segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Você salvou alguma estrela-do-mar hoje?

Era uma vez...

...um escritor que morava numa praia tranquila, próxima de uma colônia de pescadores. Todas as manhãs ele passeava à beira-mar, para se inspirar, e à tarde, escrevia.

Um dia, caminhando na praia, viu um menino pegando as estrelas-do-mar que estavam na areia, uma por uma, e jogando-as novamente de volta ao oceano.

- Por que você está fazendo isto? – perguntou o escritor.

- Você não vê? – disse o menino. A maré está baixa e o sol está brilhando. Elas vão secar e morrer se continuarem expostas ao sol e à areia.

- Menino, existem milhares de quilômetros de praia pelo mundo e centenas de milhares de estrelas-do-mar, todas espalhadas pelas praias. Que diferença faz? Você joga umas poucas de volta ao oceano. A maioria vai perecer de qualquer forma.

O menino pegou mais uma estrela na areia, jogou-a de volta ao oceano, olhou para o escritor e disse:

- Para esta, eu fiz diferença.

Naquela noite o escritor não conseguiu dormir e escrever. Logo pela manhã, ao acordar, foi para a praia. Procurou o menino e juntos começaram a devolver as estrelas-do-mar ao oceano.

imagem tirada da internet

A pouca idade daquele garoto mostra que a experiência de vida, no caso daquele escritor, nem sempre é sinal de sabedoria. Deveria ser. Mas não é. Todos aprendem com todos.

Muitas lições e muitas leituras podemos fazer a partir desta história. Muitas reflexões também. Basta abrirmos os nossos corações e as nossas mentes. E talvez este seja o problema: abrirmos os nossos corações e as nossas mentes. Penso que estamos um pouco endurecidos, cascudos, descrentes. E tudo isto dificulta, e muito, enxergarmos e salvarmos estrelas-do-mar.

Elas estão por toda parte. Mas não as enxergamos. Ou se as enxergamos, poucos são os que se abaixam para pegá-las e devolvê-las ao mar. “Que diferença faz? A maioria vai perecer de qualquer forma...”. Não para aquele menino, não para aquela estrela-do-mar.

Para aqueles que acreditam, sempre algo pode ser feito; sempre há uma forma diferente de se fazer as coisas. Sempre há uma chance. Sempre há uma saída.

E se nós fôssemos aquela estrela-do-mar? Como é indescritível a sensação de ser ajudado. Só quem passou por isto pode saber.

A estrela-do-mar, neste texto, pode também representar, de forma metafórica, qualquer oportunidade que deixamos passar, coisas que deixamos para amanhã. Para um amanhã que talvez nunca chegue.

O amanhã existe, claro. Mas apenas para aquilo que realmente deve ser deixado para amanhã. Existem coisas que devem ser deixadas para depois, para amanhã e até para depois de amanhã. Mas existem coisas que precisam ser feitas hoje, agora. E salvar estrelas-do-mar é uma delas: não pode ser deixado para depois ou achar que isto é trabalhoso demais.

Colocamos o esforço como um empecilho para a ação. Acreditamos na derrota mesmo antes de tentarmos. Por quê? A tal da preguiça ociosa e improdutiva que nem o Sociólogo Domenico de Masi, em sua obra O Ócio Criativo, daria conta disto.

Encontramos dificuldades aonde elas não existem. Fazemos questão de enxergá-las. Colocamos até óculos para isto.

O esforço dá trabalho. Ser grande dá trabalho. Ser pequeno é muito fácil. Simples e rápido.

Aquele menino foi grande em sua atitude. Aquele escritor foi pequeno em sua atitude.

Ser grande implica coragem. Implica colocar o valor da ação, em si, acima de qualquer esforço que seja necessário realizar para que aquilo que se deseja dê certo. Aquele que é grande não vê o esforço, o trabalho, o cansaço como empecilhos para o avançar. Aquele que é pequeno sempre encontra uma brecha para deixar para amanhã, para o não fazer.

Quem é grande se abaixa para salvar uma estrela-do-mar. Quem é humilde enxerga valor nisto e coloca à disposição da natureza, a sua força para colaborar com ela.

Quem é pequeno, além de pisar nas estrelas-do-mar (“desculpa, foi sem querer”) não se abaixa para salvá-la. Ele é pequeno demais para tanto. Além do mais, para quê, não é mesmo? Amanhã terão tantas outras estrelas-do-mar aí, novamente? Quanta perda de tempo!

Perder tempo é passarmos por este mundo e apenas deixarmos as nossas marcas de retiradas e nenhuma de reposição. Perder tempo é acharmos que o nosso tempo é mais importante do que o da estrela-do-mar. Quem falou que somos mais importantes? Se acharmos isto, será bom revisitarmos alguns conceitos básicos...

A vida é muito preciosa para acharmos que estamos sozinhos aqui. Acharmos que estamos muito ocupados. Não estamos tão ocupados assim. Não somos tão ocupados assim. Sabemos que não. Mas enquanto o outro não descobrir isto, vamos brincando de faz-de-conta.

Se quisermos salvar estrelas-do-mar certamente teremos tempo. Tudo é uma questão de prioridade. O que priorizamos? O compromisso com o que importa ou o compromisso com aquele que continuará alimentando nossas vaidades, ilusões e máscaras?  Nossas agendas, muitas vezes, têm compromissos com pessoas sem compromissos com a vida. Seria bom pensarmos sobre isto e revermos os espaços cheios de nossas agendas. Quem sabe nesta arrumação, não sobre tempo para salvarmos algumas estrelas-do-mar?

No desastre ocorrido em Mariana, num cenário de completa destruição, uma imagem emocionante: um Bombeiro, sozinho, consegue salvar um cachorro que tinha ficado preso à lama. O cachorro, vivo, olha para aquele Bombeiro com um olhar expressivo de gratidão: para aquele cachorro, o Bombeiro fez a diferença. Quantos mais cachorros tinham ali? Infelizmente não sabemos. Mas o que sabemos é que aquele cachorro foi salvo porque aquele Bombeiro, certamente, acredita em devolver estrelas-do-mar ao oceano.

Precisamos de mais salvadores de estrelas-do-mar.

Salvar uma estrela-do-mar significa fazer o que realmente importa na vida. Significa fazer a diferença para o bem, mesmo que seja apenas para uma pessoa, para um cachorro, para uma estrela.

Deixar de fazer a diferença devido ao excesso, ao volume, à quantidade é se colocar na linha da mediocridade da vida. Nunca poderemos fazer tudo, abarcarmos tudo, dar conta de tudo. Então não se faz, é isto?

Uma hora eu faço. Uma hora eu vejo. Uma hora eu ligo.

Amanhã eu faço. Amanhã eu vejo. Amanhã eu ligo.

Qualquer dia eu faço. Qualquer dia eu vejo. Qualquer dia eu ligo.

Uma hora, Amanhã, Qualquer dia...estão aí termos ausentes na vida de quem lança e devolve estrelas-do-mar para o oceano. A hora de fazer a diferença é agora e não depois.

Oportunidades são bem-vindas se não forem perdidas por mãos de quem não salva estrelas-do-mar.

Aquele escritor enxergou, no ato daquele menino, um trabalho desnecessário, cansativo, sem valor e o pior: como se o ato do menino fosse em vão. Nada, absolutamente nada é em vão quando se faz e se realiza o que importa.

E se mesmo depois de ler esta história você achar que não tem condições, sozinho, de devolver as estrelas para o oceano, busque vozes e braços que ecoem deste mesmo sonho. E certamente mais estrelas-do-mar voltarão para o oceano.

Como diz Cora Coralina, uma das grandes poetisas do século XIX:

“Removi pedras do meu caminho e no lugar delas, plantei flores. ” Seria o mesmo que dizer que ela lançou e devolveu, ao oceano, muitas estrelas-do-mar.

Certamente aquele menino, mesmo com sua pouca idade, colocava em prática o pensamento de Cora Coralina: removeu pedras e plantou flores ao salvar muitas estrelas-do-mar.

Portanto, refaço a pergunta: você salvou alguma estrela-do-mar hoje? Se não, ainda dá tempo. Elas estão por toda parte...

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Muito mais que um minuto

Ironicamente, sexta-feira passada foi o dia internacional da gentileza. Mas o que é isto mesmo? Acho que esquecemos.

Mesmo se buscarmos o significado desta palavra no dicionário para avivarmos a nossa memória, de nada adiantará. Não vamos usá-la, não é mesmo? Então por que perdermos tempo em recorrermos ao dicionário? Deixa a palavra lá, guardada no papel, quieta.

Enquanto a inflexibilidade e a dureza de nossos corações ditarem as regras do nosso viver, a gentileza não terá vez. A gentileza é incompatível com a inflexibilidade. E como a inflexibilidade tem sido muito bem alimentada por nós, por todos nós, isto explica o motivo de tanto sucesso.

A palavra gentileza deriva do Latim gentilis, que significa, entre outras coisas, bem tratar os outros. E tratar bem os outros foi algo que não vimos na sexta-feira passada.

O que aconteceu com o povo francês foi mais uma das barbaridades que evidencia, há tempos, a nossa mediocridade, o colapso no qual vivemos, a nossa pequenez. Desculpe a franqueza: mas somos medíocres. Se assim não fôssemos, não aceitaríamos este lugar pequeno que nos colocamos. Este lugar no qual a elevação moral não cabe, mas nos faz falta. Este lugar cuja vaidade, poder e estatus têm lugar de destaque. Este lugar cuja elevação moral, amor e perdão perdem força e são ridicularizados à medida que o poder ganha mais um holofote.

O dia mundial da gentileza existe para nos mostrar a importância deste sentimento. Quem não é gentil, quem sofre por não carregar gentileza dentro de si também sofre de inflexibilidade, de intolerância e de intransigência. E o que somos? E o que foi isto que aconteceu?

A França somos todos nós. O que aconteceu lá poderia ter acontecido em qualquer País, com qualquer povo.

Pouco ou quase nenhum uso fazemos da gentileza. Raríssimas são as exceções. Enferrujou por falta de utilização ou enferrujou porque não estamos encontrando um sentido para utilizá-la?

Recentemente, assistindo a um programa de televisão sobre reciclagem do lixo, uma destas pessoas que fazem a reciclagem ouviu certa vez de uma outra pessoa:

- “Que chato, você é uma catadora de lixo...”... E ela respondeu:

- “Não, não sou uma catadora de lixo...Sou uma recicladora do lixo que você produziu...”

Acho que uma das causas da guerra e, consequentemente, da falta de gentileza, é esta: não nos apropriamos do problema. O lixeiro passa na rua para recolher o nosso lixo, mas a gente buzina para ele ou para o carro ao lado. Queremos ultrapassar. Agimos como se o nosso tempo fosse mais importante. Mas afinal: por que é, mesmo, que o lixeiro está lá? Ah, sim, lembrei: para recolher o lixo que nós produzimos.

Não temos paciência para aguardar o lixeiro passar, não somos gentis e respeitosos com quem carrega e retira o nosso lixo, como exigir tolerância frente à diferença de religiões, diferentes ideias? A inflexibilidade e a dureza dos nossos corações criam uma casca em nós. Estamos endurecidos. Estamos doentes. E há tempos.

Ainda temos a mentalidade de garantir o nosso. E o outro? O outro que se vire. Nosso mundo adoeceu. E faz tempo. E talvez estejamos tão ocupados fazendo coisas desnecessárias, que não percebemos isso. A doença se instalou e o remédio para isto está sendo bem amargo.

A nossa mediocridade está por toda parte. E acho que este é o problema, pelo menos um deles. A dificuldade do nosso semelhante ainda não é vista como a nossa dificuldade, também. Quando não enxergamos a dificuldade do outro como nossa é como se vivêssemos em mundos diferentes.

Lindas foram e têm sido as homenagens feitas às pessoas da França, mas infelizmente isto não as trarão de volta, nem tampouco mudarão os planos das mentes doentes que criaram esta triste situação.

A guerra está instalada. E há tempos. Ela está por toda parte, no mundo todo. E é preciso acabar com ela. Enquanto o mundo estiver em guerra, nós estaremos em guerra. Ontem foi a França. E amanhã, quem será?

A guerra está na dor dos imigrantes que fogem em busca de uma vida digna e decente. Os imigrantes não querem participar desta guerra. Por isso, foram obrigados a deixarem suas casas e tudo o que construíram em busca de uma possível sobrevivência. Alguns países construíram cercas elétricas em suas fronteiras para evitarem a passagem de mais imigrantes. A guerra é isto. Quando damos as costas para quem nos pede ajuda e socorro, se instala a guerra. E se nós fôssemos os estrangeiros? Será que tentaríamos pular a cerca?

A guerra está no rompimento das barragens, na cidade de Mariana, que causou um dos maiores desastres ambientais do mundo. O desastre ecológico não tem precedente. Muitas espécies de peixes estão sujeitas à extinção devido à falta de oxigênio da água. Uma comunidade inteira foi destruída e todos os que sobreviveram foram obrigados a deixarem tudo para trás. E agora aguardam reparos (se é que são possíveis) para danos irreparáveis como a dor emocional de olhar para a sua terra e vê-la completamente destruída. Isto é a guerra. O Ministério Público, na época, não deu aval para este contrato, e ainda recomendou à Empresa que fizesse um laudo porque via problemas e irregularidades no local. Além de o Ministério Público não ter sido ouvido, foi ainda chamado de burocrático, conservador e contrário à evolução. E o que é isto senão a guerra?

Um senhor de pouco mais de 60 anos e várias pessoas, além do Corpo de Bombeiros e do IBAMA estão tirando, da água do Rio Doce, da região de Mariana, espécies de peixes e os conservando em cativeiro para protegê-los de uma triste extinção. Mesmo arrasados com tudo o que aconteceu, ainda conseguiram unir forças para salvarem parte das espécies do Rio. Apelidaram o projeto de “Arca de Noé”.

E ainda temos de ouvir alguns poucos jovens arrogantes dizerem que vão salvar o mundo que as gerações atuais estão destruindo. Deveríamos ser todos um. É preciso lembrar que um dos principais terroristas tinha 27 anos, apenas! Mas foi o senhor de 60 que pensou na proteção dos peixes. Somos todos um: assim deveria ser. A idade e a geração? Pouco importam.

Guerras silenciosas. Guerras barulhentas. Guerras externas. Guerras internas. Não importa a natureza: são guerras. E a guerra não deveria existir.

A guerra sempre nos dá a sensação de termos chegado tarde. Bem tarde. Sempre tarde. As pequenas guerras anunciadas. Os conflitos preeminentes. Os recados dados e não ouvidos.

De quem é a culpa? De todos nós, de todos aqueles que acreditam na guerra. De todos aqueles que fazem a guerra. Seja aqui, seja na França, seja ao redor do mundo.

Precisamos de muito mais do que um minuto de silêncio. Muito mais. Muitos atletas dedicaram um minuto em prol da França. Fizemos reflexões e nos chocamos diante o que aconteceu. Mas passado o minuto de silêncio, a corrida de Fórmula 1 começou, o jogo de basquete teve início, a bola rolou no estádio de futebol e nós, simples mortais, voltamos para as nossas rotinas. Mas e depois do minuto de silêncio? O que mais podemos fazer?

Temos muito discurso e pouca ação. Este minuto de silêncio deveria servir, além da homenagem póstuma, como uma antecipação. O que está acontecendo no mundo que já deveríamos saber? Será que os avisos não tinham sido dados? Será que fomos avisados, mas não percebemos? É preciso saber e se antecipar aos explosivos colocados no nosso caminho. Sabemos que eles existem. Mas aonde eles estão?

Ontem a Presidente do nosso País disse que é preciso tomar cuidado com o terrorismo. Mas o que, efetivamente, isto quer dizer? Como tomar cuidado? Como prevenir-se? Discurso vazio é um convite para as guerras. Está aí um exemplo de um discurso vazio.

Alguém precisa erguer o braço e hastear a bandeira branca. Mas e a vergonha de pedir paz? Vivemos num mundo invertido, no qual pedir e promover a paz são sinais de fraqueza. Lutar e guerrear são sinônimos de força.

Penso que a força está justamente na paz que promovemos. A fraqueza está no tumulto e na guerra que criamos em prol de ideais doentes. Adoecemos. Medir forças com o inimigo é dar munição a ele. Não estamos lutando de igual para igual. Se pararmos de medir forças com ele e buscarmos a paz como caminho, o inimigo será desestabilizado. Mas quem começa?

A guerra traz como inimigo principal a gente mesmo. Criamos este mundo doente. E agora não adianta marcar uma consulta. Tarde demais. O que aconteceu na França é um exemplo deste chegar tarde demais.

A guerra está nas comunidades carentes que vivem acordando com disparos entre policiais e bandidos. E as crianças? Ficarão em casa, terão suas aulas interrompidas mais uma vez. Isto é uma guerra.

Precisamos nos antecipar. Perceber e ouvir os recados. Mas como chegar antes se ainda temos dificuldades de doarmos o que temos em excesso? O excesso nos representa e nos diferencia de quem vive na privação. O excesso cega. A privação adoece.

Drogas. Trabalho escravo infantil, prostituição, descaso, pessoas morrendo em corredores de hospitais por falta de assistência. Péssimo atendimento em diversos órgãos e em diversas instâncias. Convênios médicos falidos por corrupção. Ética fora da agenda. Isto é a guerra.

Guerras no trânsito. Veículos como armas em mãos dos desavisados.

O nosso mundo chora. Os animais estão morrendo. Muitos já morreram. A natureza dá sinais de fúria e de revolta. O Rio Doce agora chora também.

É preciso um sentimento de unidade, unicidade, pertencimento. Apropriar-se.

Poderíamos estar em festa se não fosse a nossa escolha pela guerra. Escolhemos este caminho. Só estamos colhendo os frutos de nossa própria plantação.

Ainda parece que não nos cansamos de sofrer. Se estivéssemos cansados, escolheríamos outros caminhos. Se ainda optamos pela guerra, é porque, infelizmente, o sofrimento ainda faz sentido. De forma insana e torta, mas ainda faz sentido.

Quero finalizar este texto, mas não a reflexão, com um verso da música Baianidade Nagô:

“...quem sabe um dia a paz vence a guerra, e viver será só festejar...”

Que a gente possa espanar o nosso dicionário e dar vida à gentileza. E quem sabe um dia a guerra se torne uma coisa remota, de um passado bem distante. Só depende da gente.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Obrigada, amigo!

A semana que passou foi muito triste para mim. Particularmente muito triste. Perdi um amigo.

Um amigo todo branquinho, peludo, da raça poodle, que não pesava mais que três quilos e meio. Chamava-se Barthy. Ou melhor, chama-se Barthy. Aprendi que utilizar o tempo verbal no presente eterniza sobre o que se fala e/ou sobre quem se fala. E o Barthy estará sempre nas nossas memórias, sempre presente em nossas vidas.

Um amigo cão.

Barthy foi um cão feliz. Literalmente posso dizer que ele teve uma vida de cachorro. No melhor sentido que esta construção possa ter. Sempre teve amor da família, atenção, alimentação, caminha confortável e, principalmente, respeito. Ele nos amava e nós o amávamos. Sei disto.

Ele se foi de velhice. Viveu quase 16 anos. Faria aniversário em 14 de dezembro. Nunca teve problemas de saúde, nunca precisou tomar remédios na vida. Um cachorro saudável que viveu a totalidade de tempo que sua raça e espécie permitiram. E sem dores e sem sofrimentos. Apenas nestes últimos quinze dias ele começou a apresentar problemas na lombar, sua circulação foi dando sinais de cansaço, e ele se foi da forma mais linda que pode haver: nos braços de quem o amava muito, também: minha irmã, a mãe dele.

Até nesse momento triste de despedida, ele não deu trabalho. Foi embora de forma rápida e indolor. Mas sei e acredito que a despedida foi temporária: Barthy vive. Não aqui, mais. Mas num outro lugar, num outro plano aonde ele possa descansar e continuar brincando. Acredito nisto. E que bom que acredito nisto. As nossas crenças nos determinam.

Fica a saudade. E quanta saudade! Cheguei a ouvir o latido dele durante a semana, acho que de tanta saudade que sinto. A última vez que nos vimos, há poucas semanas, fiquei um tempão com ele no colo. Como era o costume! Ele adorava um colo. Num momento, ele apoiou sua cabeça no meu pescoço e pude sentir o seu focinho, sua respiração. Só para quem ama animais pode imaginar o sabor delicioso desta sensação. E depois, o levei para tomar água e comer um pedacinho de tomate, que ele fez com gosto. E ainda lambeu meus dedos e minhas mãos.

Que gostosa esta convivência! Obrigada, amigo. E que conforto que dá saber que você foi um cão feliz! E que viveu a plenitude da sua vida. Obrigada, amigo! Obrigada por ter trazido somente alegrias para as nossas vidas.

Como um bom sagitariano, uma de suas principais características era a sinceridade. Quando ele não gostava de alguma coisa ou de alguém, era visível. Latia, rosnava, resmungava. Ficava bastante inquieto quando algo o incomodava. E quer saber? Na maior parte das vezes ele estava certo: ele sempre latia para pessoas esquisitas, que não gostavam de animais e que tinham uma energia pesada.

Respeito quem não gosta de animais. Cada um com suas escolhas. Mas não sei se são pessoas boas e confiáveis. Desculpe se ofendo alguém. Mas somos livres para expressarmos as nossas opiniões. Penso que quem não gosta de animais é só porque ainda não teve a oportunidade de conviver com eles. Depois da convivência, duvido resistir a um chamado deles.

Como diz a música “Samba da minha Terra”, de Dorival Caymmi: “Quem não gosta do samba bom sujeito não é...ou é ruim da cabeça ou doente do pé...”, parafraseando esta bela música...”...quem não gosta de animais bom sujeito não é...ou é ruim da cabeça ou doente do pé...”. Além disto, a convivência com animais nos faz pessoas melhores. Acredito nisto também.

Quando minha irmã viajava, o deixava conosco, em casa. Minha mãe cuidava dele. E que delícia era chegar à noite, em casa, e saber que ele estava lá. Quando eu saía do elevador e tocava a campainha, lá vinha ele com o seu focinho redondinho embaixo da porta, cheirando, só esperando que eu entrasse. E quando isto acontecia, ele ficava pulando em mim pedindo para pegá-lo no colo. E que dificuldade era pegá-lo no colo! Era o que mais eu adorava fazer: ficar com ele no colo.

Numa das vezes em que ele estava conosco, cheguei do trabalho muito triste. Tinha tido um dia muito difícil. Cheguei muito cansada, brinquei pouco com ele e fui tomar um banho. Depois jantei e me sentei no sofá para tentar descansar um pouco. Realmente naquele dia eu não conseguia me doar mais, estava muito cansada. Liguei a televisão, me sentei no sofá e só senti um focinho molhado encostando na minha mão. Era o Barthy. Olhei para ele. Ele levantou a cabeça e olhou para mim, também. Como que entendendo o que acontecia, e sem nada me cobrar, abaixou a cabeça dele e só ficou ali ao meu lado, sem me pedir e sem me cobrar absolutamente nada. Nunca vou me esquecer desta demonstração de carinho, de amor e de solidariedade, algo raro em nós, humanos. São poucos os que fazem, de verdade, isto. Nada me pediu em troca. Muito pelo contrário: foi ele quem me fortaleceu. E ficamos os dois ali, assistindo televisão, quietos, juntos. Não era necessário dizer algo. O silêncio, muitas vezes, fala por si. Mas é preciso saber ouvi-lo.

Aprendemos muito com eles, não só com os cães, mas com todos os animais. São sábios, simples e sabem olhar para a vida além do que ela mostra. Sabem olhá-la com os olhos do coração e para o que realmente importa. Respeitam a vida e só atacam a nós quando nós o atacamos em primeiro lugar. Só que é preciso lembrar que se eles nos atacam será por pura defesa e instinto. Não são vaidosos, não querem o poder, não puxam o tapete de ninguém. São amigos sinceros e solidários. Respeitam a natureza. Respeitam a si.

Quanto podemos aprender com eles, animais!

Nestes últimos dias em que o Barthy esteve debilitado, minha irmã precisou se ausentar do trabalho. Não havia como deixá-lo sozinho. Ela é Professora. Conversando com a Coordenadora de Ensino sobre a situação e pedindo um pouco de compreensão, recebeu a seguinte resposta:

“Você vai precisar escolher. Ou você fica com o seu cão ou você escolhe o seu profissionalismo. Deixar de trabalhar por causa de um cachorro? ”

Pessoas infelizes não são dignas de críticas, mas sim de piedade. Acho que este raciocínio se encaixa bem a esta pessoa. Há pessoas no mundo que congelam em função da frieza delas. Mas não percebem em função de suas duras cascas. Só mesmo os tropeços da vida serão capazes de mudar a rota destas pessoas.

É inquestionável a necessidade do trabalho. Mas aqui se fala de algo além, extremamente superior, e sem comparação: solidariedade, compreensão, estender as mãos, caridade. Mas como pedir isto a este tipo de pessoa?

Nem preciso dizer a escolha de minha irmã: o Barthy. E ela arcou com todas as consequências de sua escolha, de sua feliz e acertada escolha. Num mundo em que se abandonam pessoas, como reparar em quem tem este tipo de atitude perante a um cachorro, a um animal? Tento encontrar outra palavra, mas acho que piedade é a que melhor se encaixa, mesmo. São pessoas dignas de piedade. E, independentemente, de nossas crenças religiosas e se é que temos alguma, achar que não há reação para as nossas ações, é pura ilusão. É viver no mundo encantado. Tudo o que fazemos e tudo o que não fazemos sofrerá reações, efeitos. Seja para o bem ou para o mal. Portanto, é preciso que saibamos que todos nós prestaremos contas de todas as portas que fechamos às pessoas que nela bateram. E o inverso também é verdadeiro: que não serão em vão as portas que abrimos a quem tocou a nossa campainha. Isto é um fato, independentemente de quem acreditar ou não. Quem não acreditar nisto, só estará exercitando o seu poder de alienação, coisa muito comum e nossa parceira diária.

As nossas escolhas são as direcionadoras de nossas vidas. É preciso saber escolher. Escolhas bem-feitas, vida feliz; escolhas malfeitas, vida infeliz. Quem é feliz, olhe para as suas escolhas: você encontrará uma resposta do motivo de sua felicidade. Quem é infeliz, olhe para as suas escolhas: você encontrará uma resposta do motivo de sua infelicidade. Isto é a nossa vida. Somos estas duas coisas. Mas nem todos dedicam tempo para acertarem as rotas. E quando se derem conta, será preciso refazer o caminho. E refazer o caminho não me parece uma coisa agradável. Cada um de nós deve ter uma história para contar sobre isto.

Enfim, quero encerrar este texto que escrevi para homenagear o meu amigo Barthy com um “Muito Obrigado, amigo! ”, e também deixar duas reflexões para todos nós:

“A grandeza de uma nação pode ser medida pela maneira como seus animais são tratados. ” - Mahatma Gandhi

“Compaixão pelos animais está intimamente ligada à bondade de caráter, e pode ser seguramente afirmado que quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem. ” - Arthur Schopenhauer

O que falar sobre Gandhi? A obra dele fala por si. Mas há uma coisa que não posso deixar de falar: que Gandhi lutou pela transformação do mundo, para que fosse um lugar melhor de ser vivido. Ele foi o maior defensor do princípio da não agressão e da não violência. Só isto ele buscou.

E sobre Arthur Schopenhauer, o que dizer? Também a obra dele fala por si. Como um dos grandes Filósofos da História, tinha como uma de suas metas de vida, o Amor.

Acho que vou apresentar Gandhi e Schopenhauer àquela pessoa que se diz Coordenadora de Ensino. E que tristeza uma pessoa com estes pensamentos atuar na área da Educação. Em qualquer área isto seria crítico. Mas na área da Educação, é preciso concordar que é, no mínimo, irônico.

Mas é preciso descongelar a alma e o coração para entender as palavras de Gandhi e de Schopenhauer.

O convite para este descongelar nos chega diariamente. Mas às vezes, muitos de nós estamos ocupados com coisas desnecessárias para ouvirmos a este chamado. E acho que este é o caso daquela pessoa. Mas a vida ensina. À maneira dela, mas ela ensina. Lembrando que a vida não costuma ser muito gentil em seus ensinamentos para quem escolhe caminhos tortos. Mas isto é assunto para outro texto!

Mais uma vez: Obrigada, amigo!

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O que aprendi com a vida

Que mais aprendo do que ensino.

Que nem sempre minha voz é ouvida. Mas isto não quer dizer que devo ficar calada.

Que por mais que eu me esforce, nem sempre o meu esforço é recompensado.

Que por mais que eu mereça, nem sempre a vida é justa, no meu ponto de vista.

Que eu devo mais ouvir do que falar.

Que ceder o meu lugar é mais que uma boa ação: é minha obrigação.

Que ficar falando sobre mim é ineficiente. Minhas atitudes devem dizer quem sou. Não será necessário falar sobre, a menos que me perguntem.

Que aquele que nada faz por merecer, ganha um grande prêmio. E que, mesmo contrariada, é de bom tom apertar a mão desta pessoa e parabenizá-la.

Que colocar os meus defeitos embaixo do tapete aumenta o tamanho deles.

Que deixar minha obra no mundo não significa que vão reconhecê-la.

Que eu recebo muitas coisas da vida, muitas vezes sem muito esforço aparente. Simplesmente recebo porque mereço. Em algum momento construí este caminho. Simples assim. Aprendi que é preciso aceitar os presentes da vida e me sentir merecedora deles. Se me forem dados, foi porque os mereci.

Que a tristeza faz parte da vida. Eu querendo ou não. Se eu a aceitar e procurar compreender porque ela me visitou, certamente ela irá embora mais cedo.

Que embora o tempo esteja chuvoso, o sol está presente. Apenas não está aparente. Mas ele está lá. Basta procurá-lo.

A vida me ensinou o perigo da subjetividade. E por causa dela, presenciei, presencio e presenciarei muitas injustiças.

A vida me ensinou a dura arte de aprender a lidar com os falsos, com os políticos, com os hipócritas. E o pior: a necessidade de sorrir para eles quando eu quero desmascará-los. A vida os utiliza para me ensinar a dura arte de perseverar: a de não desistir de acreditar no que é certo e, principalmente, no poder de transformação das pessoas.

A vida me ensinou que conviver com hipócritas não me faz um deles. Ensinou-me a ter firmeza no meu querer e saber quais caminhos eu não trilharei na vida.

A vida me ensinou a gratidão pelas pessoas idôneas e honestas com as quais também convivi. E o quão difícil e prazeroso é me manter neste caminho.

Aprendi que a vida não facilita o meu caminhar, a menos que eu permita que ela me ajude.

A vida me ensinou que nem sempre ela me dá aquilo que eu quero, mas sim o que eu preciso. E como é duro este aprendizado. Mas de verdade? Se eu facilitar o caminho, ela também facilitará para mim.

Aprendi que não adianta medir forças com quem é mais forte do que eu.

A vida me ensinou a observar a água: ao encontrar uma pedra pela frente, simplesmente ela contorna a pedra. Ela sabe que o seu objetivo é o rio, o mar. E aquela pedra? Nada além de alguém tentando desviá-la do caminho. Mas a água, sabiamente, não permite.

Aprendi com a vida que querer sempre ter razão é arrogante e improdutivo. Não sairei do lugar com este proceder. Além do mais, a minha vaidade fica muito evidente e isto é vergonhoso.

A vida me ensinou a não ir contra a natureza. É inútil. Mas é preciso saber isto e aprender a conviver com o que eu não gosto.

Aprendi com a vida que não adianta ficar brava com Deus (já fiquei algumas vezes). Ele sempre sabe o que faz. O problema é que ele só avisa depois. Bem depois. É preciso esperar e confiar.

Aprendi com a vida que os elogios sinceros são poucos. Mas mais que suficientes para o fortalecimento da minha vida e para o meu fortalecimento. Ela me ensinou que muitos elogios atiçam a minha vaidade e me fazem acreditar sem questionar. Poucos elogios me colocam numa posição de humildade, de gratidão e de reconhecimento de minhas raízes, de eterna busca. Muitos elogios me levam para caminhos sem volta. E quando me der conta, estarei perdida.

Ela me ensinou que o dinheiro é um meio, uma consequência, e não o fim em si. O dinheiro não encerra, promove. Não conclui, possibilita.

A vida me ensinou a pensar duas vezes antes de criticar a corrupção dos governantes, a menos quando eu esteja pronta para abrir mão de minhas pequenas corrupções.

A vida me ensinou que aprender não é sinônimo de apreender. São coisas muito diferentes. O difícil é colocar isto em prática.

A vida me ensinou que o óbvio para mim é absurdo para o outro. E vice-versa.

Ela me ensinou a não esconder os meus medos. Quanto mais os escondo, mais eles aparecem e evidenciam o meu rosto.

A vida me ensinou que os tropeços da minha vida são convites para eu continuar no caminho.

Aprendi com a vida que as minhas frustrações são testes para a minha vontade.

A vida me ensinou que as contrariedades são oportunidades de colocar minhas forças em prática e em serviço.

Ela me ensinou que problemas e dificuldades são formas encontradas por ela de me fazer redescobrir o meu sonhar.

A vida me ensinou a pedir licença para entrar, mas nunca deixar de entrar.

Ela me ensinou que falta de educação é muito triste. Mas que educação em excesso atrapalha.

A vida me ensinou que a grosseria de alguém comigo nem sempre é pessoal. Que na maioria das vezes, reflete, apenas, o que aquela pessoa traz por dentro.

Ela me ensinou que quando eu aponto o meu dedo para o outro, na verdade o defeito é meu, a limitação é minha de, no mínimo, não exercitar a minha compreensão.

A vida me ensinou que sempre posso dar o primeiro passo. E que posso transformar o caminho de muitas pessoas por meio do meu primeiro passo.

A vida me ensinou que ser corajosa custa caro. Mas que ser covarde custa mais ainda.

A vida me ensinou que me posicionar significa, muitas vezes, ficar sozinha no caminho.

A vida me ensinou que ser ética e ter bom senso são obrigações minhas e não méritos de minha personalidade.

A vida me ensinou que, quase sempre, aquele que tem o poder está errado. E aquele que dá o poder ao outro e estimula o servir por meio do poder, está sempre certo.

A vida me ensinou que amigos, de verdade, são poucos. E que quem disser que tem muitos amigos, na verdade não tem nenhum.

A vida me ensinou que ser honesta nem sempre é valorizado.

A vida me ensinou que o conhecimento é um valor inestimável para aqueles que, verdadeiramente, sabem o seu valor.

A vida me ensinou quem nem sempre aquilo que eu acho importante e justo tem voz.

Aprendizados: fáceis, difíceis, necessários, atemporais. Se soubermos lidar com tudo isto, só sairemos melhores desta experiência. Disto não podemos duvidar.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma frase de uma pessoa pouco conhecida, e de uma sabedoria incalculável, que diz:

“A vida é maravilhosa se não se tem medo dela”. Charles Chaplin

Se persistirmos no medo de vivermos as nossas vidas, os ensinamentos ficarão a nossa espera, à espera de quem dê ouvidos a eles.