Existem saberes e saberes. Aquele
que aproxima. O que afasta. Aquele que encanta. O que humilha. Aquele que serve
ao mundo. O que somente serve a quem o tem. O descortinar para o conhecimento
dá tom à vida, traz luz, faz desabrochar o que o livro fechado não revela. Portanto,
o saber é imprescindível se quisermos avançar em direção ao crescimento. Ele
nos convida a darmos as mãos à autonomia e à liberdade, duas chaves essenciais
para a vida.
O problema todo se inicia quando
queremos saber tudo e sempre. Uma realidade impossível e insustentável. Mas que
achamos possível e saudável. Caso assim não fosse, por que a praticamos? Há
sempre um desconforto de nossa parte quando não sabemos algo, quando não temos
uma resposta para algo que nos é perguntado. De onde vem isto: da construção
coletiva que fizemos, na condição de sociedade que somos, ou da doente crença
de valorizarmos apenas aquele que sabe tudo? Dois caminhos bem possíveis...
O saber não apresenta limites. É
ilimitado e não ocupa espaços. Pelo contrário, expande as nossas ocupações e
nos traz terras, até então, inabitadas. Traz-nos espaços abstratos que nos
revelam sede de construção. E ao compartilharmos este saber, mais espaços
ganhamos porque o saber compartilhado é
multiplicado.
Quanto mais buscamos
conhecimento, mais ele se apresenta a nossa frente, e mais o desconhecemos. O
saber e o conhecimento se assemelham ao grande mar: à medida que avançamos, ele
avança também. E nunca conseguimos alcançá-lo completamente. Aprendemos algo
hoje, descobrimos algo ontem, e amanhã surgirá algo de que não sabemos. Sem
limites por parte do saber, mas uma
limitação claramente demarcada em nós: não nos é possível sabermos e
conhecermos tudo. Não nos é possível conhecermos e vivenciarmos tudo. Como
seres incompletos que somos, o ato de não sabermos também nos constitui, e
muito.
Sabemos que não sabemos tudo. Mas
nos escondemos desta realidade. Somos vítimas e protagonistas de uma sociedade
que constrói falsas imagens de que o certo é o saber tudo, é o de se ter
respostas para todas as perguntas. Avançamos neste comportamento insustentável
de exigirmos saberes de onde ainda não se pode oferecer, e assim, ajudamos a
construir e a propagar neuroses e situações nocivas cujas consequências cairão
sobre todos nós.
Saber nos permite avançar em
direção a algo melhor. Ele limpa a nossa visão e passamos a enxergar coisas que
estavam ali o tempo todo. Somos melhores a partir do momento que sabemos. Mas o
não saber é uma forma de saber o que não sabemos. Parece óbvio, mas diz muito
sobre quem somos, quem aparentamos e sobre quem queremos ser. Se o que sabemos mostra o que não sabemos,
qual é a nossa realidade, afinal? Um exercício necessário.
Há um texto antigo, escrito por
Antônio Ermírio de Moraes, sobre a arrogância de querer saber tudo. Diz o texto:
Você está olhando pela janela. Não há nada de especial no céu, somente
algumas nuvens. Alguém te pergunta:
- Será que chove hoje?
* se você responder “com certeza”, sua área é a de Vendas. Esta área
sempre tem certeza sobre tudo;
* se você responder “sei lá, estou pensando em outra coisa”, sua área é
a de Marketing, que sempre está pensando no que os outros estão pensando;
* se você responder “sim, há uma boa probabilidade”, sua área é a da Engenharia,
que sempre está disposta a transformar o universo em números;
* se você responder “depende”, sua área é a de Recursos Humanos, que
sempre acredita que um fato estará na dependência de outros;
* se você responder “ah, a meteorologia diz que não”, sua área é a de Contabilidade,
que sempre confia mais nos dados que nos próprios olhos; e
* se você responder “sei lá, mas, na dúvida, eu trouxe um guarda-chuvas”,
então a sua área é a de Finanças, que sempre deve estar bem preparada para
qualquer virada de tempo.
No entanto, se você responder simplesmente “não sei”, há grandes
chances de você se tornar uma pessoa de sucesso. De cada 100 pessoas, somente
uma tem a coragem de dizer que não sabe. As outras 99 pessoas sempre acham que
precisam ter uma resposta pronta, seja ela qual for, para qualquer situação. 'Não
sei' é sempre uma resposta que economiza o tempo de todo mundo, e predispõe os
envolvidos a conseguirem dados mais concretos antes de tomarem uma
decisão. Parece simples, mas responder “não sei” é uma das coisas mais
difíceis de se aprender na vida, independentemente da nossa posição.
Por quê? Eu sinceramente 'não sei'.
O saber é fundamental para a
vida, mas com propósito, discernimento e foco. É uma poderosa ferramenta que
alavanca o nosso desenvolvimento e o do outro. É uma ferramenta de elevação e
não de corrupção. De humildade, porque aquele que sabe serve, e não de
exibicionismo para mostrar que sabe. Este é um saber vazio, sem visões ao se
dobrar a esquina. O saber verdadeiro implica no esquecimento de si em favor do outro.
Saber muito aumenta a nossa responsabilidade. Significa, inclusive, ter
disposição de pagar o preço pela nossa ascensão e saber.
É nosso dever buscar o conhecimento e o saber. Mas com discernimento e
equilíbrio. Não seremos menores por não sabermos. Mas seremos grandes se
assumirmos o nosso desconhecimento.
Não saber tudo nos dá a certeza
de que somos e de que estamos em construção. E isto nos devolve um pouco da
lucidez que perdemos no dia em que achamos que deveríamos saber e ter todas as
respostas.
É preciso saber discernir o saber
que devemos saber, nossa obrigação e dever (é esperado que saibamos), do saber
para se manter a aparência, sem construção e sem obras. O primeiro é um saber
que ampara; o segundo, um saber que não se abstém de quaisquer exibições de
superioridade. O saber nos desloca e transforma a nossa visão de
mundo. Mas o não saber, também, nos recoloca no lugar de aprendizes, que é o
que somos.
Todo o equilíbrio nos faz grandes. Todo o excesso nos torna menores do
que já somos. O saber na medida nos faz fortes. O saber em excesso não é saber,
é falácia. É necessário e preciso deixar espaços para o não saber, para o
desconhecido, para o inabitado.
Dizer “não sei” é libertador.
Liberta-nos da condição que nunca teremos: a de detentores do saber
incondicional, de todas as respostas. As pessoas que abrem espaço para o erro,
para o não saber, aprendem, verdadeiramente. Elas não se importam e não se
preocupam em ocuparem lugares que a sociedade intitulou de “os primeiros”. Quem
é o primeiro? Quem é aquela pessoa de sucesso?
O primeiro é sempre o que não se importa de ficar por último, algumas
vezes, na vida, porque sabe que o primeiro lugar é transitório e inconstante,
assim como o último.
Colocarmo-nos numa posição de
detentor do conhecimento e daquele que tudo sabe é abrirmos mão do longo prazo
da vida. Não há como sabermos tudo. O saber é uma construção. Portanto, ele, em
si, é uma obra inacabada, incompleta. Brigarmos contra isto nos torna
inabilitados para os compromissos de longa duração, da vida.
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com um pensamento de Lya Luft, uma escritora que admite não saber muitas coisas, que diz:
“Não saber é o que torna nossa
vida possível.”
Que saibamos buscar o saber
necessário e verdadeiro, e não o saber que apenas ocupa espaço num palco aonde
insistimos em estar. Que saibamos, sempre,
diferenciar o saber que eleva daquele que torna as nossas convicções (o nosso
saber imposto e autoritário) em nossas próprias armadilhas.
O saber é essencial à vida. Mas o
não saber é o que mais abre espaços para uma vida plena. E somente por meio da
lucidez e da humildade seremos capazes de descobrir isto. A vaidade de
querermos saber tudo e de termos todas as respostas nos afastará, e muito, de
novos saberes e de novos e verdadeiros conhecimentos.