terça-feira, 29 de setembro de 2015

Tirando satisfações com La Fontaine

Era uma vez...

...uma formiga e uma cigarra muito amigas. Durante o outono, a formiga trabalhou sem parar, armazenando comida para o inverno. Não aproveitou o sol, a brisa suave do fim da tarde e nem o papo com os amigos.

Enquanto isto, a cigarra só queria saber de cantar nas rodas de amigos e nos bares da cidade. Cantou durante todo o outono, dançou, aproveitou o sol e curtiu para valer, mesmo sabendo da proximidade do inverno.

Alguns dias se passaram, e o tempo começou a esfriar. Era o inverno começando.

A formiga, exausta, entrou para a sua singela e aconchegante toca, repleta de comida.

Mas alguém a chamava do lado de fora da toca.

Quando abriu a porta para ver quem era, ficou surpresa com o que viu. Sua amiga cigarra estava dentro de uma Ferrari com um aconchegante casaco de vison. E disse para a formiga:

- Olá, amiga, vou passar o inverno em Paris. Será que você poderia cuidar da minha toca? E a formiga respondeu:

- Claro, sem problemas! Mas o que aconteceu? Como você conseguiu dinheiro para ir a Paris, ter este carro e estas roupas?

E a cigarra respondeu:

-Imagine você que eu estava cantando em um bar na semana passada, e um produtor gostou da minha voz. Fechei um contrato de seis meses para fazer show em Paris. Foi isto o que aconteceu. A propósito: você quer alguma coisa de lá?

- Sim, claro, quero sim, respondeu a formiga. Caso você encontrar o La Fontaine por lá, manda ele ir para...!

Após o momento “riso”, sabemos que esta não é a história original escrita por La Fontaine, um famoso poeta e fabulista francês que viveu no século XVII. Na história original, quando o inverno chega, a cigarra, sem abrigo e sem alimento, pede ajuda à formiga que, ao contrário dela, tudo fez para se preparar. Por isto ela tinha abrigo e alimento. E o ensinamento é este: a de que precisamos nos preparar para os invernos da vida. Concordamos com isto. E apesar de sabermos que o ensinamento da fábula está correto (preparar-se, ter foco e planejamento), é muito importante que a gente não se esqueça de que não vivemos num mundo perfeito, ou seja, em muitos momentos vamos nos preparar, vamos nos planejar, e simplesmente alguém mudará as regras. E aí? O que faremos com todo o nosso planejamento? E se o inverno não chegar? O que faremos com todo o estoque da nossa comida? Se a dividirmos com alguém será um bom começo...

Ao lermos esta divertida versão moderna da fábula, muitas reflexões podem ser feitas. Eu diria até que esta nova versão foi bastante irônica, muito além de divertida.

A formiga se preparou demais, lutou, estabeleceu metas, abriu mão do descanso, da diversão, teve foco e planejamento. Ao chegar o inverno, foi recompensada: tinha abrigo quente e armários cheios de alimentos. Por que, então, ela se revoltou, se ela fez tudo certinho e, ao chegar o inverno, estava com tudo pronto? Ela não deveria estar feliz por ter dado certo o seu planejamento, cuidadosamente dividido em etapas?

Ela se revoltou porque, apesar de todo o seu esforço, cansaço e trabalho terem permitido que ela construísse uma base sólida para o seu inverno, a cigarra fez absolutamente tudo ao contrário, e simplesmente tirou a “sorte grande”, na visão da formiga. No fundo, lá no fundinho, a formiga acreditou que estava fazendo o que era certo. Ela esperava que a cigarra se desse mal por não ter se preparado o tanto que ela se preparou. Portanto, criou a falsa expectativa de que se sairia melhor do que a cigarra por ter seguido as regras, a ordem, o planejamento. Afinal não é o correto? Pode até ser, mas não foi o que aconteceu.

Fiquei pensando na palavra expectativa: espera. Expectativa é esperar por algo. Mas este “algo” pode não ocorrer. Acho que foi isto o que fez a formiga se revoltar. Se ela tivesse feito todo o seu trabalho com convicção e acreditando ser este o melhor, e não somente por obrigação, como foi o caso, talvez ela tivesse se revoltado menos. Inúmeras serão as vezes as quais nos sacrificaremos por algo, e simplesmente alguém irá nos dizer: “ah, te agradeço, mas não será mais preciso...”.

Preparar-se é fundamental, e neste preparo, infelizmente, vamos precisar abrir mão de muitas coisas. Faz parte do processo. Porém, é preciso conscientizar-se de que abrir mão de coisas na vida em prol de outras é arriscar-se ao engano, ao erro, ao não dar certo. Nem sempre o fato de seguirmos as regras, seguirmos o planejado fará que nosso plano dê certo. Pode ser que sim, pode ser que não. Porém se tivermos esta consciência de que correr riscos é inerente a qualquer processo da vida, e nos preparar para minimizá-los, termos planos alternativos e saídas “de emergência”, certamente se alguém, repentinamente, mudar as regras do jogo, estaremos fortalecidos para seguirmos para o nosso próximo plano. E foi o que faltou à formiga. Ela não tinha um próximo plano. Ela acreditou, exclusivamente, numa execução de um plano que sempre vinha dando certo. E ver alguém se “dando bem” sem fazer muito esforço foi motivo de revolta. A formiga tinha razão nesta parte. Mas na vida nem tudo acontece com a justiça que esperamos. Portanto é preciso estar preparado.

Um outro ponto que também faltou à formiga foi ficar extremamente apegada ao processo, às regras. É muito importante ter uma visão do todo, delegar, acreditar no intangível, no mágico, naquele “milagre” que acontece nas nossas vidas, e que não sabemos explicá-lo. É preciso acreditar naquela mão que nos alcança, mas que não sabemos de onde ela veio. Dar um pouco de leveza à vida, que foi o que a cigarra fez.

A cigarra, apesar da sua irresponsabilidade de deixar tudo na mão do acaso, uma coisa fez de certo: acreditou nela (sabia cantar) e expôs o seu talento acreditando que alguém pudesse descobri-lo, que foi o que aconteceu. Isto é fundamental. Acreditar na gente, mesmo que todos digam o contrário e que tudo esteja contra nós. Nunca podemos deixar de acreditar em nós. A cigarra acreditou nela; a formiga acreditou no processo. Estes dois pontos são essenciais para que as coisas funcionem, e funcionem bem. Porém estes dois itens precisam caminhar juntos, e não apartados. Portanto, se a formiga tivesse acreditado nela e no seu talento, além de tudo já realizado, talvez não tivesse se revoltado.

A formiga e a cigarra somos nós. Sempre. Temos as duas dentro de nós. Ora uma, ora outra. O bem e o mal. A questão é: a quem alimentamos mais? Acredito que o mais importante seja a consciência sobre isto, para que possamos aproveitar o melhor que cada uma delas poderá nos proporcionar.

Reflexões sobre o texto:

- nem sempre, ao nos esforçar, seremos reconhecidos e recompensados;

- saber lidar com a frustração é uma sabedoria. O grau da nossa frustração está totalmente ligado ao tamanho da nossa expectativa. A nossa expectativa deve ser realista. Pense nisto;

- quanto mais realista for a nossa expectativa, o nosso objetivo, a nossa meta, o nosso plano, menor será a nossa frustração. O realista considera os riscos e as chances de aquilo não acontecer ou de não dar certo;

- lembre-se: risco não se evita, se administra. Seria importante as Empresas saberem disto também. Querem inovação e criatividade, porém sem erros, sem riscos, de preferência;

- buscar o equilíbrio: nem a escassez (formiga) e nem o excesso (cigarra);

- o texto faz uma sátira ao padrão existente: isto é certo; isto é errado. É preciso se lembrar do contexto que transforma o certo em errado e vice-versa;

- fundamental andar por caminhos não trilhados e aceitar que não podemos controlar tudo na vida. Acreditar nos “milagres” e principalmente em nós;

- a formiga, na sociedade, é vista como a mocinha, o modelo correto a se seguir; a cigarra como a vilã, a irresponsável, o modelo a não se seguir. Não há esta segmentação: mocinho e bandido. Somos esta dualidade. O mocinho, por si só, não consegue se sustentar; idem para o vilão. Trafegamos pela bondade e pela vilania, mesmo que disfarçadamente;

- é fundamental colocar o lúdico em nossas interações, na nossa vida. O humor dá cor e nos ajuda a pensar e a refletir sobre as nossas sombras. Se não tivéssemos lido esta sátira em forma de fábula, talvez não pensássemos em todas estas reflexões;

- precisamos mergulhar nas nossas sombras. E estes textos nos fazem conversar com elas;

- essencial dar mais leveza para as nossas relações conosco e com o nosso próximo;

- a formiga é silenciosa; a cigarra faz questão de que todos ouçam o seu canto. Silêncio e voz: duas forças que se misturam e que nos formam. É preciso pensar nisto, também;

- é preciso cuidar do caminho a ser percorrido, porém valorizar o tanto que já se andou.

Enfim, muitos foram os aprendizados, as reflexões e as lições. E é preciso enfrentá-los, nem sempre com facilidade, nem sempre com bússola, nem sempre com coragem. Mas, como diz um maravilhoso provérbio africano:

“Mares tranquilos não produzem bons marinheiros. ”

Que nos lembremos das nossas formigas e das nossas cigarras internas em nossas viagens pela vida, seja por terra ou por mar.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Você tem um bom alfaiate para indicar?

Algumas pessoas podem te olhar de forma estranha se ouvirem você dizer que frequenta boas alfaiatarias. Ainda mais em tempos de fast, likes, zap-zap e afins. É tudo tão corrido, tão irritantemente urgente que dizer que vai a um alfaiate é, no mínimo, sujeitar-se a receber um maldoso comentário: “nossa, isso ainda existe? ” ou “por que você não compra uma roupa pronta? É mais fácil. ”

Claro que é mais fácil, e mais descartável também. Mas somente aprendemos esta lição quando a roupa se desgasta.

Comprar roupas prontas é bom e necessário. Já imaginou fazer todas as suas roupas com uma costureira ou com um alfaiate? Inviável em todos os sentidos.

Mas eu diria que, em momentos ímpares de nossas vidas, fazer algumas roupas com a costureira ou com um excelente alfaiate seria imprescindível para todos nós.

Mas quem está preocupado com isso, se é tão chique ter uma agenda cheia de compromissos? Muitas pessoas se sentem bem com agendas cheias. Há um falso paradigma de que, desta forma, serão consideradas necessárias e importantes: #façopartedacorreria!

Falando sobre isto, me lembro de duas palavras: poder e vaidade. Mais do que palavras, elas ditam costumes e culturas desde a antiguidade. Fazem parte de nós. Em alguns mais; em outros menos. Mas fazem parte de nós. Acho que história abaixo ilustra bem este raciocínio:

O Mandarim e o Alfaiate
Um dia, um homem recebeu a notícia de que tinha sido nomeado mandarim.

Ficou tão eufórico que quase não se conteve.

- Serei um grande homem agora, disse a um amigo. Preciso de roupas novas imediatamente. Roupas que façam jus à minha nova posição na vida.

- Conheço o alfaiate perfeito para você, replicou o amigo. É um velho sábio que sabe dar a cada cliente o corte perfeito. Vou lhe dar o endereço.

E o novo mandarim foi ao alfaiate, que cuidadosamente tirou as suas medidas. Depois de guardar a fita métrica, o homem disse:

- Há mais uma informação que preciso ter. Há quanto tempo o senhor é mandarim?

- Ora, o que isso tem a ver com a medida do meu manto? Perguntou o cliente surpreso.

- Não posso fazê-lo sem obter esta informação, senhor. É que mandarim recém-nomeado fica tão deslumbrado com o cargo que mantém a cabeça altiva, ergue o nariz e estufa o peito. Assim sendo, tenho que fazer a parte da frente maior que a parte de trás. Anos mais tarde, quando está ocupado com seu trabalho e os transtornos advindos da experiência o tornam sensato, e ele olha adiante para ver o que vem em sua direção e o que precisa ser feito a seguir, aí então eu costuro o manto de modo que a parte da frente e a de trás tenham o mesmo comprimento. E mais tarde, depois que seu corpo está curvado pela idade e pelos anos de trabalho cansativo, sem mencionar a humildade adquirida por meio de uma vida de esforços, então faço o manto de forma que as costas fiquem mais longas que a frente. Portanto, tenho que saber há quanto tempo o senhor está no cargo para que a roupa lhe assente apropriadamente.

O novo mandarim saiu da loja pensando menos no manto e mais no motivo que levara seu amigo a mandá-lo procurar exatamente aquele alfaiate.

Esta história foi retirada do livro “O livro das Virtudes II - O Compasso Moral”, de William J. Bennett, cuja reflexão cabe a todos nós e é de uma mensagem atemporal.

O mandarim vivia nos antigos impérios da China, pertencia à classe dos letrados. Era geralmente uma pessoa importante e influente. Agora começamos a entender porque ele queria roupas novas...

imagem tirada da internet

...ainda bem que ele foi a um sábio alfaiate que ensinou a ele valiosas lições sobre a inutilidade da vaidade para as nossas vidas. Além da cegueira que o poder nos traz, se mal utilizado.

imagem tirada da internet

Aliás, se pesquisarmos a origem da palavra vaidade, ela possui uma raiz latina, que se escreve vanus, e que significa “vazio, ocioso”; e outra raiz indo-europeia (que era utilizada antes do latim, em tempos remotíssimos), que se escreve wa-no-, que significa “deixar, abandonar, desistir”. Esta palavra também traz outro significado, agora em hebraico, que é: qualquer coisa invisível que logo desaparece.

Por essas e outras, ainda bem que, mesmo em tempos de fast, o alfaiate e a costureira persistem. Sábios eles. Todos precisam de alfaiates e de costureiras porque a vaidade está presente em todos nós, sem exceções.

E para aqueles que se julgam modestos, sem vaidades, Mário Quintana, um dos maiores poetas da Literatura, tem uma resposta:

“A modéstia é a vaidade escondida atrás da porta. ”

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Melhores Empresas para se trabalhar. Mas para quem?

Existem pesquisas que medem o clima interno de uma organização, o ambiente de trabalho, a cultura e a marca. O resultado, chamado de diagnóstico, é uma “foto” que mostra, em números e em comentários, o que vai bem e o que não vai tão bem assim. Mostra possíveis falhas de processos, distorções da liderança, distorções comportamentais, aquilo que deve ser mantido e o que deve ser mudado para que a empresa, de verdade, se torne um dos melhores lugares para se trabalhar, e não somente no título.

É imprescindível medir, avaliar. Somente aquilo que se mede pode ser gerenciado. Portanto, não há nada de errado com as pesquisas nem com os institutos responsáveis.

Questiono, no entanto, até que ponto somos sinceros ao respondê-la? Estamos falando o que precisa ser dito, ou por medo de retaliação suavizamos as nossas respostas?

Dependendo do ambiente no qual se trabalha, dizer a verdade, nestas pesquisas, assim como fora dela, é assinar a carta de demissão. É ser bombardeado, injustamente, num feedback. É sujeitar-se a ser colocado de lado na próxima promoção, é ser incluído em projetos irrelevantes. Além do clássico assédio moral, que sempre existiu. Apesar da confidencialidade das respostas, dependendo da índole do gestor, ele poderá travar uma perseguição aos colaboradores se ele teve a sua área mal avaliada, inclusive a sua própria gestão. Assédios e desconfianças são métodos bem utilizados por este tipo de gestor.

Em empresas preocupadas em aparecerem nas revistas como uma das melhores para se trabalhar, que privilegiam maus líderes, que dão autonomia e poder para as pessoas erradas e que querem manter o estatus de empresa “sólida” perante à sociedade, como dizer a verdade? A pressão que a vaidade exerce sobre estas empresas obrigará, indiretamente, a equipe se posicionar de forma cética, o que comprometerá o resultado por meio de respostas que não correspondam à realidade. Dar apenas respostas positivas sobre a empresa e sobre o gestor passará a ser uma constante.

Caso a verdade fosse, de verdade, dita, que riqueza de diagnóstico estas empresas teriam. Porém, a vaidade as impede de olharem para os “números ruins e baixos” como uma forte contribuição para o fortalecimento da empresa, para a sustentabilidade do negócio.

Em minha experiência profissional, estas pesquisas sempre foram realizadas, porém com baixo aproveitamento. A cada ano, tanto pesquisas internas (para verificar o clima organizacional) quanto externas (para a participação no ranking das melhores para trabalhar) eram realizadas.

Curiosamente, a empresa sempre apresentava, na maior parte do resultado, um bom clima organizacional, e quanto à pesquisa externa, sempre figurava entre as melhores para se trabalhar. Mas internamente os problemas eram inúmeros e a insatisfação era muito grande também. No mínimo, paradoxal.  Na mesma semana em que a Empresa figurava no ranking das melhores, ela engordava a fila dos doentes ou demitia vários injustamente, mal avaliados por mau gestores. E por quê? Porque existia e ainda existe um abismo entre aquilo que se diz versus aquilo que se pratica. A velha máxima “para Inglês ver”, tristemente, ainda impera e muito.

Uma vez uma área apresentou índice de satisfação de 90% em relação ao gestor, na pesquisa interna de clima. Porém, esta era uma das áreas que mais apresentava desarmonia e reclamações. Como isto foi possível? Permitindo que maus Líderes e gestores ocupassem cadeiras de liderança.

Conversando reservadamente com cada colaborador da equipe, descobrimos que o “Líder” ameaçava, veladamente, as pessoas, para que respondessem coisas positivas. E como é difícil desligar um mau Líder. A gestão de consequência existe, mas o processo é lento, insuficiente e muitas vezes injusto. Por medo e por sobrevivência, as pessoas respondiam ao que aquele gestor queria ouvir: que sua área estava ótima e que todos estavam felizes e satisfeitos. Este falso resultado teve uma série de impactos:

- planos de ação foram tomados com base em resultados falsos;

- a área e o gestor foram considerados benchmarks;

- o Diretor e o Vice-Presidente ganharam mais bônus em função dos resultados;

- ceticismo por parte de colaboradores que conheciam a realidade desta área. Começaram a questionar os resultados e a própria pesquisa. As áreas que visivelmente diziam a verdade, nos falavam: “então a área que mente é quem ganha o destaque? ” ou “o jeito, então, é dizer que está tudo bem. Assim ninguém vem atrás da gente. ”

Infelizmente foram muitos os exemplos presenciados.  Como denunciar isto se o sistema interno é falido e privilegia o estatus e a vaidade? Não podemos responsabilizar somente aquele que não fala a verdade, por medo e por retaliação. A pesquisa, em si, é isenta. Mas ela vai apresentar um diagnóstico com base nas respostas trazidas, ou seja, se as respostas não corresponderem à realidade, o resultado também não corresponderá. Quer exemplo maior de contrassenso? E isto é uma realidade em muitas empresas.

Muitas empresas e falsos Líderes não estão dispostos a ouvirem a verdade. O ambiente interno não é saudável, é constrangedor, sufocante, opressor, o que faz que os colaboradores tenham medo de dizer a verdade.

Num ambiente opressor, é natural buscarmos nossa sobrevivência, e um dos métodos que utilizamos para sobreviver é ...mentir. Não é o certo, claro, mas ele existe e fazemos parte disto. Mentimos porque precisamos do salário, por conveniência, porque não queremos nos expor e por sobrevivência.

Outro exemplo: uma diretoria teve um resultado ruim. Ao receber os resultados, o Diretor simplesmente disse que a pesquisa estava errada. E queria, de todas as formas, identificar quem havia respondido tão mal assim. Obviamente as respostas não foram abertas devido à confidencialidade, mas a perseguição que os colaboradores daquela área sofreram foi desumana. E aquele Líder? Deve estar lá até hoje, infelizmente.

Misteriosamente, no ano seguinte, a área dele foi para 80% de aprovação. Por isso fiz a pergunta: melhores empresas para se trabalhar. Mas para quem?

Outras péssimas atitudes de gestores que presenciei em épocas de pesquisas de clima organizacional e demais pesquisas externas:

- inibir a liberdade de expressão: “Alguém quer ajuda para responder a pesquisa? ”;

- sentar-se ao lado do colaborador e dizer que irá ajudá-lo a responder, e assim, “terminamos logo com isto”;

- dizer à equipe: “olhem lá, se a gente tiver um resultado ruim, já sabem...”;

- dizer à equipe: “pessoal, notas 4 e 5 em tudo...” (e dava aquela risada...). Lembrando que notas 4 e 5 são as melhores, numa escala de 1 a 5 em ordem crescente;

- dizer à equipe: “se vocês me avaliarem mal, nossa área ficará mal colocada e talvez seja necessário demitir pessoas...”

Presenciei tanto situações nas quais os gestores aceitaram a verdade, e mesmo com resultados ruins fizeram um brilhante trabalho. E casos tenebrosos de ameaças, assédios morais e retaliações, acarretando o adoecimento de muitas pessoas.

E aí você poderá dizer: “mas por que estas pessoas não denunciaram isto? ” É fácil falar do outro lado da tela... ainda mais com a subjetividade que impede de provar tantas coisas.

Isto tudo me remete a duas coisas: à falta da verdadeira Liderança e à forte valorização da vaidade e do estatus, que cegam as organizações. Muitos maus líderes são excelentes técnicos, conhecem muito do trabalho, mas são vaidosos, prepotentes, arrogantes, não servem para liderar pessoas. Porém, em função das elevadas performances técnicas e financeiras que estas pessoas muitas vezes têm, perpetuam maus exemplos. E os líderes que estão acima destes fazem “vistas grossas” porque, no fundo, lá no fundo, também acreditam neste modelo.

O verdadeiro Líder é um servidor. Usa o seu poder e a sua autoridade para servir e para fazer melhor o ambiente para todos. O mau Líder está mais preocupado com o bom resultado da pesquisa (assim a sua imagem é preservada) do que com o bem-estar, o bom ambiente. Esta imaturidade é danosa a qualquer organização.

“Cuidar de gente dá muito trabalho”, cansei de ouvir isto de Líderes que apenas eram no título, muito longe da atitude. Como ser um Líder se não gostar de gente? A pergunta que fica é: quem colocou esta pessoa lá? Ouvia sempre a frase: “o negócio é performance. Se der tempo, cuidamos de gente. ”

Isto explica porque, ano após ano, muitas empresas gastam dinheiro, tempo e energia em pesquisas, que sempre, ou quase, apresentam os mesmos problemas. Enquanto o medo e a desconfiança estiverem presentes nos ambientes das empresas e forem mais fortes do que a vontade e disposição para, de verdade, construir um ambiente saudável de se trabalhar, arrisco em dizer que estas pesquisas pouco poderão contribuir.

Num outro exemplo que vivi, numa das pesquisas, a empresa não tinha tido o mínimo de respostas para poder passar para a próxima fase. E as pessoas não responderam porque não quiseram responder. Aquilo era falso. Quer diagnóstico melhor? Foi então que o Diretor entrou na área e disse para pararmos tudo o que estávamos fazendo e respondermos a pesquisa. Disse que seria “vergonhoso” a Empresa X (disse o nome da Empresa) não fazer parte das melhores.

Preciso dizer o que fizemos? Paramos o que estávamos fazendo e respondemos. Nunca respondi a um questionário de forma tão rápida e me sentindo tão pequena. Pequena por não poder fazer absolutamente nada, pelo menos não naquele momento.

Há um custo de imagem e de vaidade para a Empresa que não participa do “seleto” grupo das melhores. Depois entendi a atitude daquele Diretor que até hoje me pergunto o que ele fazia lá. Mas enfim...

Estar em uma das melhores empresas para se trabalhar vai muito além de benefícios e questões materiais: estamos falando de respeito, de felicidade, engajamento, querer estar lá, coisas muito difíceis de se medir. Estamos falando de subjetividade. Por isto questiono.

Ser uma das melhores empresas para se trabalhar está muito além de uma pesquisa. O diagnóstico deve ser diário, e não anual. Num mundo no qual se prevalece a cultura do parecer e não a do ser, não é de se espantar a enorme preocupação em fazer parte destes números.

Melhores Empresas para se trabalhar. Mas para quem?

Teremos diversas respostas, menos “Para todos”. E se ainda não temos como resposta “Para todos”, a empresa pode até ter seus méritos, mas daí a dizer que é uma das melhores para se trabalhar, existe uma longa distância.

domingo, 6 de setembro de 2015

O homem sábio

O homem sábio é um homem de bem. Não se preocupa com o perdão porque nunca se ofende. Sempre tem tempo porque faz o que precisa.

Contrata pela competência e não pelo marketing pessoal. Não fala o seu cargo porque, de verdade, isto pouco importa. O homem de bem sabe disto.

O homem sábio não faz questão de chegar primeiro porque sabe que isto não quer dizer muita coisa. Não menospreza o seu semelhante. Valoriza o conhecimento alheio e busca aprender com ele.

O homem sábio pede desculpas quando erra; o homem arrogante diz: “não foi minha culpa”.

O homem sábio dá a passagem e, às vezes, pede passagem; o homem arrogante só pede passagem.

O homem sábio não se vangloria de suas conquistas porque sabe que elas não são somente suas; o homem arrogante se esbarra com outro arrogante para ver quem fica com os louros de uma vitória que pouco ou nada ele participou.

O homem sábio se coloca pequeno para poder se tornar grande; o homem arrogante se enxerga grande dentro de sua pequenez.

O homem sábio enaltece a qualidade do outro; o homem arrogante só consegue enxergar qualidades nele. A qualidade do outro é sempre menor ou foi “pura sorte”.

O homem sábio se engrandece a cada dia; o homem arrogante se embrutece a cada dia.

O homem sábio constrói pontes para permitir que outras pessoas passem; o homem arrogante destrói a ponte que o ajudou a caminhar e a chegar até ali.

O homem sábio serve; o homem arrogante quer ser servido.

O homem sábio sobe a escada e dá a mão para quem está lá embaixo; o homem arrogante sobe a escada e a empurra para que ninguém mais suba.

O homem sábio pergunta e valoriza a pergunta; o homem arrogante acha que responde porque só valoriza as respostas.

O homem sábio descomplica o que o homem arrogante complica.

O homem sábio, quando líder, eleva o seu time e ressalta o que de melhor cada um tem e pode oferecer. Sua conjugação preferida é: “nós fizemos; nós conquistamos. ”

O homem arrogante, que não deveria ser líder, impõe pelo medo, ressalta os erros e expõe o time a retaliações. Sua conjugação preferida é: “eu fiz”; “a equipe errou”.

O homem sábio valoriza a essência; o homem arrogante valoriza a aparência.

Sabedoria e arrogância: duas faces da mesma moeda.

O homem sábio alimenta os sonhos do próximo; o homem arrogante exige que os seus sonhos sejam realizados e os de mais ninguém.

O homem sábio enxerga o que ninguém vê; ouve o que não é dito; sente o que não se expressa; o arrogante é alheio à sensibilidade dos atos, palavras e sentimentos dos outros.

O homem sábio diz: “um por todos, todos por um”. O homem arrogante diz: “cada um por si e Deus por todos”.

O homem sábio sabe. O homem arrogante não sabe, mas diz que sabe. E o pior é que tem gente que acredita.

O homem sábio é verdadeiro. O homem arrogante se sustenta na ilusão de que nunca será pego de calças curtas.

O homem sábio aperta a mão do outro e olha nos olhos. O homem arrogante analisa de quem é a mão para ver se compensa apertá-la.

O homem sábio preza a educação e perpetua exemplos edificantes. O homem arrogante preza o nome da faculdade e perpetua exemplos destrutivos.

O homem sábio diz: “como posso ajudar? ”. O homem arrogante diz: “faça isto para mim”.

O homem sábio é livre e por ser livre é feliz. Ele já entendeu que a liberdade é instrumento de felicidade: da verdadeira felicidade.

O homem arrogante é prisioneiro. E por ser prisioneiro de falsos modelos, é infeliz.

O homem sábio ajuda a construir, valoriza a travessia e acende a luz, ao anoitecer, para clarear o caminho de quem passar.

O homem arrogante valoriza a construção pronta, tem aversão à travessia e não acende a luz porque não sabe o que é isto.

O homem sábio não se deixa levar pelos elogios porque sabe que amanhã virão as críticas. O homem sábio fortalece o seu Ser no mundo para ter ainda mais sabedoria.

O homem sábio é aquele que anda no pântano, mas não se suja. É aquele que compreende. O arrogante se suja, mas não consegue enxergar aonde a sujeira começou.

O homem sábio não se vende porque sabe o seu valor. O homem arrogante se vende porque não conhece a diferença entre preço e valor.

O homem sábio se comunica de forma que todos o compreendam. O homem arrogante fala difícil porque quer aparecer.

A arrogância faz você andar em círculos, não te deixa livre porque você precisará sempre estar preso às fontes que te iniciaram na arrogância. E se você deixar de alimentá-las, simplesmente por presunção, esteja certo de que elas vão te cobrar.

A sabedoria faz você andar livre e em linha reta. Deixa você livre para se conectar com as fontes que fazem sentido para você. O sábio sabe que o alimento dele vem do outro e dele também.

O homem sábio não briga pelos confetes porque sabe que eles vão se desfazer com a mesma facilidade de uma bolinha de sabão.

O arrogante dá trombada no outro para que os confetes caiam sobre a cabeça dele. E quando não restar mais um confete para contar história, ele estará tão perdido que precisará, ainda, de mais confetes para dar conta da sua insignificância.

O confete constrói um castelo de areia. Somente o caráter fortalecido pela luta de não acreditar nos confetes sabe disto.

O reconhecimento é importante desde que não venha em formato de confetes.

O homem sábio aproveita a sua vida e o seu tempo. Sempre tem tempo porque faz o que precisa.

O arrogante está longe de pensar assim. Está sempre ocupado demais para se enxergar. Quer que os outros o enxerguem. Nunca tem tempo e está fazendo somente o que não precisa.

O homem sábio sempre sabe a saída. O arrogante, numa bifurcação, se sente um injustiçado.

A sabedoria é construída. Cada passo e cada degrau são fundamentais para esta construção. Subir estes degraus é o convite da vida. Não dá para pulá-los. Só mesmo colocando um calçado leve, uma roupa confortável e encarar a subida.

Não há outro caminho para a sabedoria.

E o arrogante? Ah, sim, ele está na escada rolante ao lado da escada, com degraus, que você está subindo. E quem será que, de verdade, chegará primeiro? Quem estiver subindo a escada, com degraus, saberá a resposta.