Há um
poema de Fernando Pessoa, poeta português do século XIX, chamado Tabacaria, que
traz um verso belíssimo:
...”e
quando quis tirar a máscara,
Estava
pegada à cara.
Quando
a tirei e me vi ao espelho,
Já
tinha envelhecido.
Estava bêbado,
já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. ”
Fernando
Pessoa é um destes essenciais escritores que dizem coisas para nos tirar do
lugar comum no qual, muitas vezes, nos colocamos. Por meio deste verso, que
nada há de ingênuo, ele revela a angústia de sermos humanos, principalmente
quando o nosso mundo interior oscila com o mundo exterior. A realidade, muitas
vezes decadente, confronta com o que há dentro de nós e pede respostas. Não há
como ficarmos indiferentes.
Este
poema fala disto: das angústias inerentes ao ser humano. Do confronto da
realidade versus aquilo que se quer. Muitas
respostas serão encontradas; muitas não. E lidar com as respostas encontradas,
mesmo que não tenhamos gostado, ainda assim será mais fácil do que lidar com
respostas não encontradas. A angústia nasce disto. Desta resposta que não veio,
do sonho não realizado, das experiências vividas no isolamento e no anonimato,
dos saberes não aplicados.
Carl Jung,
psiquiatra suíço, falecido em 1961, nos ensina que as máscaras são, na
linguagem trazida por ele, uma forma de conformidade, uma maneira de cessarmos
a nossa guerra com a vida e aceitarmos as suas condições. Baixarmos a guarda.
Quando nos conformamos, por pior que pareça este conceito, nos acalmamos.
Parece que a vida nos deu uma trégua. Por isso Jung nos diz que a máscara não
possui, portanto, somente aspectos negativos. E a ironia está exatamente nisto.
Ver o lado bom delas.
Tirar
as máscaras é aceitar a nossa condição de inacabados e, portanto, imperfeitos.
Quando abrirmos mão da necessidade neurótica que temos de poder e de estatus,
as máscaras entrarão em desuso. Mas talvez como ainda não estejamos prontos
para enfrentarmos esta nossa condição de inacabados, vestimos máscaras para fazermos
de conta que estamos. Afinal, quem irá nos questionar se nossas máscaras são
perfeitas?
As
máscaras, na época grega, eram utilizadas pelos atores, no palco. A ideia era
mostrar, ao público, o distanciamento entre o personagem versus o ator. Era deixar claro que aquela encenação no palco era
alheia à vida do ator. Uma coisa era o personagem; outra coisa era o ator. Duas
realidades distintas, portanto.
A
máscara, em si, nada mais é do que um adereço. Simples assim. Um objeto
inanimado. O perigo está justamente na função dada a ela, que é construída por
nós. A máscara será o resultado dos nossos desejos e das nossas intenções. Ela
pode servir para trabalhar o nosso lado lúdico (brincadeiras de crianças), para
participar de uma festa (carnaval), disfarçar o que eu não quero mostrar e
outros exemplos.
Por que
usamos máscaras se não somos atores encenando uma peça? Podemos não ser atores
de teatro, mas somos atores da vida e
na vida. Não há como negarmos esta
realidade. Por isso, adaptar-se às vezes é necessário. Usar máscaras é
necessário. Elas são uma espécie de ferramenta de convívio social. Ou será que
podemos ser quem somos o tempo todo e dizer o que queremos o tempo todo? Não.
Portanto, as máscaras nos ajudam a conduzir melhor esta dinâmica chamada Vida.
O ideal
seria vivermos livres, educados para dizermos a verdade, sempre, e não para
sermos aceitos, cordatos e agradáveis. Mas e o limite disto? Quando saber o
momento de retirar a máscara antes que ela se confunda com o nosso rosto? Vejo
dois caminhos: o primeiro é se observar sem máscaras ou, pelo menos, com menos
máscaras. Assim, a visão ficará mais limpa do que há atrás das cortinas. E um
segundo caminho: revisitando, frequentemente, conceitos que podem, hoje, não
fazer mais sentido. Deveríamos aprender a descontruir máscaras e não
incentivados a vesti-las e, assim, perpetuarmos um modelo falido. Acusamos os
mascarados. Mas fazemos parte deste mesmo grupo.
É
preciso questionar o poder que damos a quem nos obrigada a colocar máscaras.
Caímos em profundo esquecimento de nós mesmos quando as usamos. E depois,
quando tentarmos acordar, não será mais possível. Estamos tão acostumados a
usá-las porque desconhecemos o que é viver sem elas. E cá entre nós, usar
máscaras é muito mais confortável que não a usar. Elas nos tornam as pessoas
ideias. Que maravilha não precisar explicar quem somos! As máscaras fazem este
papel por nós.
A
máscara é usada por aquele que perdeu a medida e acabou se perdendo no caminho
da própria mediocridade.
imagem tirada da internet
Enxergar
a nossa essência requer ausência de máscaras, desprovida de disfarces.
Com elas,
os caminhos percorridos são curtos e insustentáveis; sem elas, longos e sustentáveis.
Qual caminho escolheremos?
A nossa
vaidade é tão grande que, mesmo sabendo não ser ideal o uso constante de
máscaras, ainda assim comparamos as nossas com as do nosso vizinho.
A
máscara é uma ferramenta do convívio social. A dependência dela não nos traz
opções, muitas vezes. Mas acima de tudo, questionar o uso da máscara é
fundamental. Usá-la é necessário; mas transformá-la em pele é abrir mão do
direito de estar no mundo. A máscara tem o poder (que damos a ela) de esconder
a nossa identidade. E o que é pior: tem o poder de transformar a nossa
identidade. O super-herói se transforma em alguém que ele não é e cria uma
expectativa de que aquele personagem seja ele mesmo. E sabemos que não. A
máscara, portanto, é uma maneira de disfarçar, mudar e/ou transformar quem
somos. Nos gibis, isto é inofensivo. Mas na vida como ela é, não saber lidar
com as máscaras poderá nos tornar reféns dela.
Máscaras
perfeitas são máscaras desmedidas num mundo desenhado para ser perfeito, mas
que é imperfeito. Vestimos máscaras para podermos exercer a nossa convivência.
Mascarados,
fazemos de conta que somos o que não somos para correspondermos às expectativas
daqueles que não nos representam. Porque aqueles que nos representam não nos cobram
máscaras e expectativas.
A
aparência que aparenta aquilo que aparentemente aparentamos. Frase ambígua e
redundante. Mas quem é o que veste máscaras? Linguagem redundante nos confunde.
Assim como os mascarados, que confundem o ouvinte menos atento.
Aquele
que não usa máscara é livre. Livre é aquele que tem responsabilidades, porém
com cada vez menos necessidades. Não é para qualquer um.
A máscara
aponta o erro, a falha.
Às
máscaras, a resposta pronta. Aos desmascarados, a pergunta que importa (im +
porta) = trazer para dentro, para aquilo que, verdadeiramente, importa.
Quem se
importa com o que importa? Se nos importássemos com o que importa, as máscaras
estariam em desuso, no máximo seriam usadas, como brincadeiras, num sábado de
carnaval.
Enfim,
vestir, para sempre, uma máscara nos torna marionetes da vontade alheia.
A
propósito, você já tirou a sua máscara hoje? O que viu no espelho? Ou ainda
está vestido com ela? Se soubermos esta resposta, a lucidez ainda está fazendo
parte das nossas escolhas. Sabemos que usamos máscaras. Mas se não soubermos se
ainda estamos vestindo ou não, certamente a máscara vestida já está se
confundindo com o nosso próprio rosto.
Quero
encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma inquietante frase de Lêdo Ivo,
jornalista e poeta brasileiro, que diz:
“Na
vida, precisamos sempre de usar máscaras, pois ninguém nos reconheceria se nos
apresentássemos de rosto nu. ”
Acusação
grave, mas quem ousa rebatê-la?