Para este texto, parto de uma fala popular que diz: “não custa nada”.
Aquele que não tem compromisso
com a cura, favorece a doença. Quem está às voltas com o recorte, é aguardado
pelo banal. Quem se submete sem questionar, faz maus acordos.
Dizemos “não custa nada” para
alguém. E alguém diz “não custa nada” para nós. Usamos o tempo como sinônimo de
custo, e de custo baixo, nesta expressão. Por assim ser, o custar baixo ou o
custar nada não nos oferece empecilhos. Portanto, o outro pode dispor do nosso
tempo à vontade, e podemos dispor do tempo dos outros à vontade, também. Afinal,
“não custa nada”. Por que, então, não fazer o que o outro pede, ou o que eu
peço?
A relevância da vida está na
forma como construo laços, como faço uso das ferramentas que estão ao alcance
de minhas mãos, como avanço com os retrocessos fazendo ecos, em mim. Dizer “não
custa nada” ou ouvir “não custa nada” reforça que o caminho ainda é muito longo
para nós. Estamos distantes da compreensão do justo e do sentido porque somos
insuficientes na disposição do pensar. Não queremos pensar. Não queremos manusear
a construção. Imobilismo e precariedade ainda são fortes lugares para
estacionarmos.
Não se trata de rigidez diante à
vida. Estar em paz com ela é recomendado. Mas de refletir sobre falas prontas
que esvaziam o nosso depósito ainda numa construção interminável. Tempo é
legítimo, e com existência real. Se você discorda, vá diante um espelho e
contemple-se. Você perceberá o tempo impresso na sua face. E se ainda assim
você não se convencer, busque um calendário, e reflita sobre o tempo. Ele,
portanto, custa. E caro.
Há diversas faces para a reflexão
deste tema. Escolho considerar a direção que queremos dar para o caráter de
autoria que o tempo tem. Ele constrói. Ele é um autor. Portanto, o que o tempo
tem construído, em nós? A não aceitação da vulgarização do tempo do outro ou do
nosso dará o tom do nosso viver.
O tempo custa. Tudo custa. O
não custar nada talvez valha para aqueles cujos bolsos vão cheios, mas que nada
fizeram para tal. Bolsos cheios de um ouro imitável, de um trabalho explorado,
de um roubo esquecido, de uma ferrugem que nasce, mas que ninguém vê. Bolsos
cheios de um esforço não feito, de um tapete arrancado, de um palco invadido
para receber aplausos não merecidos.
Para aqueles cujos bolsos vão
na medida ou cheios de uma permanência merecida e trabalhada, o tempo custa e
sabe-se o esforço feito para pagá-lo, para investi-lo. Não há desperdícios,
desmandos e deslizes. Aquele que sabe o quanto custa, todos os centavos são
válidos e valiosos.
“Não custa nada”, disse
alguém. Aceitar falas vazias e cansadas como esta é o mesmo que permitir
marcações da insuficiência, em mim. É um passar pela vida do fundo de uma pobre
arquibancada. Não duvidar do custo do nosso tempo ou do tempo do outro é
caminhar ao encontro do nada, do vazio. É insistir em posturas dolorosas e
atravessadas pela insensatez.
Não somos sujeitos que podemos
tudo. Como assim é, por que dispomos do tempo do outro? Por que permitimos que
o outro disponha do nosso? São questões miúdas, até banais, mas que sinalizam
uma rejeição acerca do pensar sobre as nossas produções itinerantes que
inviabilizam o ir além. Colocar-se, na vida, é crucial.
Rejeitamos um pensar que poderia
nos levar além talvez por falta de intimidade para conosco. Quando somos
íntimos, sabemos o que se passa. Quando a intimidade é escassa, até pedir
licença é constrangedor. Há um abandono evidente da nossa capacidade de pensar,
da nossa capacidade de construir um consenso. Resultados do nosso abandono
costumam ficar à espreita, aguardando a obra da nossa alienação. É no
esquecimento de nós e do que nos cabe fazer e pensar que brechas sinceras vão
se acomodando enquanto se formam e se abrem.
Custa. Tudo custa. É preciso,
pois, conhecer o nosso bolso para assumir dívidas. Conhecendo o que vai em
nosso bolso, saberemos ter a delicadeza de recusar pessoas e demandas que
fazem, ou querem fazer, do nosso tempo uma reserva da ociosidade delas.
E o contrário como verdadeiro, também. É sempre útil ser gentil com aqueles que
nos ocupam aleatoriamente. Talvez nós sejamos a única escola, para eles,
parafraseando Francisco de Assis.
Usar o tempo dos outros
indistintamente ou permitir que assim seja feito com o nosso é uma das
características do nosso tempo. Perdemos algumas dimensões importantes de
indicativos de limite, ética, integridade, respeito, espaço, intimidade. Não
que antes houvesse tido tempos perfeitos. Mas arrisco dizer que este formato no
qual vivemos e construímos, hoje, conectados com tudo e todos,
criou uma falsa ideia de que podemos usar o tempo do outro de acordo com as
nossas necessidades e conveniências, e vice-versa, assim como criou uma relação
de excessos entre nós (o outro sempre está a minha disposição, e nós estamos
sempre à disposição do outro). Relações doentes cujos frutos nascem deformados.
Ao mesmo tempo que este formato nos permitiu alcançar o outro, nos permitiu
reduzir este outro a nossa agenda. Tempos esquisitos, estes. Falhamos na forma,
no conteúdo. Quem sabe seja este o motivo que explique o fechamento de
livrarias e o esvaziamento das bibliotecas.
Não use o tempo dos outros de
acordo com a sua necessidade e conveniência. Se, mesmo assim, você precisar
usar o tempo do outro, lembre-se de deixar obras sólidas por lá. Respeite. O
mesmo vale para aquele que tem planos de usar o nosso tempo. Não sejamos
negociadores do tempo.
Sem saudosismos, mas que nossos
passados sejam resgatados não como lugares vivos para se viver, mas como baús
precisos de memória, referências vivas que provam a veracidade dos nossos
tamanhos, e assim os mesmos erros não serem cometidos. Já usamos o tempo do
outro de forma irresponsável, e não deu certo, lembra? Por que continuarmos
numa estrada cujos retornos não existem?
Quero encerrar este texto, mas
não a reflexão, com um pensamento de Francis Bacon, Filósofo inglês,
século XVI, que diz:
“Escolher o seu tempo é ganhar
tempo”.
Construa o possível por meio do
seu tempo. O caráter autoral dele precisa ser respeitado e atendido. “Escolher
o seu tempo é ganhá-lo”.
Que a gente faça do nosso tempo
um autor, e não um depósito de lixos alheios e alienantes. Que a gente perceba
que o tempo do outro não é descarte de demolição. Urgente caminhar para
alcançar as perguntas que o tempo nos tem feito, e construir as respostas que a
vida nos cobrar. Para isso, é preciso ter tempo. Um tempo caro, que custa. Um
tempo precioso.