terça-feira, 6 de dezembro de 2016

E...E...E...Vamo, Vamo, Chape

É com muita tristeza que escrevo este texto. De verdade, não queria fazê-lo. Não sobre isto. Não sobre este tema. Mas foi a forma simples que encontrei para homenagear os que se foram na última semana, o dia em que todos acordamos com aquela triste notícia.

imagem tirada da internet

Em situações como esta, o velho ditado “Deus dá o frio conforme o cobertor” é posto em xeque. Nossa fé é testada. Nossa força é chamada. Nossa coragem se desencoraja frente à crueldade como tudo aconteceu. Nossos medos se agigantam e ficamos pequenos, muito pequenos. Tomamos pé de nossa pequenez e talvez, nesta hora, caibamos naquele cobertor do ditado. Em momentos assim, o chão é algo que não se encontra e as referências, urgências e pendências perdem o sentido.

O silêncio é a única necessidade. Ele ameniza o cansaço. As palavras ocupam espaço demais nesta hora. O recolhimento é o esconderijo ideal.

Nestas horas costumo ficar de mal com Deus. Fiquei algumas vezes de mal dele durante a minha vida. É como se ele não tivesse cumprido a promessa que nos fez de que seríamos todos felizes. E nas minhas conversas com ele, costumo cobrar isto. Na maior parte das vezes, ele silencia. Acho que esperando que eu recobre minha lucidez. Ele espera. Sempre espera.

E logo a frente, peço desculpas a ele, e fazemos as pazes. Preciso dele e do entendimento que somente ele poderá trazer. A isto chamamos fé. A fé não se explica, se sente. E num momento como este, para aquele que tem fé, a caminhada fica menos dolorosa.

A fé nos faz acreditar naquilo que não encontramos explicação lógica. E o que aconteceu foi um exemplo clássico. Como explicar o que aconteceu? Não há como explicar.

Não há como ficar indiferente. Aquele que não se emocionou e não se sensibilizou com o que ocorreu deve se perguntar o que faz no mundo. Uma pergunta importante para se fazer. E aquele que tenta pegar carona nesta tragédia para resolver incompetências pessoais, o título de ser humano não é merecido. Deveria se recolher ao lugar de insignificante.

As homenagens feitas a todos aqueles que se foram (jogadores, profissionais do clube e jornalistas) foram dignas e justas.

Aquele grito “E...E...E...! Vamo, Vamo, Chape! ” ficará marcado em nossas memórias. O grito era, nas arquibancadas da Arena Condá, em Chapecó, e no estádio Atanasio Girardot, na Colômbia, uma triste tentativa de manter viva a esperança no amanhã, além da gratidão expressa na palavra Heróis, estampada nos telões. E na contagem regressiva, o grito de “é campeão” também se misturava à dor de todos.

Um título mais que merecido: serão sempre lembrados como Heróis.

Em seu Hino, a Chapecoense traz na letra: “...são tantos títulos outrora conquistados com bravura, muita raça e fervor. Leva consigo o coração de uma cidade...”.

E será nesta bravura, raça e fervor que ela precisará se apoiar para se reerguer. E este reerguer começou no choro inconsolável dos meninos da base, que a partir de agora carregam a missão de levantarem o time e o colocarem, novamente, numa posição de destaque.

Muito triste. Uma perda irreparável.

O Brasil parou. O mundo se comoveu. E todos prestaram as suas homenagens. Todos unidos num só coro: “Força, Chape! ”. A beleza deste coro seria ainda maior se não fosse pelo motivo que a causou. A união de forças que se deu foi uma demonstração de que ainda temos a bondade e o amor dentro de nós. Infelizmente ainda temos a dificuldade de expressar tal sentimento de bondade e de amor fora das tragédias. Mas ainda há chance. Mas ainda há esperança. Mas ainda há motivos.

A união e a solidariedade vistas foram emocionantes.

Ainda somos capazes de amar. Mesmo que seja num momento ímpar e de dor. Ainda assim somos capazes.

A dor nos causa uma sensação como se estivéssemos anestesiados. O problema é que o efeito da anestesia, ao passar, nos colocará, novamente, nos pódios criados por nós para servirem as nossas vaidades.

A dor nos anestesia. Faz-nos baixar a guarda, baixar as nossas armas e nos colocar ao lado do outro e não acima dele. A dor do outro nos comove porque sentimos dor também. Frente àquilo, não há o que fazer. Somos impotentes, frágeis, pequenos. Somos humanos.

Por que precisamos de uma tragédia como esta para expressarmos amor, caridade e solidariedade?

Por que na hora da dor temos tempo de estarmos juntos?

Por que na hora da dor abraçamos quem nos é desconhecido? Mas não sabemos sequer o nome do nosso vizinho?

Por que na hora da dor acolhemos o nosso adversário?

Por que num momento de dor nos unimos? Por que neste momento não temos cor, raça e religião? Por que num momento de dor abrimos mão de nossos compromissos imprescindíveis? Mas ao passar este momento, voltamos para os nossos compromissos adiáveis, cuja presença é fundamental.

A morte traz reflexões que a alegria busca esconder. Por que precisam nos lembrar, por meio de tristes acontecimentos, que a união e a fraternidade são, de fato, fundamentais? Por que a tristeza aproxima e a alegria afasta, muitas vezes? No mínimo, irônico.

São muitas as perguntas. E poucas as respostas. E precisamos nos acostumar com o fato de que nem sempre teremos acesso às respostas de que gostaríamos. Ainda ficaremos por muito tempo sentindo o incômodo de termos perguntas sem respostas.

O Atletico Nacional propôs que o título fosse dado ao time da Chapecoense. Que linda atitude.

Uma atitude de campeões e de pessoas que já entenderam o verdadeiro sentido da vida.

O mundo precisa de mais atitudes como esta. Pessoas que agem desta forma, certamente, já encontraram muitas respostas para as suas perguntas.

O tempo vai passar. A dor daquelas pessoas que perderam seus amigos e parentes se transformará em saudade. Uma saudade sofrida e inesquecível.

Um choque para todos nós. Um duro aprendizado. Um golpe violento. A vida tem seus dias felizes e seus dias tristes.

Ela também fica de mau humor.

A morte tem o poder de nos calar e de nos colocar no nosso lugar. Ela não deixa dúvidas sobre o que fazer: por isto expressamos todos aqueles sentimentos de compaixão, de amor, de fé e de solidariedade. Neste momento, sabemos exatamente o que precisa ser feito. Parece um choque de realidade.

O silêncio que ela provoca rompe padrões estabelecidos. Não há regras. As máscaras caem.

Aquela mesma fé que tenho me faz crer que a vida continua. O jogo foi interrompido apenas por um tempo. Mas logo ele retomará. Não demora e eles colocarão novamente suas camisas verdes e voltarão ao campo. É só uma questão de tempo. Foi só uma parada técnica, num dia de muito sol, para um copo de água.

A trajetória destas pessoas e deste time não merece o vice-campeonato. Por isto o grito de “é campeão “ foi cantado justamente.

Parabéns a todos! Vocês todos são campeões! E sempre serão lembrados como Heróis.

Heróis de um tempo, de uma época, de um povo.

#somostodoschapecoense

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma frase de Jean de La Fontaine, poeta e fabulista do século XVII, que diz:

“Nas asas do tempo, a tristeza voa”.

Uma frase curta, mas que expressa muito do que sentimos na última semana e que, certamente, ficará em nossas memórias.

E...E...E...! Vamo, Vamo, Chape!

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Os crocodilos incompreendidos

imagem tirada da internet
Diz a história que um milionário promoveu uma festa em uma de suas mansões. Num determinado momento, ele pediu para baixar o som para poder falar com os convidados. Ao lado da piscina, aonde criava crocodilos, ele disse:
- Quem pular na piscina e conseguir atravessá-la até o outro lado ganhará todos os meus carros. Alguém se habilita?
Espantados, os convidados ficaram em silêncio. E o milionário insistiu:
- Quem pular na piscina e conseguir atravessá-la até o outro lado ganhará todos os meus carros e os meus aviões. Alguém se habilita?
O silêncio foi desconcertante.
Mais uma vez, então, o milionário disse:
- Quem pular na piscina e conseguir atravessá-la até o outro lado ganhará todos os meus carros, os meus aviões e as minhas mansões.
Foi neste momento que alguém saltou na piscina. A cena era impressionante. Uma intensa luta. O rapaz que saltou na piscina se defendia como podia. Segurava a boca dos crocodilos com pés e mãos. Tentava torcer o rabo dos animais. Muita violência e emoção. Após alguns minutos de terror e de pânico, o corajoso homem, cheio de feridas, saiu da piscina. Vivo.
O milionário se aproximou dele, o parabenizou e perguntou:
- Aonde você deseja que os meus carros sejam entregues?
- Obrigado, mas não quero os seus carros, respondeu o rapaz.
Surpreso, o milionário perguntou:
- Então você aceita os meus aviões? Aonde posso entregá-los?
- Obrigado, mas também não quero os seus aviões.
Estranhando a reação do homem, o milionário fez mais uma pergunta:
- E as minhas mansões? Agora elas pertencem a você!
- Eu tenho uma bela casa, não preciso das suas, respondeu o rapaz.
Impressionado, o milionário perguntou:
- Mas se você não quer nada do que ofereci, o que quer então?
- Apenas encontrar o imbecil que me empurrou para dentro da piscina!
Humor à parte, ninguém, em sã consciência, se atiraria, literalmente, numa piscina com crocodilos. A aparência amiga que a imagem deste texto sugere está presente só nos desenhos. Na vida, queremos ficar longe deles, mas nem sempre é possível.
Sempre escrevo que são várias leituras que podem ser feitas a partir de um texto. E com este não poderia ser diferente. Toda e qualquer leitura que fazemos sempre trará a verdade de cada um.
Lendo esta história, me lembrei das piscinas com crocodilos pelas quais já passei, e com as quais fui convidada a lidar e a mergulhar. O convite, muitas vezes, vinha mascarado de oportunidade na fala de um mau gestor, no erro por escolhas mal pensadas, no comportamento dos hipócritas, no discurso pronto e hostil e aquele comprado por pessoas que não faziam da ética, a sua primeira opção de vida. Piscinas não me faltaram. Algumas fundas, que me ensinaram a nadar, e outras rasas que, apesar de eu não ter o problema da profundidade, outros crocodilos eram colocados lá a todo momento. O convite vinha por todos os lados.
Nunca entramos, por querer, em piscinas com crocodilos. No máximo, sabemos que estamos entrando num lugar com animais ferozes, mas o nosso otimismo natural sempre nos faz crer que o bicho “não é tão feio assim como pintam”. E aí, esperançosos, colocamos parte dos nossos pés na água, e quando nos damos conta, o crocodilo já está atrás de nós. Na maioria das vezes, o que ocorre, exatamente como na história, somos convidados a dar um mergulho numa piscina com integrantes bem acessíveis e generosos.
Entrar em piscinas com crocodilos não depende apenas de nós. Permanecer nelas, sim.
Os crocodilos, apesar de sua aparência repugnante e do perigo que representam, nos fazem um serviço que anos de estudos não seriam suficientes: eles nos fazem, como na história, lutar como guerreiros, desejar a nossa sobrevivência, descobrir o nosso lado estrategista, planejar, confiar, desenvolver o foco e a atenção, ter um objetivo e persegui-lo.
Com um crocodilo atrás da gente, o tempo e a vida são mais valorizados.
Eles nos elevam a um patamar de excelência que levaríamos anos para descobrir e para colocar em prática.
Na história, mesmo à força, aquele homem descobriu que “o outro lado da piscina” é para todos, inclusive para ele. Que chegar “do lado de lá” dependia, entre outras coisas, dele.
Metáforas e proporções à parte, estarmos mergulhados numa piscina com crocodilos é sinônimo de testar nossas forças, de não desistir e de, acima de tudo, rever planos e objetivos. Os crocodilos são excelentes anfitriões. Eles não nos dão muito tempo para firulas. Forçam-nos a nos enxergar dentro da piscina e saber quem somos. Estar lá é um convite para saber se o rumo tomado está certo.
Os crocodilos sempre indicam caminhos. É preciso saber reconhecê-los e trilhá-los.
Eles sempre foram presentes em nossas vidas. Como são quietos e lentos não percebemos a sua presença. Mas eles estão lá.
Com ou sem o nosso consentimento, eles têm vida própria e sempre nos visitam ao longo de nossas vidas, e de formas variadas. Eles chegam, se acomodam e ainda nos pedem um café, porque não têm hora para irem. Mas quando eles se vão, nos agigantamos. Olhamos para trás, para a piscina na qual estávamos mergulhados e, de forma irônica, agradecemos aos crocodilos pela visita, até então incompreendidos por nós. Reconhecemo-nos vivos e munidos de ferramentas até então desconhecidas por nós. Ferramentas nos dadas por eles.
Ferramentas que descobrimos ao longo de nossa jornada até o outro lado da piscina. Ferramentas que descobrimos enquanto lutávamos com os crocodilos.
Eles existem para despertar a força que há em nós, cuja capacidade não tivemos para fazê-la. Mas eles tiveram e fizeram o trabalho por nós. Os crocodilos são ágeis e atentos.
Dentro de uma piscina com crocodilos, o “não posso” não existe, mas sim o “como”. Somente isto nos fará sobreviver a eles. O como abre caminhos para o outro lado da piscina; o não posso nos faz ser engolidos.
Enquanto nadamos até o outro lado, o crocodilo vai nos obrigando a descortinar nossos saberes. É uma questão de sobrevivência. Não temos saídas e opções. E a medida que avançamos e chegamos do outro lado, o crocodilo vai se despedindo de nós. Vencer é uma questão de escolha e de criar possibilidades.
Sem eles, poderíamos ter ficado pelo caminho. Muitos de nós, por não terem tido crocodilos em suas vidas, viveram às margens da paisagem vista da janela. Mas os que tiveram a grande sorte de terem sido jogados dentro de piscinas com crocodilos, hoje ajudam a pintar a paisagem, e não apenas a contemplam.
Portanto, gratidão aos crocodilos do caminho, antes que os convites para novos mergulhos cheguem a nós.
Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Horácio, Filósofo e Poeta da Roma Antiga, que diz:
“A adversidade desperta em nós capacidades que, em circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas. ”
Bendito sejam os crocodilos do caminho.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Os elefantes invisíveis

Durante minha trajetória profissional, trabalhei na equipe de um grande Líder com quem aprendi muito. Quando acontecia algo absurdo que, na visão dele, representava uma grande perda de foco e de tempo, ele dizia: “prestamos tanta atenção às formigas, que não percebemos a passagem dos elefantes. ”

Fico imaginando como não perceber a passagem de elefantes..., mas o fato é que eles passam, estão passando e já passaram. E a gente nem percebeu, realmente.

Obviamente que dar atenção às formigas é fundamental. Elas também fazem a diferença. E apesar de seu pequeno tamanho, suas obras são imensas. Mas naquele momento, ele chamava a atenção para o fato de que as formigas estavam bem cuidadas e encaminhadas, mas os elefantes não. As formigas estavam à mostra. Mas os elefantes não. As formigas se mostravam e faziam questão de dizer que estavam passando. Mas os elefantes não.

Formigas e elefantes: dois lados que dão conta das nossas questões e nos chamam a refletir. Mas quem está com boa vontade e disposição para esta conversa?

Ver e perceber as formigas é muito mais fácil. Organizadas, perfeccionistas e previsíveis, no bom sentido. Então, como não perceber que elas estão lá?

As formigas não se escondem. Mostram-se e o caminho delas é conhecido.

No entanto, os elefantes, mudam suas rotas ao primeiro sinal de perigo. São fortes. Atacam e constroem caminhos alternativos para despistarem os inimigos. Vivem em localidades de difícil acesso e dificultam, ao máximo, a proximidade com o homem.

Os elefantes não se mostram. Escondem-se e isolam-se. O caminho deles não é conhecido.

Por tudo isto é que aquele Líder, de verdade, com quem trabalhei, dizia isto com frequência.

Ter atenção para perceber o que realmente importa é para poucos. Perceber formigas é essencial. Mas perceber elefantes é imprescindível. Mas isto é para poucos. Apenas para aqueles cujo olhar se despojou de percepções inúteis e desnecessárias, livres do preconceito e das vaidades. E este olhar é para poucos.

A história abaixo, aparentemente inofensiva e divertida, escrita pelo cronista Sérgio Marcus Rangel Porto, mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta, traduz o que trago neste texto. A história é sobre a Velha Contrabandista...

imagem tirada da internet

Havia uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira, montada na lambreta, e carregava um saco atrás. Todos da Alfândega, experientes, começaram a desconfiar dela.

Um dia, quando ela vinha em sua lambreta, e carregando o saco atrás, o fiscal pediu para ela parar e perguntou:

- Escuta, aqui, vovozinha. A senhora passa aqui todos os dias, com esse saco atrás. O que a senhora carrega dentro dele?

A velhinha sorriu com os poucos dentes que ainda restavam e mais outros que adquirira no odontólogo, e respondeu:

- Carrego areia!

O fiscal sorriu e não acreditou nela. Teve a certeza de que ela não carregava areia alguma naquele saco, e mandou que ela descesse da lambreta para examiná-lo. O fiscal, então, esvaziou o saco e dentro, realmente, só havia areia. Envergonhado, ordenou à velhinha que seguisse. E assim ela foi embora.

Mas o fiscal, mesmo assim, continuou desconfiado. Pensou que ela estivesse passando num dia com areia e no outro com muambas, dentro daquele saco. No dia seguinte, quando ela passou em sua lambreta com o saco atrás, o fiscal pediu para ela parar novamente. Perguntou o que ela levava no saco. E, de novo, ela respondeu que era areia. O fiscal examinou e confirmou. Durante um mês o fiscal parou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.

Aí o fiscal se chateou e disse:

- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega há 40 anos. Reconheço de longe esta coisa de contrabando. Ninguém me convence de que a senhora não seja contrabandista.

- Mas no saco só tem areia, insistiu.

Quando ela ameaçou seguir com a sua lambreta, o fiscal propôs:

- Eu prometo que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai ter que me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?

- O senhor promete que não "espaia"?

- Juro, respondeu o fiscal.

- Meu contrabando é a lambreta...

Pois é, quantas lambretas não deixamos passar por estarmos tão obstinados em descobrirmos o que havia no saco.

Sabermos onde estão as formigas e o que há no saco é importante. Faz parte do processo. Mas enquanto estivermos destinando o nosso olhar apenas para isto, nossos elefantes invisíveis passarão, montados em lambretas, sem que percebamos a sua passagem. No máximo, acenaremos para eles, enquanto passarem por nós, como ilustres desconhecidos, sem sabermos o porquê os cumprimentamos e sem sabermos quem eles são...

domingo, 23 de outubro de 2016

Cuide das panelas que estão no fogo

imagem tirada da internet

Panelas são utensílios domésticos bem antigos. Sua função mais nobre é o ato de transformar, de alimentar. Elas podem ser de cerâmica, pressão, alumínio, vidro, ferro, barro, cobre e outros tipos. São instrumentos de protesto também, é verdade, mas este não é o seu papel. Pelo menos não deveria ser.

Independentemente do tipo, panelas ajudam a transformar. Ajudam a criar outro estado. Ajudam a mudar a forma.  Elas são o meio para algo. Elas são a ponte. Elas são a ferramenta que, nas mãos certas, produzem maravilhas.

Ouvi a expressão “cuide das panelas que estão no fogo” de um comentarista esportivo. Em uma determinada partida, o locutor disse esta frase referindo-se a um jogador que, apesar de não fazer muitos gols, cuidava muito bem das panelas que estavam no fogo. Disse, ainda, que se tratava de um jogador atento aos lances do jogo, dava assistências, tinha foco e visão privilegiados sobre a partida. E completou: “pois é, ele cuida das panelas que estão no fogo. Não deixa as panelas queimarem. ”

Fiquei com esta expressão na cabeça e resolvi pegá-la emprestada para escrever este texto.

Diversas são as leituras que podemos fazer sobre esta expressão. Todas estarão certas. Quando tratamos da subjetividade da vida, todas as leituras que fazemos têm o seu sentido, a sua lógica. E, portanto, não podem ser contestadas.

Cuidar das panelas que estão no fogo significa não perder a construção de vista. Quando deixamos que a vida cuide daquilo que é o nosso papel, sentimos aquele cheiro desagradável de panela queimando no fogo. Corremos para a cozinha, na esperança de salvarmos o alimento, e desligamos o fogo. Tarde demais. A comida queimou e a panela, se dermos sorte, poderá ser salva.

E por que isto aconteceu? Porque perdemos o foco e a atenção. Duas raridades atualmente. Perdemos o foco e a atenção, muitas vezes, sobre algo importante. Porque para aquilo que não importa, muitas vezes dedicamos foco e atenção. Estranhezas de nossos tempos que só cabe a nós resolvê-las.

Estar atento às panelas que estão no fogo significa, também, abrir mão de uma suposta vaidade pessoal porque, certamente, aquele que cuida das panelas no fogo não será o que vai saborear a refeição. E estar disposto a esta grandeza de espírito é um lugar que não sei se já está habitado por alguém.

Cuidar das nossas panelas e não permitir que elas se queimem é fazer as coisas com propósito e sentido. Saber o que importa e a essência. É saber que a responsabilidade de cuidar delas será sempre nossa, correndo o risco de nunca sermos reconhecidos e valorizados por isto.

Quando cuidamos bem de nossas panelas e temos atenção a todas as etapas necessárias fazemos, da vida do outro, uma vida com mais facilidades e com menos interrupções. A vida do outro, por causa do nosso cuidar, se torna mais fácil de ser vivida. Podemos apostar que sim. Mas nem sempre a nossa vida será mais fácil por causa disto. É a arte da renúncia.  E, novamente, isto não é para todos.

A renúncia somente existe no vocabulário daquele que já entendeu que servir é muito melhor que ser servido. Aqueles que já começaram a cuidar das suas panelas iniciaram o seu processo de renúncia. O seu processo de servir.

Se você está na condição de servir é porque já tem suas necessidades atendidas, ou próximo disto. É, portanto, uma pessoa mais livre. Não necessita ser servido.

Servir é um ato de superioridade. Só os despojados de inutilidades enxergam o valor disto.

Renunciar a vaidade de fazer o gol em prol de um passe para aquele que melhor está posicionado.

Renunciar o gosto de ter sempre razão para lembrar que a razão do outro também existe.

Renunciar a obsessão pelo acerto, uma vez que isto nos induz ao erro.

Renunciar é o início da verdadeira felicidade. Aquele que renuncia tem menos necessidades. Por isto é muito mais feliz.

Quem não descuida das panelas tem uma atenção que altera, coopera e transforma.

Enfim. As panelas são nossas. A cada um a responsabilidade de cuidar do que nos cabe. É preciso assumir nossas panelas para que sejamos merecedores do seu alimento.

Tempo, esforço e dedicação. Três atributos seguidos por quem iniciou o caminho. E coragem para expor o resultado do nosso cuidar, que é o que não dá para não fazer.

Cuidar das panelas é não permitir que as nossas verdadeiras questões de distanciem de nós.

Que a gente sempre consiga equilibrar os gols realizados na vida com o cuidar de nossas panelas. Os gols virão, certamente. Mas terão mais sabor se forem construídos em estradas que permitiram o uso e o cuidar de panelas.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma frase de Confúcio, pensador Chinês, que diz:

“O operário que quer fazer o seu trabalho bem deve começar por afiar os seus instrumentos. ”

Pois é, e que melhor instrumento para este começar que não nossas panelas? Mas é preciso atenção para que elas não se queimem durante a nossa trajetória.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

O Ballet que desequilibra

imagem tirada da internet

Todas as danças são belas. Não vejo exceção. Mesmo aquelas cuja sintonia não bate com a nossa, ainda assim são belas. Têm a forma, o ritmo, a beleza, a história, o esforço, o trabalho.

Acredito que a beleza da dança também se reflita, além da questão coreográfica, por conta do amor à profissão, que é visível nos artistas. Aquela vontade de estar lá. Aquela presença da alma em tudo o que é feito.

Quando a nossa alma está presente, tudo o mais se realiza.

Dançar, para estas pessoas, passa a ser mais que passos e posturas: passa a ser uma forma de expressar felicidade, portanto. E isto é para tudo na nossa vida, não somente na dança. Quando conseguimos, de fato, nos enxergar de corpo e alma naquilo que fazemos, o trabalho, a dor e o cansaço ficam, de verdade, para segundo plano. E um segundo plano raramente visitado, frequentemente esquecido.

E o ballet é uma destas maravilhosas danças. Assistir a uma apresentação desta é se deixar conduzir pela leveza, ter certeza sobre o próximo passo e seguir adiante, de preferência sem errar...a perfeição é a ordem. O equilíbrio uma necessidade.

Toda aquela elegância e postura sob os pés dos bailarinos caem por terra caso não sejam respeitadas. E o que seria belo se torna desequilibrado e desarmônico. O ballet é uma das danças cujo erro é mais notado, mais visto. Em outras danças também. Mas aqui, os passos são tão calculados que não há espaços para tentativas, desvios e disfarces.

O ballet exige uma perfeição que a própria vida ainda não aprendeu.

Estudei com uma colega, no ensino fundamental, chamada Denise. Menina calada, muito inteligente, discreta e de movimentos controlados. Esguia, magra e alta, a pergunta a ela era inevitável: “você dança ballet”? “Sim, estudo, no Teatro Municipal”. Esta era a resposta da Denise, apenas isto. Nenhum sorriso, nenhuma pista. Respostas curtas talvez sinalizando a nós, crianças curiosas, que não caberiam mais perguntas.

Ainda bem que, como crianças, muitas vezes não entendemos os sinais que nos dão. Assim nossas buscas podem continuar. Como continuaram.

A Denise não falava que “dançava ballet”, mas sim que “estudava ballet”. Este já era um forte sinal. Aquele que sente prazer no que faz se deixa conduzir pela dança, pela emoção.

O tempo foi passando e a Denise foi se ambientando mais conosco, foi gostando da nossa companhia, foi se aproximando mais da gente. Foi quando começou a dizer que não gostava de fazer ballet, mas que tinha que fazer porque seus pais assim queriam. Dizia que era uma tortura ir para o Teatro Municipal e que seus pés doíam muito. Que até achava bonito aquilo, mas que não era para ela. E quando a questionávamos sobre dizer isto a seus pais, ela era categórica: “não adianta. Eles não vão aceitar que eu pare. Eles querem que eu seja uma bailarina. ”

Como crianças, não tínhamos muito como ajudar a Denise. Mas entendíamos a sua tristeza que agora, de forma mais próxima, ela compartilhava conosco. O sonho da Denise? Ser Psicóloga. Sempre dizia isto para nós. Mas seus pais diziam que “esta” profissão não dava futuro para ninguém.

A Denise chegou a se formar pelo Teatro Municipal. Foram sete anos de estudo e de dedicação forçados. Mas sem o principal: propósito. A professora dela chegou a conversar com os pais dizendo que a Denise não tinha prazer pela dança. E os pais disseram: “sabemos o que é melhor para ela. No futuro, ela vai nos agradecer por esta bela profissão. Quantos chegam a um Teatro Municipal? ” O propósito era dos pais, e não da Denise.

Sem propósito, tudo o que é feito é em vão.

Querer que o outro seja o que ele não quer é uma agressividade silenciosa. Há agressões morais mais duras que agressões físicas. Talvez este seja um exemplo.

O tempo passou. Adulta, a Denise ingressou numa segunda faculdade: a que sempre quis. Psicóloga formada, recuperou o seu “diploma” de bailarina, empoeirado na gaveta e o entregou a seus pais como uma forma de se acertar com os seus fantasmas.

Quando lembro desta história, penso que a Denise era só uma criança tentando se encontrar no mundo. Buscava equilibrar-se nas imposições que não compreendia. Buscava reconhecer-se e conhecer suas vontades e habilidades. Mas não teve chances.

Orientação é completamente diferente de imposição. A orientação é necessária àquele que inicia o caminho, como a criança. Mas a imposição é uma tirania disfarçada de educação.

É preciso respeitar o espaço do outro para que ele possa se encontrar.

A coordenação, a simetria, a postura, as regras e a rotina do ballet somente são válidas quando fazem sentido para aquele que faz. A perfeição do ballet só é perfeita para a dança. Para a vida, é preciso mais que passos, regras e rotinas. É preciso sentido.

Por que insistimos em desviar as rotas dos outros? Por que achamos que sabemos o que é melhor para o outro? Por que calamos a voz do outro para que somente a nossa seja ouvida? Por que a opinião do outro nos agride? Por que a escolha do outro é ridicularizada? Por que nossos talentos são questionáveis aos olhos do outro? Por que precisamos trilhar rotas que não quisemos construir?

Perguntas sem respostas. Talvez não haja respostas. Talvez as perguntas sejam mais que suficientes. Ou talvez a resposta esteja dentro da pergunta...

A Denise venceu seus medos e transgrediu. Disse-nos que foi “libertador” não precisar mais “dançar” aquela dança. Ela, finalmente, compreendeu, que o verdadeiro prazer pela dança não estava naquele caminho que ela trilhava. Que o verdadeiro sentido de tudo é fazer aquilo que vai ao encontro da essência de cada um. E neste novo caminho não cabem imposições.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, trazendo um pensamento da Companhia Cisne Negro, uma das mais respeitadas escolas de dança do mundo, inclusive, de ballet, ironicamente...

“A única coisa que está em seu caminho para a perfeição é você mesmo."

Trilhar o nosso caminho, aquele que faz sentido para nós, é a verdadeira essência, é o que nos levará à verdadeira perfeição. Nós somos o caminho que nos levará a ela. Neste nosso caminho haverá pedras, percalços, buracos. Mas ainda assim será o nosso caminho, verdadeiro e único.

Aquele que faz sentido.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A nossa estrada para Damasco

Independentemente da religião e crença de cada um, a história sobre a transformação do judeu Saulo, um terrível perseguidor dos cristãos, para o Apóstolo Paulo, um dos homens mais fortes e íntegros do Cristianismo primitivo, é bastante conhecida por todos nós.

A caminho de Damasco, capital da Síria, o então Saulo tinha, como principal objetivo, matar os seguidores de Jesus. Porém, na estrada que o levava à Damasco, Saulo é cercado por uma forte luz. A confusão dos sentidos de Saulo o faz tombar de seu animal. É nesta hora que vê a figura de um homem com a fisionomia iluminada. Sob forte emoção e espanto, se dá um dos diálogos mais conhecidos do Cristianismo:

- Saulo!...Saulo!... por que me persegues? disse o homem.

E Saulo responde:

- Quem sois Vós, Senhor?

E o homem responde:

- Eu sou Jesus.

E a partir daí, Saulo se transforma num dos homens mais fiéis aos ensinamentos de Jesus, além de tomar para si a responsabilidade de levar o amor a Jesus a todos os cantos do mundo. Mais adiante, adota seu outro nome, Paulo, sendo reconhecido como o Apóstolo dos Gentios.

Esta história, mais que resumidamente contada aqui, nos traz muitas reflexões. Se nos deixarmos guiar por ela e atentarmos para as sutilezas que a simbologia “desta estrada que leva à Damasco” nos oferece, acredito que seremos surpreendidos para o bem. Se abrirmos mão dos preconceitos, por se tratar de um fato religioso, e abrirmos mão de modelos mentais ultrapassados, muito poderemos aprender. É uma questão de escolha.

Um Historiador disse, certa vez, que não acreditava que Paulo havia caído do cavalo, e que este encontro com Jesus era uma fantasia daquele que tinha fé. Para aliviar o discurso, disse que era ateu e por isso, não acreditava. Mas que gostaria de ter uma fé, “isto facilitaria bastante as coisas”, ele disse.

Apesar de acompanhar e de gostar do trabalho deste Historiador, achei sua fala muito pequena para todo o cenário apresentado. De verdade: o que importa se o Apóstolo Paulo caiu ou não do cavalo? Isto é apenas um detalhe.

Enquanto nos prendemos no que não importa deixamos de fazer o que importa.

As opiniões devem ser respeitadas, mas penso que podemos ir além. É preciso refletir sobre a nossa estrada que nos leva à Damasco. Sobre o momento da nossa transformação, em que finalmente entendemos o que está sendo pedido para nós. Deixamos de brigar com a vida, de lutar contra nós mesmos, e fazemos a pergunta:

“Senhor, o que queres que eu faça? ” Porque foi esta a pergunta que o Apóstolo fez ao ter o encontro com Jesus.

Fazer esta pergunta não significa submissão, passividade, ociosidade ou ficar de braços cruzados esperando que digam a você o que fazer: pelo contrário: significa prontidão diante à vida. Shakespeare, na peça Hamlet, traz: “estar pronto é tudo”.

Esta prontidão significa aquele incômodo que nos acomete quando sabemos que precisamos organizar algo. Significa certa dor ou frustração. E a mudança de postura é a única saída. Para tanto, é preciso estarmos prontos. Só está pronto quem já entendeu que a vida nos pede posturas e reorganizações de rota o tempo todo. Reorganizações, inclusive, para se ter a certeza de ter tomado o caminho certo. Permanecer no caminho escolhido é manter a prontidão diante à vida.

É preciso coragem para percorrermos esta estrada. Mais que isto: atenção ao que será dito lá. Atenção e prontidão. Com isto, pouco importa, de verdade, se estamos caídos ou sobre o nosso cavalo. É preciso prestar atenção ao que realmente importa.

Esta estrada faz, acima de tudo, um convite para abandonarmos o que nos impede de sermos felizes. Faz um convite para a renovação, para a mudança de patamar. Ela traz uma oportunidade para refletirmos sobre nossas escolhas e se estamos dando a melhor versão de nós mesmos, para a vida.

Ter a coragem de perseguir a nossa estrada é, acima de tudo, ter uma atitude de mudança. O convite é para todos.

É preciso renunciar ao que colabora para que sejamos piores. Acreditar naquilo que nos faz melhores. E trilhar esta estrada nos fará pessoas melhores.

Imprescindível nos colocar na condição de aprendizes, que é o que somos. Quando nos colocamos nesta condição, todos vão querer ouvir o que teremos para contar.

Deixar a vida nos conduzir. Abrirmos mão do comando e do controle que achamos que temos. Numa Empresa, por exemplo, muito raro a pessoa que não quer assumir papel de comando, devido à arrogância e à vaidade. Mas o que ela talvez não saiba é que não há comando, de verdade, sem humildade.

Comando sem humildade é presunção. Para estes, se deixar conduzir pela vida é quase uma blasfêmia. Por isto, a estrada que conduz à Damasco, para muitos de nós, ainda está longe.

Deixar-se conduzir pela estrada que nos levará à Damasco é ser reconhecido pela vida. É o verdadeiro comando. É se reconhecer diariamente. É se olhar no espelho e sentir orgulho do que vê. É acreditar na sua capacidade de resolver.

Esta estrada não é algo físico, é uma transformação interna. Ela nos obriga a rever conceitos e paradigmas. Temos nossos princípios questionados neste caminho. E por conta, muitas vezes, de nossas fragilidades e medos construídos por nós e por aqueles que ganham às custas de nossos medos, deixamos o convite da estrada para depois. É conveniente que não o aceitemos. Assim, seremos presas fáceis dos manipuladores que nem de longe sabem o que significa a estrada que leva para Damasco.

Quando estamos na estrada, nos decompomos, encontramos coisas não elaboradas, perdemos o controle. Mas como estamos prontos, conseguimos enxergar caminhos menos dolorosos para andarmos, nela, de forma mais leve. Esta estrada nos apresenta aquilo que, até então, não estava disponível para nós. E agora está! Mas para isto, é preciso estarmos prontos e aceitarmos o convite. Abrir mão do falso controle para buscar o verdadeiro caminho.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma provocação de Paulo Freire, um dos grandes nomes da nossa Educação:

“É preciso partir das nossas possibilidades para sermos nós mesmos”.

A estrada que nos levará à Damasco é uma destas possibilidades que a vida nos oferece todos os dias, com ou sem cavalo. Se ousarmos aceitar o convite, certamente conheceremos a felicidade de sermos nós mesmos.

E sermos nós mesmos é bastante ousado para um mundo que privilegia, muitas vezes, que “sejamos o que o outro quer que sejamos”.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O caminho simples que desprezamos

Trabalhei numa empresa que tinha, como um dos valores, ser ágil e descomplicada.

Com algumas e raras exceções, esta atitude simplesmente não acontecia por um motivo bem simples: apesar de este valor estar, pomposamente, descrito na cartilha interna, não havia mentalidade ágil e descomplicada. Nem por parte das pessoas e nem por parte dos processos. E sem a mentalidade, a atitude não acontece. Simples assim.

É preciso dizer que valor, muitas vezes, é uma aspiração, ou seja, estamos em busca disto, mas ainda não somos isto. Portanto, vamos errar muito até acertarmos e encontrarmos o caminho. Mas o que importa é que estamos na busca, na consciência de que algo é preciso mudar. As mangas, aqui, já foram arregaçadas. Começamos o caminho, mesmo que por meio de tropeços, desencontros e erros. O problema começa, porém, quando não se tem a mentalidade pronta para esta transformação, seja por vaidade, por egoísmo, por descuido, negligência, ignorância, ou, simplesmente, porque não se quer ter este trabalho de transformação.

Como não queremos transformar e fazer o que precisa ser feito, precisamos arrumar uma forma de fazer, só que de mentira, só para nos enganar e enganar o outro. Isto explica muitas placas nas paredes das empresas com belos parágrafos explícitos preenchidos com os valores os quais, nem de longe, são praticados. As placas, os valores, a missão e a visão sem atitude e mudança, de verdade, de mentalidade, são meros objetos de decoração que, aos olhos dos mais distraídos, nem serão percebidos. E aos olhos dos mais observadores serão alvos de questionamentos e de críticas veladas. Uma pena.

Era isto o que acontecia lá: muito discurso distanciado da prática. Além de muita política, por parte de muitos, para fazer de conta que era feito, e muita alienação por parte de tantos outros para acreditar que estava sendo feito. A alienação é uma forte aliada quando não se quer ter problemas, além de poupar questionamentos.

A alienação, acima de tudo, não te cobra posicionar-se diante à vida.

O Ágil e o Descomplicado era um dos valores que menos se conseguia praticar, exatamente por conta da mentalidade morosa, complicada e vaidosa. Não se aceitava, muitas vezes, respostas simples. O simples era visto como simplista. Não havia, de verdade, uma preocupação com a criação de um ambiente de confiança aonde se pudesse, realmente, dizer o que se pensava e ajudar a construir um espaço de todos. Complicar discursos e práticas alimentava o ego de muitos ali. Por isto o ágil e o descomplicado eram ilusórios. Apenas uma longe aspiração. Ser simples significa abrir mão da vaidade. E isto é impossível para muitos.

Ser simples significa falar uma língua que todos entendam. Mais que isto: significa que esta língua deva encurtar caminhos e não dar voltas desnecessárias só para impressionar.

Um belo exemplo disto foi o pagamento de mais de um milhão de reais para uma consultoria dizer o óbvio. Coisas que os próprios colaboradores saberiam dizer muito melhor do que qualquer consultoria. Mas certamente este óbvio veio pintado de muitas pompas e circunstâncias, o que ajudou a mascarar esta cifra vergonhosamente cobrada. E que foi paga por quem se deixou enganar com belos discursos e relatórios complexos que não foram lidos. E quando lidos, no máximo alguns, eram tão enfadonhos que foram postos de lado. Relatórios cheios de termos em inglês que para nada serviram. Colunas e mais colunas para justificar o injustificável. Excelente exemplo de desperdício de recurso, em todos os sentidos.

Enquanto nos preocuparmos somente com o ego, coisas mais importantes não terão vez.

Enfim, foram excelentes experiências que me provaram, mais uma vez, a grande distância que há entre o que se fala versus o que se pratica.

A historinha abaixo ilustra bem isto.

Duas pulgas conversando:

- Sabe qual é o nosso problema? Nós não voamos. Só sabemos saltar. A nossa chance de sobrevivermos, quando somos percebidas, é zero. É por isto que existem muito mais moscas que pulgas no mundo: elas voam.

As pulgas decidiram que aprenderiam a voar. Contrataram a consultoria de uma mosca. Um tempo depois, começaram a voar. Passado algum tempo...

- Voar não está sendo o suficiente porque ficamos grudadas ao corpo do cachorro. Quando ele se coça, por ser mais veloz que a gente, ficamos sem condição de reação. Temos que fazer como as abelhas: elas sugam e levantam voo rapidamente. Contrataram, então, a consultoria de uma abelha, com quem aprenderam a arte do “chega-suga-voa”. Funcionou...por um tempo...

- Nossa bolsa para armazenar sangue é muito pequena, o que nos obriga a sugar por muito tempo. Escapar do cachorro a gente até escapa, mas não estamos nos alimentando adequadamente. Temos que aprender, com os pernilongos, como eles conseguem se alimentar tão rápido. E contrataram a consultoria de um pernilongo que ensinou a elas a arte de incrementar o tamanho do abdômen.

As duas pulgas ficaram felizes, mas por poucos minutos. Como tinham ficado muito grandes, sua aproximação era facilmente percebida pelo cachorro. E elas começaram a ser espantadas com frequência.

Foi então que encontraram uma saltitante pulguinha dos velhos tempos:

- Ué, o que aconteceu com vocês? Estão enormes!

- Pois é, agora somos pulgas adaptadas aos desafios do século XXI. Voamos ao invés de saltar, picamos rapidamente e armazenamos muito mais alimento.

- E por que estão com estas caras de subnutridas?

- Isto é temporário. Estamos fazendo consultoria com um morcego, que vai nos ensinar a técnica do radar. E você, como está?

- Vou bem, obrigada. Forte e sacudida.

Era verdade. A pulguinha estava viçosa e bem alimentada. Mas as duas pulgonas não quiseram concordar por puro orgulho.

- Mas você não está preocupada com o futuro? Não pensou em uma consultoria?

- Ah, não senti necessidade. Sou amiga da lesma, que me deu ótimas dicas sobre meus problemas.

- Ah, mas o que a lesma tem a ver com as pulgas?

- Tudo. Eu tinha o mesmo problema que vocês. Mas ao invés de dizer a ela o que eu queria, deixei que ela avaliasse bem a situação e me sugerisse a melhor solução. E ela ficou ali, três dias, quietinha, só observando o cachorro, tomando notas e pensando. E então a lesma me deu o melhor diagnóstico que recebi na vida. Ela me disse:

“Você não precisa fazer nada radical para ser mais eficiente. Uma grande mudança, às vezes, é apenas uma simples questão de reposicionamento e de atenção ao seu redor. ”

- E isso quer dizer o quê, perguntaram as pulgonas?

- Que eu deveria me sentar no cocuruto do cachorro. Lá é o único lugar que o cachorro não consegue alcançar com a pata...

Pois é, as lesmas, excluindo-se o sentido pejorativo que receberam injustamente (lentidão, lerdeza), raramente são ouvidas numa organização por terem saídas e soluções simples demais. Mas que resolvem e que funcionam.

A nossa vaidade, muitas vezes, encobre a beleza de uma resposta simples e de um caminho mais curto, porém eficiente. Isto ainda nos alimenta, infelizmente. E enquanto ainda estivermos nos servindo deste tipo de alimento, vamos precisar trilhar longos caminhos para lá na frente descobrirmos, cansados, que a rota mais simples sempre esteve ao nosso lado, mas que não tivemos a coragem e a humildade de deixá-la se manifestar.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Temos mais que bananas

Bem mais, aliás.  Apesar de todo o respeito que as bananas merecem, aqui há mais coisas. Mas parece que aquele nadador americano, que inventou ter sido assaltado durante as Olimpíadas, no Rio, não sabia disto. Ser mal informado na vida tem os seus custos. E a conta dele foi um pouquinho alta. Bem feito para ele. E sorte a nossa.

Bem feito para ele porque foi uma dura lição. Aprendeu, a duras penas, que tentar manipular o que quer que seja, nesta vida, é muito perigoso. Ele acreditou que pudesse manipular a bagunça que ele havia criado, a favor dele. E viu que não foi possível. Acreditou que pudesse manipular as aparências, mas a realidade prevaleceu.

E sorte a nossa porque, por meio deste triste acontecimento, pudemos agir de forma profissional, ética e justa. Nossa Justiça não manipulou aparências, mas trabalhou de forma autêntica e verdadeira. Assumiu uma postura firme, rápida e eficiente. Simples assim.

Aquele nadador quis colocar, literalmente, nas nossas costas, a culpa das irresponsabilidades dele. Aprontou durante a noite carioca e, depois, percebendo que poderia comprometer sua imagem, devido às algazarras realizadas, não pensou duas vezes: inventou uma história dizendo que tinha sido vítima de assalto. Disse ainda que tinha sido constrangido pela nossa polícia. E que por causa disto tinha chegado de madrugada.

Porém, o que ele não contava era que desconfiaríamos daquela história mal contada por ele mesmo, com requintes de exageros e de molecagem. Ele também não contava que praticamente toda a cidade estava rodeada de câmeras de segurança e que, portanto, as imagens de todo o seu trajeto estariam, rapidamente, nas mãos dos investigadores. A polícia, de forma integrada, conseguiu rapidamente mapear o que havida acontecido. E para piorar a situação dos farsantes, algumas testemunhas colaboraram com os policiais e a verdade veio à tona. Pois é, temos mais que bananas aqui.

Tudo esclarecido. Ao mesmo tempo, muito triste. Nada disto era necessário. Alguém, de caráter duvidoso como aquele rapaz, resolveu colocar na nossa conta mais uma culpa. Mas esta nós não tínhamos. Graças, enfim.

Percebendo, rapidamente, que podia ser desmascarado, o rapaz tentou voar imediatamente para os Estados Unidos. Mas, ainda dentro do avião, foi convidado, gentilmente, a se retirar para prestar esclarecimentos na delegacia.

Pois é, seria bom que aquele rapaz soubesse que aqui há mais que bananas, muito mais.

O triste de tudo isto é saber que se aquele rapaz fez o que fez foi porque acreditou que aqui não haveria punição. Que aqui, um País subdesenvolvido, violento e cheio de problemas, um a mais um a menos. Que diferença faria, não é mesmo? Ele apostou nisto. Mas o tiro saiu pela culatra. Não que ele não tivesse razão em pensar que somos violentos e cheio de problemas.  Infelizmente isto ainda é a nossa realidade. Mas daí a agir sem escrúpulos e sem caráter, fico me perguntando quem é o mais subdesenvolvido: nós, enquanto Nação, ou ele, enquanto ser humano? Queria fazer esta pergunta a ele, mas acho que não terei oportunidade...

Se a história teve o seu lado triste, a degradação do humano, teve, também, o seu lado feliz. O de percebermos que temos condições de agir, de fazer, de atuar, de colocar as coisas nos seus devidos lugares e eixos. Não somos um entra-e-sai sem ordem e sem norte. Temos uma rota, sabemos o caminho e o melhor: temos as ferramentas para trilharmos esta rota. Basta que queiramos trilhá-la, assim como fizemos com este caso.

Sabendo que não tinha saída, ele pediu desculpas “informais” ao Brasil, por meio das redes sociais. Pagou uma multa e foi embora. Mas a história ainda não tinha sido concluída. A juíza responsável, por meio de nota oficial à imprensa, inclusive internacional, despachou tudo o que havia acontecido, com os detalhes daquela história amadora criada por outro amador.

No texto ela disse que o país de origem do rapaz tomaria ciência de todo o ocorrido, para que tudo ficasse esclarecido. E a multa fixada por esta mesma juíza foi destinada a uma casa assistencial. Belo exemplo de cidadania utilizando o dinheiro de um impostor!

Importante lembrar que até tudo ficar esclarecido, a imprensa americana apoiava o esportista-amador, e nem estava se preocupando muito com o interesse que o Brasil tinha em esclarecer tudo. Um repórter de lá, tinha que ser, disse: “não sei porque tamanha repercussão. Lá (Brasil) é perigoso mesmo! É normal este tipo de coisa acontecer por lá (assalto) ”. O interessante é que eles falam isto como se fossem a referência da Paz mundial.

“Que atirem a primeira pedra”...já dizia Jesus há mais de 2000 anos...

Mas tudo bem, a vida ensina. Mesmo àqueles que não querem aprender.

Foi somente depois de tudo esclarecido que os Estados Unidos, com um misto de surpresa e de vergonha alheia pelo o que aquele rapaz havia feito, que se redimiram diante às câmeras e pediram desculpas ao Brasil dizendo ter sido abominável o comportamento do aprendiz de nadador.

Tudo esclarecido: fatos postos sobre a mesa. De um lado, aquele pseudonadador aprendeu que toda ação tem consequências. E que muitas vezes, estas consequências são bem diferentes das esperadas e que resultam no enfraquecimento de sua personalidade. Ele perdeu quatro contratos com patrocinadores. Uma vergonha. Uma lição dura que jamais ele se esquecerá. Percebeu, também, que por mais difícil que seja, é mais fácil assumir, de forma autêntica, nossa personalidade do que construí-la sem poder sustentá-la.

E do outro lado, também aprendemos uma dura lição: o quanto é difícil ter de conviver com pessoas que cometem atos para tripudiar sobre aqueles que já possuem problemas demais para serem resolvidos: no caso, nós. Mas também aprendemos que temos condições de mudar este cenário se quisermos. Está em nossas mãos.

Aquele nadador talvez tenha tido privilégios cedo demais na vida. Muito antes de ter tido responsabilidades. E isto é uma reflexão para levarmos para as nossas vidas. Importante aprendermos com os erros dos outros para que não sejamos os próximos a cometê-los.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma provação de Confúcio, pensador e filósofo chinês, que viveu há 500 anos antes de Cristo:

“O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum aos outros. ”

Que possamos aproveitar nossos próprios exemplos de homens comuns que somos. E que eles nos sirvam de pontes para buscarmos nossa superioridade moral.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Nossa saudade nostálgica

Há poucos dias terminaram os jogos olímpicos. Foram dias intensos, cheios de notícias e de atividades. Uma correria boa para conseguir assistir aos jogos e nenhum descanso para o controle remoto da televisão. Dias de pouco sono. Tudo isto para que conseguíssemos dar conta de tudo e de todas as atividades.

Ao final destas duas semanas, ficamos com um gostinho de quero mais. De repente, no dia seguinte às Olimpíadas, demos de cara com reprises de disputas já vividas, cujo resultado já sabíamos. E aí o controle remoto começou a desfrutar de seu merecido descanso.

Algumas horas antes do término do evento, no domingo, tanto o público quanto os profissionais que cobriram os jogos começaram a ficar saudosos. Uma vontade, com explicação, para que aquele evento não terminasse, para que aquelas horas finais ao término se arrastassem o máximo possível.

Nossa saudade nostálgica. Esta talvez seja a explicação para o sentimento que tenha ficado em nós: uma saudade nostálgica.

Apesar da saudade inicial que sentimos ao ver o término dos jogos, porque queríamos mais, acredito que nossa saudade foi dando um forte espaço para a nostalgia, palavra esta que não tem absolutamente nada a ver com a primeira, saudade. Ficamos saudosos num primeiro momento, mas nostálgicos depois. E este foi o sentimento que tomou conta.

Sentimos saudades, mas nos tornamos nostálgicos. Por quê?

Saudade é saudável. Nutre a nossa alma e a nossa vida. Saudade nos move e nos conduz porque nos faz refletir sobre a nossa vida. Faz-nos refletir sobre quem somos. Certamente somos pessoas melhores por sentirmos saudades e por fazermos estas reflexões provocadas por ela. E estas reflexões nos tornam autônomos enquanto seres, acima de tudo. Sabemos o que queremos. Sabemos o que sentimos.

Sentir saudade é ação. É um querer. É um buscar. É um valorizar. A saudade nos faz felizes com a vida que temos, nem mais e nem menos. Como ela está. Sentir saudade significa que vale a pena viver a vida. Significa que há vida para ser vivida.

A saudade faz parte de quem somos. Ela ajuda a contar a nossa história.

A nostalgia, no entanto, é o contrário da saudade: nos faz parar no tempo.  Faz-nos querer viver num tempo que não se tem mais. É patológico. Sinaliza uma cegueira da alma. É um aprisionamento voluntário.

A saudade faz parte de quem somos e de quem gostamos e queremos ser. A nostalgia faz parte de quem gostaríamos de ser e de quem não gostamos de ser.

Na saudade, a base é a vitória. Na nostalgia, a base é a derrota.

Sentir saudade nos faz viver. Sentir nostalgia nos faz abrir mão, desistir.

A saudade nos remete à realização. A nostalgia nos remete à eterna promessa.

A primeira nos completa. A segunda nos incompleta.

Uma está ligada à lucidez. A outra à alienação.

Paulo Freire, um Educador imprescindível à liberdade do pensar, dizia que “o ser alienado não procura um mundo autêntico. E é isto o que provoca uma nostalgia: a alienação. Deseja outro país e lamenta ter nascido no seu, por exemplo. Envergonha-se de sua realidade. ”

Dizia, ainda, que “a alienação nos tira de nossa condição de existir. Uma sociedade alienada não se conhece. ”

Paulo Freire tinha pensamentos fortes que provocavam profundas reflexões. E o que ele trouxe, com sua “nostalgia ligada à alienação” foi o que vivemos um pouco ao final dos jogos olímpicos. Antes do evento, estávamos mergulhados em Lava-Jato, estouros de escândalos de corrupção de todos os níveis, acordos de delações premiadas, processo de impeachment, mandados de segurança por toda parte, inflação nas alturas, pedidos de condução coercitiva tão frequentes que pareciam brigadeiros em festa...tudo isto sem contar os outros problemas do País que, ao lado da operação Lava-Jato, ficam pequenos e recolhem-se redimidos. Mas de pequenos não têm nada. Estes são alguns dos exemplos. Mas se pesquisarmos, haverá mais.

Não que as Olimpíadas fossem resolver os nossos problemas. Óbvio que não. Mas de certa maneira nos fizeram, pelos menos nestas duas semanas, dar uma respirada, uma parada para uma água. Sabemos dos problemas. Mas respiramos um pouquinho.

Por tudo isto, acredito que esta “tristeza” que se abateu sobre nós, esta nostalgia, foi por conta desta falta que nos faz este clima de festa, de ordem, de harmonia, de sorrisos e de gente feliz. Nestas duas semanas, ouvimos outras coisas além de protestos e operação Lava-Jato. Protestar e investigar são fundamentais. Mas é preciso parar para respirar um pouco. E as Olimpíadas fizeram isto um pouco conosco: nos fizeram respirar e desacelerar um pouco. Cumpriram muito bem o seu papel.

Óbvio, também, que elas ofuscaram muitos problemas. Há os dois lados: tanto nos trouxeram momentos muito festivos como também cerraram os nossos olhos para várias barbaridades cometidas. Mas enfim, o evento, em si, e os atletas não são responsáveis. Eles merecem respeito, assim como nós também o merecemos.

Não sei se estamos mais saudosos ou nostálgicos, na vida. Não tenho esta resposta. O meu desejo é que estejamos sempre mais para saudosos do que para nostálgicos. Cabe a cada um buscar seu autoconhecimento, fundamental para uma vida mais feliz.  Mas certamente, nestas Olimpíadas, o nosso lado nostálgico falou mais alto. Não queríamos voltar para a programação normal da televisão falando sobre o que já sabíamos.

Ver as inúmeras operações deflagradas pela Polícia Federal tomarem conta dos canais onde estavam sendo exibidas competições emocionantes era, no mínimo, desanimador. Por isto a palavra “nostalgia” nos representou tão bem ao final dos Jogos. Durante as Olimpíadas, vivemos um pouco da harmonia que gostaríamos que houvesse sempre no nosso País. Pessoas leves, sorridentes e felizes o tempo todo seria a nossa escolha. O País estava festejando, apesar dos problemas que apenas aguardavam o passar dos jogos para voltarem à cena. E, como sabíamos que ver o nosso País festejando, nem sempre é possível, ficamos nostálgicos. Começamos a nos apegar aos jogos, antes mesmo de eles encerrarem.

Quero finalizar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Millôr Fernandes, escritor brasileiro, que diz:

“Neste momento, de repente, me bate a nostalgia do que um dia se chamou de Pátria. ”

Pois é, que este sentimento de harmonia, vivido entre os povos, esta sensação de alegria e de bem-estar, este sorriso leve e presente possam cada vez mais estarem presentes em nossas vidas. Pois se nas Olimpíadas isto foi possível, fora delas também será. Está nas nossas mãos.