Uma mãe-camela e um bebê-camelo
estavam à toa, quando, de repente, o bebê perguntou:
-
Mãe, por que os camelos têm corcovas?
- Bem, meu filho, somos animais
do deserto. Precisamos delas para reservarmos água. E exatamente por isto, somos
conhecidos por sobrevivermos sem água.
- Certo. E por que nossas pernas
são longas e nossas patas arredondadas?
- Filho, certamente elas são
assim para permitir caminharmos no deserto. Sabe, com essas pernas longas,
mantemos o nosso corpo mais longe do chão do deserto, que é mais quente que a
temperatura do ar. Desta forma, ficamos mais longe do calor. Quanto às patas
arredondadas, podemos nos movimentar melhor devido à consistência da areia.
- Certo. Por que nossos cílios
são tão longos? De vez em quando eles atrapalham minha visão!
- Filho, esses cílios longos e
grossos são como uma capa protetora. Eles ajudam na proteção dos seus olhos
quando atingidos pela areia e pelo vento do deserto, respondeu a mãe.
- Deixa ver se eu entendi: a
corcova é para armazenar água enquanto cruzamos o deserto, as pernas para
caminhar através do deserto, e os cílios são para proteger meus olhos do
deserto. Então, o que estamos fazendo, aqui, no Zoológico?
Esta história, de autoria
desconhecida, é muito sábia e vale refletirmos sobre ela.
Lembrei-me dela ao passar por um
comércio, que há perto da minha casa, cujo dono possui um passarinho preso numa
gaiola. Ele é lindo: pequeno, gordinho, amarelinho e tem um canto delicioso de
se ouvir. Ele fica sozinho, pulando ali dentro, sem perspectiva alguma de vida.
Apenas a de servir ao egoísmo do dono. E que bom que aquele passarinho não tem
consciência disto. De que adianta toda a habilidade e a capacidade de cantar
daquele pássaro se infelizmente, ele está no lugar errado?
Penso que o bebê-camelo e o
pássaro possuem várias coisas em comum. Questionar sua sorte, como fez o
bebê-camelo, pelo menos no mundo animal, ainda não presenciei. Então, eles
ainda vão depender, durante um bom tempo, do bom senso do ser humano em respeitar
a natureza e as necessidades de cada espécie.
E conosco? Acredito que pelo
menos uma vez na vida já nos sentimos ora bebê-camelo, ora pássaro. Por mais
duro que sejam estas experiências, e só quem já passou por elas pode dizer o
quão difícil são, com tudo aprendemos na vida. E se soubermos absorver todo o
aprendizado que esta experiência nos deu e aplicá-lo efetivamente em nossa
vida, certamente será difícil voltarmos a nos sentir bebês-camelo ou pássaros,
dentro de gaiolas.
Aquela mãe-camela se orgulhava de
responder a todas as perguntas do filho realçando a habilidade, o conhecimento,
a capacidade e a experiências adquiridos ao longo de sua vida, e também
realçando as qualidades da espécie, para o filho. Mas não conseguiu responder a
pergunta mais importante: “Então, o que estamos fazendo, aqui, no Zoológico? ”
E por que ela não conseguiu
responder? Porque aquela mãe-camela deixou enferrujar, nela, uma qualidade
fundamental que todos nós temos: a capacidade de perguntar, de criticar, de não
aceitar o senso comum. Esta capacidade deve ser usada diariamente e ela é uma
das ferramentas poderosas que não permitirá a nossa entrada em gaiolas ou
zoológicos. E se por descuido entrarmos, o questionamento nos fará sair dele
rapidamente. Mas é preciso agir rapidamente, porque a ferrugem é difícil de
sair. E se você deixá-la criar espaço e se estabelecer, ela poderá arranhar as
suas estruturas e também coisas fundamentais como valores, crenças e propósito
de vida. E quando você perceber que a ferrugem tomou conta, tentará usar aquele
produto que disseram que limpa, mas poderá ser tarde demais.
Este é um cuidado muito especial
que devemos ter. É preciso lembrar que a ferrugem se instala de forma
silenciosa, quieta. Ela vai tomando uma cor alaranjada e se esfarela.
Estar e permanecer no zoológico
ou nas gaiolas são escolhas. Escolhas nossas e que ninguém poderá fazê-las por
nós. Muitas vezes nos enxergaremos e nos encontraremos em gaiolas ou em zoológicos,
mas ainda não teremos forças e condições para sairmos de lá. Tudo bem. O nosso
tempo vai chegar. O mais importante é descobrir se queremos ou não estar lá. Se
descobrirmos que não queremos estar ali, é só uma questão de oportunidade e de
tempo: na hora certa, daremos adeus às gaiolas e aos zoológicos. E o mundo se
beneficiará de nossas habilidades e de nosso talento.
Mas há o grupo dos que gostam das
gaiolas e dos zoológicos. Pelo menos, aparentemente. Eu conheci algumas pessoas
deste grupo. Convivi bem de perto com elas. Aliás, passei tempos longos em
alguns zoológicos, por isto tive a chance de conviver com muitos habitantes de
lá. Aprendi muito. A convivência nestes ambientes me fez valorizar ainda mais
minhas escolhas e a decidir de qual lado gostaria de estar. O processo é moroso
e lento. Mas não há outro caminho. Só a construção sólida te dá a segurança de
poder abrir a janela e deixar o sol entrar.
Estas pessoas que conheci, e que
aparentemente diziam que gostavam dos zoológicos e das gaiolas, acreditavam que
era mais fácil a convivência num zoológico: as regras estavam prontas, os
horários criados e a rotina reinava. Quando eram perguntados: “vocês são felizes?
”, as suas respostas eram sempre seguidas de um longo silêncio e de um tímido
gaguejar: “ah, si... sim, sou, quer dizer, acho que sou. Mas quem é de verdade?
”, logo argumentavam isto.
Mas eu sabia que no fundo não
eram. Flagrei-os, muitas vezes e escondidos, procurando a chave para abrirem a
porta do zoológico e saírem, mas ainda não estavam prontos. Tiveram de devolver
a chave para o administrador, assim que foram pegos em flagrante. Eu mesma tive
de devolver a chave inúmeras vezes, também. Estar pronto é uma construção. É
uma conquista diária.
Esta construção e esta conquista
poderão ser iniciadas dentro do zoológico, estejamos atentos. Lá dentro é muito
comum nos darem muitas e muitas munições, e tentarem nos convencer de que lá é
o lugar certo para nós. E se não concordarmos, ainda nos acharão um tanto
esquisitos. “Como assim você não quer ficar aqui, neste zoológico? Tem tanta
gente lá fora querendo estar aqui? Como você não enxerga isto? ” E ainda
passaremos por mal-agradecidos. Mas Paulo Coelho já dizia: “só os medíocres
agradam a todos. ”
Existem políticas dentro de um zoológico.
Existem regras dentro de uma gaiola. E se queremos sobreviver lá ou ainda
ficarmos por lá mais um tempo, será preciso segui-las. Se tivermos a coragem de
questionar estas regras, estejamos preparados para sermos vistos como problemas
para aquele zoológico. E consequências virão: boas ou não, o risco será nosso.
Por isto nos calamos, na maior parte das vezes, dentro de um zoológico ou
dentro de uma gaiola.
E se tentarmos falar mesmo
sabendo das regras e das políticas, estejamos certos de que alguém,
gentilmente, nos lembrará das regras e das políticas. Além disto, nos convidará
a nos recolher porque estará tarde, e será preciso trancar os portões do
zoológico, e colocar a manta sobre a gaiola.
Há tanto o que dizer! É preciso
ouvir os silêncios. Mas como ouvir o silêncio se não o aprendemos? Não há este
curso na grade corporativa de um zoológico. Muito menos na grade de uma gaiola,
porque lá é menor e não tem orçamento para isto. Talvez no ano que vem, caso
melhorar a economia e caso a inflação se estabilizar.
Desengavetar nossos talentos,
habilidades, conhecimentos é fundamental para sermos felizes. Colocá-los em uso
próprio e do próximo é o que dá sentido à vida, é o que dá sentido ao
propósito. Por isto aquele camelo-bebê estava perdido. E sua mãe, mais ainda.
É preciso preparo e coragem para
sair do zoológico ou da gaiola. E mais: saber se queremos sair, que é o mais
importante. E depois disto, decidir e fazer, seja dentro ou fora do zoológico.
O nosso dom, talento,
habilidades, missão, conhecimento são caros demais para nós. Somente nós, e
ninguém mais, sabe o quão difícil foi chegarmos até aqui. É imprescindível que
saibamos o valor das coisas, e não o seu preço, que é algo bem diferente. O
valor das coisas, das nossas coisas, só a gente sabe. Mas o preço, ah...o
preço, este está bem claro na plaquinha dentro do zoológico. Há o preço de tudo
ali dentro.
E quando aprendermos, na vida, a
diferenciar valor de preço, e a viver de acordo com isto, certamente não
precisaremos mais devolver a chave do portão do zoológico para o administrador,
se a nossa escolha foi a de sairmos de lá, porque teremos a certeza de qual
lado vamos querer estar.
Para concluir este texto, deixo
uma frase de Fernando Sabino, escritor brasileiro, que diz, sabiamente:
“Liberdade é o espaço que a
felicidade precisa. ”
Penso que seja isto o que aquele
lindo pássaro e aquele bebê-camelo precisassem. E nós também. A liberdade é
umas das ferramentas que nos levará à felicidade.
A única diferença entre eles e
nós é que, no caso do pássaro e do bebê-camelo, infelizmente, não tinham acesso
às chaves dos portões e das gaiolas. Porém, no nosso caso, temos acesso às
chaves. Basta observarmos aonde elas foram guardadas e conquistarmos o direito
de possui-las e de usá-las.
O caminho é longo, mas divino.