Pierre-Auguste Renoir, essencial
pintor francês do século XIX, tem uma provocação que diz:
“Na vida, os blocos
de granito afundam. No entanto, as cascas das árvores flutuam.”
Quando pensamos, de forma rápida,
se queremos ser blocos de granito ou cascas de árvores, acredito que a maioria
de nós escolherá ser blocos de granito, pela forma, pela força, pela imposição
que eles têm, pela importância que se dá ao que se considera mais forte. Porém, se observarmos o que Renoir diz no início de sua frase,
talvez a gente repense. Ele diz: “na vida...”, e não em situações específicas e
particulares. E isto faz toda a diferença.
Os blocos de granito são, sem dúvida, algo suntuoso e que impõe. Se estamos
na iminência de um bloco de granito cair sobre nossas cabeças, certamente vamos
nos mexer e tomar uma atitude. Portanto, eles possuem um certo poder sobre nós,
seja pelo medo que temos de ser atingidos, seja pela força que eles possuem. Em poucas palavras: os respeitamos.
As cascas de árvores são, ao contrário dos blocos de granito, simples,
sem pompa e, muito menos, sem circunstâncias. Caem sob o comando dos ventos,
são deslocadas facilmente, não nos oferece perigo. Talvez seja por isso que
pisamos nelas. Em poucas palavras:
inofensivas.
Blocos de granitos: são
respeitados, mas o peso deles dificulta e, muitas vezes, impossibilita, o
deslocar pela vida. E sem deslocamentos, não avançamos. Não progredimos.
Morremos. O respeito observado nos blocos se esvai como a água do mar que
escorre pelos nossos dedos. O respeito conquistado pelo medo não resiste à força da leveza de uma casca de árvore.
Cascas de árvores: não são
respeitadas, mas a leveza delas nos facilita, e muito, o caminhar pela vida,
pelos traçados que ela desenhou para nós. E caminhando pelos desenhos que a
vida nos presenteou, avançamos e chegamos a lugares que nos constroem.
Crescemos. Vivemos. E aquele respeito que não foi concedido antes às cascas surge,
agora, manso e envergonhado por não ter percebido a força delas. Uma resposta à
necessidade da nossa própria construção.
“Na vida, os blocos
de granito afundam. No entanto, as cascas das árvores flutuam.”
Afundam porque são vazios de significados. São rasos na sua
representatividade. São pequenos no sentido. Ao primeiro chamado da vida,
afundam, machucam e se acomodam no chão. Imóveis, nada são, apenas estilhaços
que confirmam a falta de destreza deles para com a vida. Assim são os blocos de
granito. Sermos o bloco de granito, às vezes, será essencial para regularmos as
nossas marchas e reorganizarmos a nossa maleta de ferramentas. Uma parada
estratégica, na vida, é imprescindível para reabastecermos. Mas que seja por
pouco tempo. A dureza e a firmeza excessiva dos blocos de granito podem nos
prender demais, ao chão, e correremos o risco de não nos lembrarmos de como nos
levantamos e de como é boa a sensação de ser leve.
Quando demoramos demais em estágios
desnecessários, nos tornamos parte dele. É uma pena. Há muita vida ao abrirmos
as janelas. A vida nos chama para a vida, e é preciso aprender a ter a leveza
das cascas das árvores. Um aprendizado fundamental.
Muito há o que desaprender com os blocos de granitos. Muito há o que
aprender com as cascas de árvores.
A leveza nos fortalece; a dureza implacável nos aprisiona e enfraquece.
Mas, tão ocupados que estamos no conservar de nossos blocos, não percebemos que
afundamos. E somente aquele que se mantém leve, pode ser levado de volta à
superfície, à base, ao início, aonde tudo acontece. Afundados, perdemos a dimensão do alto. E
dependendo do tempo que ficamos imersos, presos aos blocos de granitos, perdemos a conexão com o alto.
As forças são necessárias, mas nunca devem ser desperdiçadas. Quando isto
acontece, elas se voltam contra a gente. Força demais é um indicativo da nossa
fraqueza e da nossa fragilidade. Por isso, os blocos quebram e afundam. Forças
demais sendo utilizadas indevidamente.
De outro lado, as cascas de árvores flutuam porque são preenchidas de
sentido, de direção e de significados. Flutuam porque já aprenderam o real
valor das coisas e, portanto, não se prendem a pequenezas que somente fazem
prender àquele lugar. A leveza conquistada faz as cascas das árvores caminharem
na direção correta. E como são leves, maleáveis e silenciosas, chegam logo ao
destino. Assim são as cascas das árvores.
A vida é um constante caderno de exigências e de conquistas a ser
buscado. Um constante resolver de problemas, conflitos. Um constante despertar
de gratidão pelos caminhos já percorridos. Um problema que entra, e outro que
sai resolvido. Assim é a vida. E mesmo aquele que se vê sem problemas, o que desconfio, viver, em si, é um problema.
Um problema na complexidade, nas inúmeras interfaces e nas escolhas oferecidas.
Por isso é fundamental exercitar o peso e a leveza na medida certa, na medida
que a vida nos pede.
As cascas de árvore caminham e alcançam distâncias porque se deixam conduzir.
Confiam. Os blocos de granito afundam porque apenas querem controlar. São
centralizadores. Possessivos. Não aprenderam a delegar. O excesso de controle
nos faz usar a nossa força de forma desnecessária, o que comprova a nossa fraqueza.
Provamos nossa força pela autoridade da nossa leveza em nos deixar conduzir
pela vida. Provamos a nossa força não medindo forças com ela. Não propondo
quedas de braços com ela. Se assim fizermos, perderemos. Ela sempre foi campeã
na luta de queda de braços. Acho que não deveríamos pagar para ver. Não é
necessário.
Lutar contra a vida é se colocar no
alvo para ser atingido por ela. É preciso saber quais brigas comprar e quais
não comprar. Sabedoria e discernimento ainda são essenciais para nós.
imagens tiradas da internet
Estarmos na condição de granito, às vezes, é necessário. Mas só às vezes. Que a gente saiba que
há hora marcada para sairmos de lá. Não podemos ficar lá durante muito tempo. O
“...na vida...”, como trouxe Renoir,
é muito tempo. E ele já nos chamava a atenção quando nos trouxe este
pensamento.
Sair da condição do granito significa abrir mão do poder para alcançar o viver.
Quando abrimos mão da inflexibilidade para acessarmos a maleabilidade.
Ao contrário do que se pensa, a fragilidade está na beleza do granito. E
a força na singeleza das cascas das árvores.
Buscar ter, sempre, o comando nas mãos nos afundará como granitos.
Aprender a confiar e a garantir que o outro também possa falar é caminhar como
a leveza das cascas das árvores.
A vida é uma escolha e uma escola. Uma escola de escolhas. Uma escolha
que faz escola em nós. Uma escola com escolhas. Uma escola para escolhas. Os
blocos de granito e as cascas das árvores representam esta dualidade da vida. Eles
significam que temos opções na vida. Que bom. Não poderemos responsabilizar e
nem colocar a culpa em outra pessoa que não em nós mesmos.
Quando a vaidade conceder espaço para a reflexão, talvez nossas
similaridades comecem a se parecer mais com as cascas das árvores do que com os
blocos de granito.
Muitas leituras podem ser feitas a partir desta alegoria do granito e das
cascas. Mas a que propus, aqui, foi a de nos incomodarmos com o excesso que o
peso dos blocos provoca, e que diariamente colocamos sobre as nossas costas e
sobre as costas dos outros, e sentirmos falta da leveza das cascas que,
remotamente, fazem parte do nosso cotidiano.
Podemos fazer mais, se repensarmos o nosso lugar no mundo. Podemos fazer
mais se este mundo tiver um significado mais forte para nós.
Estarmos na condição de blocos de granitos é fundamental para uma atuação
rápida e precisa, mas não um lugar para estarmos na vida. Por isso, Renoir chamou a nossa atenção por meio da sua
arte. Que a leveza das cascas das árvores nos represente mais e que possamos
desfrutar deste dançar que, somente o
pouco peso, poderá nos proporcionar.
Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de
Fernando Pessoa, poeta imprescindível para o bem viver, que diz:
“Às vezes, ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena
ter nascido.”
Que a gente se permita mais o ouvir do vento. É ele que movimenta as
cascas das árvores nas quais pisamos sem perceber, ou as que chutamos para que
saiam do nosso caminho. Não percebemos que, somente
elas, se vividas e permitidas por nós, nos mostrarão o real e o verdadeiro
sentido de leveza. Leveza na alma. Leveza
na vida. Uma escolha.
O vento como condutor para a leveza. O vento como um dos caminhos que nos
levará como as cascas das árvores. Um convite feito. Um convite aguardando a
nossa resposta. Recusá-lo será desperdiçar a sensação de sentir os nossos pés
flutuando por este vento, e de se deixar levar como as sábias cascas das
árvores. Aceitá-lo será fazer as pazes com a vida que, feliz, nos convidará para
fazer lindos passeios por lugares que, presos pelos blocos de granito, jamais
seriam possíveis.