Ela também fica de mau humor.
A morte tem o poder de nos calar
e de nos colocar no nosso lugar. Ela não deixa dúvidas sobre o que fazer: por
isto expressamos todos aqueles sentimentos de compaixão, de amor, de fé e de
solidariedade. Neste momento, sabemos exatamente o que precisa ser feito.
Parece um choque de realidade.
O silêncio que ela provoca rompe padrões estabelecidos. Não há regras.
As máscaras caem.
Aquela mesma fé que tenho me faz
crer que a vida continua. O jogo foi interrompido apenas por um tempo. Mas logo
ele retomará. Não demora e eles colocarão novamente suas camisas verdes e
voltarão ao campo. É só uma questão de tempo. Foi só uma parada técnica, num
dia de muito sol, para um copo de água.
A trajetória destas pessoas e
deste time não merece o vice-campeonato. Por isto o grito de “é campeão “ foi
cantado justamente.
Parabéns a todos! Vocês todos são
campeões! E sempre serão lembrados como Heróis.
Heróis de um tempo, de uma época,
de um povo.
#somostodoschapecoense
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com uma frase de Jean de
La Fontaine, poeta e fabulista do século XVII, que diz:
“Nas asas do tempo, a tristeza
voa”.
Uma frase curta, mas que expressa
muito do que sentimos na última semana e que, certamente, ficará em nossas
memórias.
E...E...E...! Vamo, Vamo, Chape!