domingo, 24 de julho de 2016

Ainda sobre o machismo...

O “ainda” do título mostra um certo cansaço, um certo desgaste. Ele me remete àquele disco riscado que tocava na vitrola do meu pai. O mesmo trecho, a mesma faixa. A música não era só aquilo, mas era só aquilo que tocava.

O ainda traz cansaço e desgaste. E as reticências dizem que há muito o que fazer e que este assunto, pelo jeito, vai longe...

Vai longe e vem de longe. Não é de hoje que falamos sobre isto. Que ouvimos sobre isto. Que sofremos as consequências disto. Todos nós sofremos. Não somente as mulheres. Todos, sem exceções. Acredito que enquanto não nos apropriarmos deste assunto, independentemente do nosso sexo, ele não será resolvido.

Há machismo em todo o mundo, não somente aqui. É que como vivemos aqui, presenciamos muitos exemplos machistas e isto se torna mais forte para nós. Mas ele é presente em todo o mundo. Importante ressaltar que a História do mundo foi, essencialmente, escrita por homens, e não por mulheres. E o Brasil não foi exceção. Isto já explica muitas coisas. Mas as mulheres sempre existiram e sempre construíram. Onde elas estavam, então, quando a história foi escrita e construída? Simplesmente elas não foram convidadas para esta conversa. Por isto elas não estão nos livros e nem nas grades curriculares das escolas. Mas elas sempre existiram. Poucas são as lutadoras e guerreiras que são lembradas. Pouquíssimas. Se quisermos conhecê-las, somente por meio de documentários e livros específicos. Será necessário querer saber sobre elas e buscar este saber, porque isto dificilmente será ensinado.

As mulheres, ao longo de toda a história, sempre foram excluídas e desvalorizadas. Sempre precisaram lutar e provar sua existência o tempo todo.

Passados anos, décadas e até séculos, muitas coisas mudaram. Algumas para melhor, outras para pior. Mas a luta contra o machismo atravessa os tempos e continua. Muitas conquistas foram alcançadas às custas de vidas e tempo de outras mulheres. Avanços foram atingidos graças à coragem de muitas delas, graças aos movimentos feministas que tiveram sua força, sua expressão e sua necessidade muito bem representados.

Porém mesmo com estes avanços, que não foram poucos, por que ainda retrocedemos em muitas circunstâncias? Por que ainda nos demoramos com este assunto? Por que ainda valorizamos e fortalecemos o machismo para que ele continue existindo?

O assunto é complexo e delicado para acharmos que sabemos as respostas. Para acharmos que vamos resolver isto de forma rápida. O machismo é, antes de tudo, um valor de uma sociedade (no caso, a nossa) que está traduzido em atitudes e em comportamentos. E isto vem de longe. Não é tão simples mudarmos um valor, um paradigma. Se machismo é um valor, porque se assim não fosse não o praticaríamos, como mudá-lo? Como se altera um valor? Ninguém tem esta fórmula. Mas uma direção, mesmo que remota, para que um valor seja alterado é mudarmos as referências deste valor. E qual é a referência do machismo? Em que ele se apoia? Qual é a sua base de referência?

imagem tirada da internet

A base de referência no qual o machismo se apoia é a nossa sociedade. Somos machistas. Ponto. Precisamos quebrar este modelo para outro ser escrito e reinventado. Só que mudar é muito difícil. Implica conscientizar-nos a respeito e, acima de tudo, querermos esta mudança. Criar outros modelos dá muito trabalho. Alguém precisa começar. E há tempos que muitas mulheres começaram este belo trabalho. Muitas foram valorizadas, outras preteridas e outras esquecidas. Mas todas iniciaram e é preciso continuar este trabalho, que é de todos.

É preciso enfrentar o modelo que não funciona e lutar pelo que funciona. Mas dá trabalho.

Nise da Silveira, a primeira médica brasileira, nascida no século passado, foi uma mulher brilhante. Lutou contra a forma agressiva como os pacientes eram tratados pela Psiquiatria e revolucionou o tratamento dos doentes mentais, no Brasil. Em um documentário sobre a vida dela, ainda estudante de medicina, ela conta que não havia banheiro feminino na faculdade porque “ali” não era lugar para mulheres. Então, para que banheiros? Os professores, todos homens, obviamente, não a deixavam participar da aula de anatomia com os demais alunos porque diziam que aquela não era profissão para mulheres. Ela precisou lutar por uma autorização e assim, prosseguir seus estudos. E conseguiu.

Mulher firme e, acima de tudo, com propósito e destemida.  E isto tudo na década de vinte! Este foi só um dos exemplos do que, com eficiência, dedicação e propósito, aonde se pode chegar. E ela chegou muito longe. E muito devemos a ela.

Um dos caminhos para que esta reinvenção de modelo possa começar é pela educação. É redundante falarmos sobre a relevância da educação. E não falo, apenas, da educação curricular, mas daquela recebida em casa. Por que bola ainda é coisa de menino? Por que, ainda, é a menina quem vai para a cozinha ajudar a mãe lavar louças? Por que é o pai quem leva o menino para o futebol? Por que todos não lavam a louça e depois vão ao futebol juntos?

Este é somente um exemplo para incentivarmos o aprofundamento do tema. Mas há diversos exemplos e tantos outros bem mais tensos e complexos. É só prestarmos atenção.

A pergunta é: quais cidadãos queremos? Quais cidadãos estamos formando?

Ajudamos a resolver. Ajudamos a destruir.

Ajudamos a cobrar. Ajudamos a esconder.

Ajudamos a avançar. Ajudamos a estagnar. Ora uma coisa. Ora outra coisa. Ora as duas coisas juntas. Queremos mudanças, porém não queremos mudar. Que paradoxo, não? A mudança é sempre necessária para o outro, mas não para mim. Eu não preciso mudar. O outro sim.

Aos homens foi dada uma autonomia e um direito que explica, muito, as desigualdades e os caminhos tortos existentes até hoje.

O machismo é somente uma consequência da falta de educação, e não a causa em si. Somos mal-educados. Nossa educação não é priorizada. Nunca foi. E o machismo tem as suas raízes aí, fortemente construídas, mesmo que às escondidas. E quando chegamos à fase adulta, quando somos colocados à prova, a nossa educação ou a falta dela vem à tona. E o machismo é somente um dos reflexos da má educação que demos, que recebemos ou que não tivemos acesso. Que tipo de educação estou dando? Qual recebi? Quais são os meus valores?

Precisamos de políticas públicas que ajudem a melhorar este caminho construído indevidamente, este caminho torto, ineficiente e insustentável. Mas antes disto, precisamos de uma educação que agregue, que englobe, que envolva e não uma educação que desagregue, que exclua e que não envolva a todos. Mas a educação que não agrega ainda é a vigente, ainda é a que se observa. Não na totalidade, mas ainda é fortemente presente.

Enfim, o tema é vasto. Há muito o que dizer. Muitos são os caminhos possíveis para mudarmos de patamar. Mas penso que a educação seja o caminho mais lúcido para tal caminhada.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um maravilhoso ensinamento de Nise da Silveira, esta mulher que fez da ousadia sua ferramenta de luta.

"É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade".

Que a história desta Mulher nos sirva como novas bases de referências para que possamos criar uma sociedade mais justa, mais sólida, mais ética. E, assim, sustentável.